7 artistas para entender o selo 88rising

O coletivo multiplataforma propõe encontros culturais entre oriente e ocidente e vem revolucionando a indústria

Loading

Fotos: Divulgação

Há o consenso na mídia gringa de que o início da trajetória de asiáticos – ou filhos de asiáticos – no Hip Hop começou com o rapper afro-chinês Christopher Wong Won, também conhecido como Fresh Kid Ice ou “Chinaman”. Nascido em Porto da Espanha, capital de Trinidad e Tobago, ele se mudou para Nova York no final da década de 1970 e fundou o próprio grupo em 1984, o 2 Live Crew. O terceiro disco do coletivo causou polêmica e foi parar no tribunal – a acusação foi de que As Nasty As They Wanna Be (1989) era obsceno demais. Com tanta atenção e controvérsia, as vendas alavancaram e o projeto chegou a conquistar disco de platina duplo.

Em entrevista à Vice americana, o rapper diz que os amarelos estavam na cena desde o começo: “Os asiáticos presenciaram o início do Hip Hop – mas como DJs. A gente ficou no background ou na produção, mas aprendemos com os nossos erros. Muitas pessoas nos veem como passivos, mas as vezes isso pode significar que você esteja aprendendo”. O rapper faleceu em 2017, aos 53 anos, e deixou as suas memórias por escrito na autobiografia My Rise 2 Fame, na qual conta em detalhes sobre sua ascensão no mundo da música.

Há alguns outros momentos marcantes na história dos asiáticos na música popular americana. Em 1997, o grupo Mountain Brothers, formado por filhos de chineses na Pensilvânia, foram os primeiros a assinar com uma grande gravadora. O problema aconteceu depois de fecharem contrato com a Ruffhouse Records, porque o antigo braço de Hip Hop da Columbia não sabia vender esses artistas. Os executivos chegaram a sugerir que eles se apresentassem vestindo roupas de artes marciais, além de colocar um gongo no palco.

Não muito tempo depois, ainda no início dos anos 2000, outro americano filho de chineses fez história. Jun Au-Yeung (MC Jin) ficou conhecido por ganhar sete batalhas de freestyle ao vivo no programa “106 and Park”, do canal BET. Misturando inglês com algumas linhas em cantonês, um dos principais dialetos da China, o MC acabou encantando os executivos da extinta gravadora Ruff Ryders, que já chegou a lançar nomes como DMX e Eve. Mais uma vez, o departamento de marketing da empresa não sabia como lançar o artista, acabaram esperando dois anos para colocar o primeiro disco no mercado e o trabalho foi um fracasso em vendas.

Se pularmos para a segunda década do novo milênio, as coisas começam a mudar com as redes sociais. O documentário Bad Rap (2016) registra o trabalho de quatro rappers descendentes de coreanos na América – Dumbfounddead, Awkwafina, Rekstizzy e Lyricks. Inclusive, Awkwafina, nome artístico de Nora Lum, foi a primeira amarela a ganhar um Globo de Ouro como Melhor Atriz, sendo apenas a sexta mulher descendente de asiáticos a concorrer na categoria. Ela se destacou na edição deste ano da premiação, graças a seu trabalho como protagonista do filme A Despedida (2019). Existe um fator importante da geração atual: eles fazem de tudo. Ao mesmo tempo em que podem ser comediantes, também são rappers, produtores de conteúdo ou de música, mantendo uma forte presença online.

Levante asiático

Ainda sobre artistas que, de uma só vez, estão no cinema, na internet e nos fones de ouvido, é necessário apresentar o trabalho do coletivo 88rising, fundado em 2015 por Sean Miyashiro. A empresa de mídia atua em diferentes frentes – como gravadora, produtora de vídeo, agência de shows, e em menos de uma década se tornou a grande vitrine de artistas asiáticos no mercado americano. Eles são foco do documentário Asia Rising, idealizado pela Red Bull, e ganharam destaque em veículos especializados em negócios – Business Insider, Forbes, Bloomberg – e cultura.

A mídia gringa acompanha de perto o trabalho do empreendedor desde o início da empresa, que surge após a experiência de Miyashiro no mundo do entretenimento. Um dos responsáveis por trazer ao mundo a extinta página Thump, o canal de música eletrônica da Vice, o empresário desejava criar uma Vice para os asiáticos. A revista New Yorker o batiza como “autoridade em criar crossovers culturais entre a cultura asiática e americana”. Filho de um engenheiro mecânico japonês, ele cresceu em São Francisco, mas se mudou para Nova York para tentar uma carreira na música.

Algumas coisas aconteceram para que a nova empresa já começasse com destaque. Miyashiro também havia ganhado experiência no mundo do agenciamento de artistas no EDM, então podemos dizer que ele tinha alguns contatos. O seu primeiro sucesso veio em 2016, quando fez a ponte entre Kris Wu, uma celebridade na Ásia e ex-EXO, com o trapper Travis Scott. A faixa “Deserve” estreou no programa Beats 1, do renomado Zane Lowe, e fez de Wu o primeiro artista chinês a chegar ao topo das mais tocadas de Rap no iTunes – o segundo asiático porque Psy chegou antes com “Gangnam Style”, em 2012. A track também ganhou destaque na Weibo, a maior rede social da China.

Sean Miyashiro - o cérebro por trás do sucesso da 88rising (Foto: Maggie Shannon, The New York Times)

Conforme os anos correram, o empresário foi se especializando em conectar oriente e ocidente, principalmente por meio de feats, a forma que encontrou de chancelar a presença de seus artistas na realeza do Hip Hop americano. O intercâmbio com os países asiáticos é extremamente sedutor para a indústria musical americana, afinal, ninguém conseguiu decifrar como ganhar o mercado chinês e a população do país passou de 1,4 bilhões de pessoas em 2020. A China é um lugar interessante para o ocidente, porque tem muita gente por lá e muita gente conectada. Segundo pesquisa publicada em 2018 pela revista Forbes, mais de 800 milhões de pessoas têm acesso à internet, sendo que 98% possuem smartphone.

A 88rising possui três escritórios, dois nos Estados Unidos (Nova York e Los Angeles) e um em Xangai. De 2018 para 2019, o público do festival da marca em Los Angeles, o Head in the Cloud, pulou de 7 mil para 23 mil pessoas. A coleção de roupas em parceria da Guess foi sold out em menos de uma hora. Somam quase 5 milhões de inscritos no YouTube e quase todos os artistas do casting já passaram a marca dos milhões de seguidores no Instagram. Entretanto, por mais que cada um tenha o seu próprio mérito, Sean é mestre em criar parcerias. As duas coletâneas do selo somam mais de 5 milhões de ouvintes mensais no Spotify e a label também marca presença no tradicional festival Coachella. Rich Brian e NIKI foram os primeiros artistas da Indonésia escalados no palco principal do evento – algo que ficou para depois da epidemia. Os números não mentem, muitas pessoas espalhadas pelo mundo se identificam com a música, a vivência e com o estilo dessa turma, da qual destacamos sete nomes:

Rich Brian

A história de Brian Imanuel, mais conhecido como Rich Brian, tem tudo a ver com a internet. Nascido em Jacarta, capital da Indonésia, na virada do novo milênio, o rapper fez ensino a distância durante quase toda a vida. A rotina significava muitas horas olhando para telas, então não demorou muito para ele se tornar um precoce produtor de conteúdo. Em 2010, aos 10 anos, começou a publicar sketches de humor no Vine. O seu cartão de visita no mundo da música aconteceu em 2016, quando subiu o single “Dat $tick”no Youtube – as pessoas não acreditavam que um adolescente de olhos puxados poderia ser tão ofensivo. Detalhe: conscientemente ele também decidiu vestir uma roupa “de pai”, com direito a camisa polo rosa e pochete.

Antes de adotar a alcunha Rich Brian, assinava como Rich Chigga, assim como proferiu o termo pejorativo diversas vezes na faixa. Em entrevistas, o artista conta que desenvolveu a pronúncia perfeita no inglês por meio de músicas e filmes americanos, e se inspirou no imaginário cultural do país – em especial, na violência. Hoje em dia o vídeo tem 160 milhões de views e foi o conteúdo capaz de lançá-lo para o estrelato no outro lado do mundo. Ele já pediu desculpas diversas vezes sobre o nome, inclusive adotou o Brian logo que assinou com a gravadora. Sua estética hoje em dia está mais para as cores vibrantes de Tyler, The Creator do que para o mood sombrio de XXXTentacion.

Menos de uma semana depois que o vídeo estreou online, o adolescente lidava com a atenção repentina online quando recebeu uma ligação de Sean Miyashiro. Eles fecharam contrato na hora e o fundador da 88rising se tornou seu empresário. A primeira ação do empreendedor foi escalar todos os rappers americanos que conhecia para gravar o vídeo “Rappers React to Rich Brian”.

Nomes como Ghostface Killah, Flatbush Zombies, GoldLink e 21 Savage assistiram e ficaram impressionados com o talento do adolescente. Inclusive, a track ganhou remix com o rapper do Wu-Tang Clan e foi o início de sua ascensão nos Estados Unidos. Seu primeiro disco, Amen (2018), conta com participação de Offset (Migos); o segundo, The Sailor (2019), tem rimas do lendário RZA (Wu-Tang Clan), além de singles em parceria com 21 Savage e Playboi Carti. Os gigantes do mundo do Rap e Hip Hop foram o suficiente para credenciar de vez o trabalho do jovem, que acabou invadindo as listas das mais ouvidas. Ele acaba de lançar o terceiro disco, 1999, e pela primeira vez, canta sozinho em todas as faixas.

Joji

A história do japonês de Osaka, radicado nos Estados Unidos, também teve início na internet. George Miller, mais conhecido como Joji, é um dos responsáveis pelo vídeo original do “Harlem Shake”, lançado em 2013. Na época, o YouTube declarou que mais de 4 mil vídeos covers subiam na plataforma todos os dias. O sucesso da empreitada foi o suficiente para ele continuar apostando na comédia, mas seu caminho mudou de direção quando Miyashiro descobriu suas composições autorais. Se a persona dos vídeos era expansiva, as suas músicas como cantor eram tristes e melancólicas – algo como um James Blake da Geração Z.

A estratégia de divulgação e de carreira do cantor segue a linha do que aconteceu com Rich Brian. Dessa vez, menos Rap, mais R&B e Música Eletrônica, Miyashiro descolou parcerias com nomes como Lapalux, Channel Tres e Diplo. A parte visual continua fundamental na promoção dessas músicas e o combo audiovisual impulsionou seu disco de estreia In Tongues (2018) ao topo da parada de Hip Hop/R&B americana. Além disso, o single “SLOW DANCING IN THE DARK” entrou no disputado Hot 100 da Billboard.

Higher Brothers

Um ano foi o suficiente para Miyashiro entender como vender os seus artistas. Depois do sucesso do primeiro vídeo com rappers reagindo ao jovem indonésio, foi a vez de quatro rappers chineses ganharem destaque. O vídeo com Migos, Lil Yatchy, Denzel Curry e muitos outros comentando a track “Made In China” viralizou em 2017. O nome do grupo, formado por Masiwei, Psy.P, Dzknow e Melo, vem da empresa de eletrônicos Haier, e, em menos de cinco anos de carreira, eles já são considerados os maiores rappers da história da China.

No documentário Asia Rising, eles contam que, no início da carreira, receberam muitos comentários negativos, que diziam que o Rap não combinava com chinês, que era muito melhor ouvir em coreano ou japonês. A resposta deles foi em música e “Made In China” foi um sucesso, como eles já previam: “Pensamos como tudo é feito na China, as pessoas falam que os produtos são de má qualidade, mas estão em todos os lugares, acredite ou não, essa música vai ser tocada em todos os lugares, como todas as outras coisas que são feitas aqui”. Acertaram em cheio.

Em 2018, ganharam a alcunha de Artista do Ano pela Netease, uma das maiores plataformas de streaming musical da China, e começaram a ganhar projeção fora do país. Original da cidade de Chengdu, o grupo faz a linha trappers viciados em streetwear, com letra (e flow) que vai do inglês ao mandarim em questão de segundos. Mais uma vez, Miyashiro apostou nas colaborações como porta de entrada do quarteto no mercado americano, o segundo disco, Five Stars (2019), conta com feats de nomes como o próprio Curry, além de Soulja Boy e ScHoolboy Q.

NIKI

A história da cantora, compositora e produtora Nicole Zefanya começa cedo. A artista tinha apenas 15 anos quando abriu os shows de Taylor Swift na Indonésia, em 2014. Munida de sua voz suave e um ukulele, encantou a plateia de 8 mil pessoas e nunca mais parou. Seu talento chegou aos ouvidos de Miyashiro por intermédio de Rich Brian, seu colega de cena em Jacarta – o empresário não pensou duas vezes ao fechar com a primeira e única mulher do casting do selo. Hoje em dia, a dupla indonésia publica fotos ao lado de nomes como Billie Eilish.

NIKI flerta com a música Pop, o Neo-Folk e o R&B em faixas românticas e dançantes. “Como escrevo e produzo todas as minhas músicas, acho que a minha presença serve para mostrar a outras mulheres que elas podem ser autossuficientes. Você não precisa de um homem ou de qualquer pessoa para fazer dar certo – é isso que quero passar”, disse em entrevista ao site Popspoken. Mesmo com a pouca idade, aos 21 anos, ela já tem dois discos lançados – Zephyr (2018) e MOONCHILD (2020) –, e soma uma porção de singles.

August 08

No terceiro ano de operação do selo, foi a vez de Miyashiro expandir os horizontes e fechar com o primeiro artista não asiático no selo. A escolha foi August 08, cantor e compositor baseado em Los Angeles, que embarcou de cabeça na nova família e fez os primeiros shows na abertura da turnê de Rich Brian, em 2018. O primeiro disco, FATHER (2018), fala sobre sua infância após o abandono do pai, quando tinha apenas 11 anos de idade.

A estratégia de divulgação do cantor foi parecida com a dos primeiros artistas do casting – colaborações e clipes super bem produzidos. Entre os parceiros de August 08, estão Goldlink e Smino, além de se destacar em coletâneas e discos dos colegas de selo. Sua personalidade online também se difere dos colegas de empresa, adotando a linha misterioso e dividindo apenas informações de trabalho. A personalidade reservada não importa para os ouvintes – quase dois milhões mensais.

Stephanie Poetri

Nascida em Jacarta, filha de uma cantora e um professor de música, a casa da cantora e compositora sempre foi cheia de música. Fã de nomes do K-Pop, como BLACKPINK, Red Velvet e TWICE, ela vislumbrava um futuro na música quando escreveu – de fato – um hit acidental. Aos 19 anos, Stephanie tem quase 1 milhão de inscritos no YouTube, onde, além de suas próprias composições, publica vídeos de maquiagens, entre outros conteúdos populares na plataforma.

Certo dia, perguntou aos seus seguidores no Instagram (hoje tem 1,3M) sobre alguns temas para uma possível letra. Os fãs citaram uma referência do filme Avengers, que acabou gerando os versos da faixa “I Love You 3000”. O resultado: a faixa ganhou versão em indonésio e inglês, ficou durante semanas na lista Global Viral 50 do Spotify, soma quase 100 milhões de plays na plataforma e conseguiu até mesmo uma regravação com um ídolo de infância, Jackson Wang, do grupo GOT7. Foi com a faixa que Stephanie abocanhou um contrato com a 88rising, se mudou para Los Angeles e começou a trabalhar em alguns singles, enquanto não vem um disco completo.

beabadoobee

Quando o selo começou a crescer, entre algumas das várias críticas, estava a ausência de narrativas femininas – o clássico Clube do Bolinha ou no inglês “sausage party”. Um jeito que Miyashiro descolou de arrumar isso foi apostar e produzir conteúdo audiovisual para artistas que não fazem parte do casting do selo. No passado, já trabalharam com nomes como a DJ Yaeji, a cantora Pop Rina Sawayama e a roqueira Japanese Breakfast. Em 2020, um dos nomes que eles estão apoiando é beabadoobee, nome artístico de Beatrice Laus, nascida nas Filipinas em 2000. Ao lado de Rich Brian, ela foi headliner do festival online do selo, o Asia Rising Forever.

A artista se mudou para Londres com apenas 3 anos e se dedicou ao violino durante a adolescência. Tudo mudou aos 17 anos, quando aprendeu a tocar guitarra e começou a lançar a suas próprias composições. O primeiro disco, Fake It Flowers, será lançado em outubro pelo selo Dirty Hit, o mesmo de nomes como The 1975 e Rina Sawayama. Inclusive, Bea chegou a abrir shows da banda de Matt Healy, além de seguir lançando singles e EPs. Hoje, soma quase 20 milhões de ouvintes mensais sem nem mesmo ter um álbum completo. Seu estilo de música vai na linha do revival do Rock cantado por artistas mulheres, uma cena bem estabelecida nos Estados Unidos – Snail Mail, Phoebe Bridgers, Vagabon, entre tantas outras. Só neste ano, a jovem cantora foi indicada a Artista Revelação no Brit Awards, celebrada como aposta pela BBC e vencedora do Radar Award, da revista NME. No EP Space Cadet (2019) há até mesmo uma música chamada “I Whis I Was Stephen Malkmus”, uma homenagem ao músico do Pavement.

Loading

Autor: