As previsões da TARDA

Desvendamos “Futuro”, primeiro disco do projeto de música e artes visuais, cujas inspirações passam por Shoegaze, Hilda Hilst e picotes de gravações históricas

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Fotos: Randolpho Lamonier

“Que tipo de futuro é possível imaginar – e construir – a partir de um presente instável?”, questiona a banda TARDA, em entrevista ao Monkeybuzz.  Não à toa, após consenso entre os cinco integrantes, o primeiro disco do projeto multiartístico foi batizado com o nome da música “Futuro”. A última faixa do álbum é uma composição conjunta de Sara Não Tem Nome e Paola Rodrigues, na qual, logo no início, escutamos o som das ondas do mar, ao passo que, acompanhadas de um dedilhado suave, as cantoras revezam os versos. “Temos a sensação de que não tem nada para ser dito depois dela”, completam.

Ao longo das 11 faixas, Futuro cria climas, tensões e momentos de contemplação. O trabalho foi desenvolvido de forma coletiva pela dupla, ao lado de Julia Baumfeld, Randolpho Lamonier e Victor Galvão. Apresentado em novembro do ano passado, o registro vem sendo desenvolvido desde o final de 2018 e foi finalizado em cima do lançamento. Além do disco, foi realizada uma performance audiovisual a distância, elaborada entre Belo Horizonte, São Paulo e Paris, casas das respectivas quarentenas dos integrantes.

O experimento faz parte da programação online do Festival Som & Fúria, idealizado pelo teatro Galpão Cine Horto, localizado na capital mineira. O primeiro passo foi decidir o setlist e entender o que cada um teria ao alcance. Depois de entender o mood de cada música, passaram a traduzir os sons em imagens. “Adoramos o processo de edição, encontrar as relações entre imagem, ritmo, detalhes. As cenas se iniciam à noite e seguem até o amanhecer, uma tensão muito grande que vai se dissipando”, explicam.

Para iniciar essa noite nebulosa, “Paranoid Quarto”, um spoken word revisitado de Paola, em uma narrativa sobre existir tem tempos caóticos: “Um suspense que vai se amontoando, um estado paranoico, um pouco familiar para todo mundo na situação atual”. Ao longo desse trajeto, em filmagens VHS, quartos apertados, noite escura, também somos surpreendidos por um fantasma andando de skate no Minhocão fechado para os carros. Conforme o vídeo de meia hora se aproxima do final, as últimas faixas ganham uma atmosfera menos opressiva ao amanhecer.

Narrativas complementares

Além de se dedicarem à música, todos os membros do coletivo possuem projetos paralelos e carreiras nas artes visuais e no audiovisual. A partir de anseios coletivos e interesses mútuos, criaram a TARDA em 2017 para compartilhar processos criativos. O quinteto também divide o amor pela literatura, em especial a escrita de autores como Hilda Hilst, Clarice Lispector e James Joyce.

“Que tipo de futuro é possível imaginar – e construir – a partir de um presente instável?”

Há uma faixa batizada com o nome da poeta paulista, “Hilda”, que conta com “um interlúdio que introduz a dimensão mais fantasmagórica do álbum”. Como a banda explica, Sara estava lendo o trabalho da autora durante as gravações, quando lembrou dos experimentos de Hilda com vozes de pessoas mortas. “Descobrimos que o método se chama ‘Transcomunicação Instrumental’ – uso de ferramentas para gravar vozes do além. Uma mistura de ficção científica, misticismo, literatura, tudo a ver com a estética do álbum”, contam sobre a faixa que ainda insere trechos de uma entrevista com a escritora.

Ao longo de músicas como “Pantasma”, é possível escutar algumas vozes emprestadas de samples. Decidiram então criar uma “letra polifônica” ,com vozes de inteligência artificial, palestras de autoajuda, vlogs do YouTube, manifestações, como “camadas de realidades convivendo ao mesmo tempo”.  Há ainda vozes de Shirley Chisholm, primeira mulher negra candidata à presidência dos Estados Unidos, Clarice Lispector falando sobre processo criativo e o pronunciamento da ex-presidente Dilma Rousseff durante o processo de impeachment.

“Consideramos que esse é um momento decisivo para o grande trauma coletivo que está construindo com a crise atual do Brasil e admiramos a forma como ela se posta diante da violência que todo esse processo representou contra ela”, comentam. Já em “Ninguém por Enquanto”, faixa de abertura, cantam “Ninguém me dirá quem sou nem saberá quem fui”, de Fernando Pessoa, e “E essa tempestade que chamamos de progresso”, de Walter Benjamin.

Entre as referências musicais estão bandas como Slint, Low, Warpaint e Beach House – transitando por Shoegaze, Dream Pop, Post Rock, criaram músicas experimentais, mas melódicas: “No processo do álbum, talvez as músicas fiquem todas prontas ao mesmo tempo, quando sabemos que todas fazem sentido entre si, não são redundantes quando estão juntas, e também fazem sentido sozinhas, não falta nada para serem autônomas”.

A cada música,  o grupo aproveitou a chance para compor o universo do que logo se tornaria o som da banda. “Quando um certo elemento era desenvolvido em uma música, isso influenciava a outra. Nunca perdemos de vista o peso que cada elemento tinha no álbum como um todo e, como essa paisagem ia se consolidando, fomos nos dando conta dos elementos que constroem o vocabulário do álbum”, lembram sobre o processo de gravação.

A última vez que todos os músicos se encontraram foi em fevereiro de 2020 para fotografar a capa do disco, assinada por Randolpho Lamonier. Aos poucos, vão descobrindo novos processos, agora sem a companhia de Sara, que no momento se dedica finalizar seu segundo disco solo, A Situação, ainda sem data de lançamento. Tentam se acompanhar, ao passo que criam individualmente: “Claro que não é a mesma coisa de virar a noite tocando junto, de um jeito catártico. É uma sobriedade que esse tempo demanda”.

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