Águias Passadas A Limpo

“The History of The Eagles” é parada obrigatória para os fãs do conjunto, que desejam rever a conturbada trajetória da banda

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Você gosta de Folk Rock? Quer saber como isso tudo começou? Tá com vontade de se inteirar sobre o assunto, raríssimo em termos de fonte por aqui? Ao mesmo tempo que conhece os detalhes da tal cena californiana da virada dos anos 60/70, quer saber sobre uma banda participante disso tudo, que ainda está na ativa? Se todas as respostas foram positivas, The History Of The Eagles é o fim dos seus questionamentos sobre o universo, jovem.

“Eagles???” – você dirá. Alguns poucos privilegiados ainda vão lembrar: “aquela banda que toca Hotel California, cheia de tiozão”? Agora será a nossa vez de responder “sim”. Poucas formações foram capazes de atravessar a década de 1970 com integridade, mantendo a qualidade de seu trabalho e, no meio do caminho, lotar estádios, arenas e vender mais de 26 milhões de cópias de um único disco, no caso, a compilação 8Greatest Hits8, lançada em 1976. The Eagles foram esses caras, surgidos no turbilhão do Folk Rock, que atravessaram os 70’s, encerrando atividades em 1979 literalmente aos tapas. Voltaram em 1994, mantiveram-se vivos até hoje, lançando apenas dois discos, um deles, Hell Freezes Over, uma compilação de sucessos em formato acústico com poucas faixas inéditas e Long Road Out Of Eden, este sim, um álbum de canções novas. Como isso tudo aconteceu?

O DVD duplo é uma verdadeira festa para fãs e não-fãs. Conhecidos pelos atritos e diferenças pessoais, Glenn Frey (vocais, guitarra, teclados), Don Henley (bateria, vocais), Joe Walsh (guitarra, vocais) e Timotht B Schmit (baixo, vocais) abrem seus respectivos baús. Formados em 1971, a formação inicial tinham apenas Frey e Henley e contava com a presença de Randy Meisner (baixo e vocais) e Bernie Leadon (guitarra e vocais). Frey veio de Detroit para a California nos anos 60 e Henley, nativo do Texas, também se dirigiu para o estado dourado em meados da década. Ambos eram fãs de Beatles, Motown, Blues e Country, mas só foram se encontrar quando foram contratados para integrar a banda de apoio de Linda Ronstadt. Durante a turnê que a cantora empreendeu pelo país, Henley e Frey puderam observar várias afinidades musicais e decidiram deixar a empreitada e formar sua própria banda. Chamaram Meisner e Leadon, dois músicos com os dois pés no Country e deram início aos ensaios. Em pouco tempo assinariam contrato com o selo Asylum, de David Geffen e foram para a Inglaterra gravar seu primeiro disco. Frey conseguiu que Glyns Johns fosse o produtor, muito por conta de seu trabalho anterior com bandas como Rolling Stones, Led Zeppelin e The Who.

Johns jamais conseguiu ver Eagles como uma banda de Rock, achava que o diferencial deles era justamente ser uma banda de Country, tocando algumas canções mais Rock. Frey pensava diferente. Sempre procurando manter a banda sob sua direção e firmando uma parceria perene com Henley, Glenn Frey tolerou a presença de Johns por dois álbuns, Eagles (1972) e Desperado (1973). Apesar dos dois discos terem emplacado sucessos medianos nas paradas (“Take It Easy”, “Desperado”, Tequila Sunrise e Peaceful Easy Feeling), Frey conseguiu que Johns fosse substituido por Bill Szymczyk, engenheiro de som, que assumiu a produção do terceiro disco, On The Border (a ser lançado em 1974) e trouxe Don Felder, um exímio guitarrista, para integrar as fileiras da banda. Com ele, Eagles se aproximavam cada vez mais do Hard Rock, como era o desejo de Frey.

Mesmo com o sucesso da balada Best Of My Love e a entrada em estúdio para um novo disco em 1975, as divergências internas continuavam. Agora era Leadon que reclamava da aproximação da sonoridade da banda com o rock e pedia por mais acento country. Sua relação com Glenn Frey se deteriorou a ponto dele ser demitido sumariamente após um show. Em seu lugar entrou Joe Walsh, virtuoso e vigoroso guitarrista de rock’n’blues, selando definitivamente a proposta da banda. Em 1975 eles lançam o maravilhoso One Of These Nights, cuja faixa título traz vocais poderosos de Henley, muito próximos de uma levada proto-disco, mostrando que Eagles estavam antenados com o que acontecia no mundo e eram capazes de se adaptar. Lying Eyes e Take It To The Limit foram os outros êxitos do disco. O grande sucesso, no entanto, viria no ano seguinte.

Em 1976, a banda soltou o mítico Hotel California. Com a faixa título composta a partir de uma ideia de Don Felder e letra surreal de Don Henley, o disco foi construído e composto em torno do conceito de perda de inocência x California ou sobre o lado escuro do sonho americano. Com a canção beirando os sete minutos em primeiro lugar nas paradas dos dois lados do Atlântico, o conjunto experimentaram fama inédita. Lotaram ainda mais estádios pelos EUA. Também tocaram nas rádios Life In The Fast Lane e *New Kid In Town, que venceu o Grammy de 1976 como “melhor arranjo vocal”, além da faixa-título, que levou o prêmio de “gravação do ano”. Mesmo com o sucesso, as rusgas entre os componentes não paravam. Don Felder queria mais espaço, Randy Meisner não se sentia à vontade para cantar e, diante da mão de ferro de Frey/Henley, as devidas providências foram tomadas: Felder foi devidamente convidado a ficar na sua e Meisner foi substituído pelo baixista do Poco, Timothy B. Schmit após a excursão do disco. Simples assim.

Contra todas as expectativas, a banda se reuniu em meados de 1978 para gravar um novo disco. Queriam fazer um álbum duplo mas as tensões impediram que os trabalhos durassem muito tempo. A grande novidade era a presença de Schmit, novo na banda, querendo espaço e dono de uma voz capaz de atingir falsetes dignos de Smokey Robinson. Logo ele estaria com uma canção especialmente feita para esse clima: I Can’t Tell You Why, que esteve nas paradas de sucesso ao lado de Heartache Tonight. Pouco tempo depois do lançamento de The Long Run – o nome do álbum, escolhido por conta do longo caminho que levaram até seu final – o Eagles encerrou suas atividades. Felder e Frey praticamente se atracaram no palco e o clima ficou insustentável.

Henley e Frey logo estariam em carreira solo. Glenn Frey foi responsável por dois grandes hits dos anos 80, You Belong To The City, presente na trilha sonora do seriado Miami Vice, e The Heat Is On, marcada a ferros na memória através de sua inclusão em Um Tira da Pesada, filme que levou Eddie Murphy ao estrelato. Henley também se deu bem e lançou um belíssimo disco em 1983, Building The Perfect Beast, que emplacou dois hits massivos nas paradas: All She Wants To Do Is Dance e The Boys Of Summer, cujos clipes caíram nas graças da MTV americana. Para Walsh, Felder e Schmit a década não foi tão glamurosa assim. O primeiro tornou-se alcóolatra, viciado em cocaína; Felder sumiu do mapa e Schmit teve que se virar em discos de vários artistas, de Poison a Jimmy Buffett, nem sempre recebendo créditos por suas participações.

A ideia do retorno da banda veio ganhando força no fim da década mas Frey era o único renitente. Após mais algumas investidas, a banda reuniu-se em 1994 para gravar um show para a MTV. Como diziam que Eagles só voltariam a tocar juntos se o inferno congelasse, o especial – que transformou-se em disco – chamou-se Hell Freezes Over. O formato seguia o Unplugged MTV, na moda na época. Com o sucesso assombroso da empreitada, a banda se reuniu para uma turnê mundial. Walsh precisou ficar sóbrio sob pena de ser chutado da banda. Em 1998 eles são indicados ao Hall Of Fame e se preparavam para uma nova turnê mundial quando nova rusga aparece. Frey e Henley, compositores e vocalistas principais da banda, decidiram estabelecer um contrato de participação no qual os integrantes da banda receberiam valores distintos, de acordo com sua participação e relevância. Ambos achavam – e tinham certa razão – que o nome da banda só permanecera vivo nas mentes do público por conta de suas carreiras solo nos anos 80 e pelas composições que haviam escrito. Walsh e Schmit concordaram com seus valores, mas Felder não. Diante de novos velhos ressentimentos, a banda ainda tentou seguir com ele, mas sua demissão viria em seguida.

Hoje em dia, são um quarteto e possuem um guitarrista convidado, Steuart Smith, que é capaz de emular todas as sonoridades e nuances compostas e tocadas por Felder. Com ele a banda gravou seu último disco, Long Road Out Of Eden, em 2007.

O DVD é pródigo em não ocultar absolutamente nada da história da banda. Quem imaginou que era uma biografia chapa branca, enganou-se redondamente. Episódios espinhosos estão presentes como as demissões dos músicos (com depoimentos de todas as partes envolvidas), problemas contratuais de todo tipo (com frases contundentes, sobretudo de David Geffen e Don Henley sobre um processo de 30 milhões de dólares que Geffen moveu contra o baterista/vocalista), do ex-produtor Glyns Johns (colocando em dúvida a perícia da banda), além de grandes quantidades de imagens de época, material inédito e um show da turnê de Hotel California em Washington, 1977. Esta é uma fonte de pesquisa imprescindível para quem se interessa por Eagles. Se você gosta de bandas folk, acha que formações que tangenciam a sonoridade californiana são legais, vale a pena conhecer esses sujeitos, que, bem ou mal, a todo custo, mantiveram-se relevantes e capazes de produzir toneladas de hits.

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ARTISTA: The Eagles
MARCADORES: Documentário

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.