Barra por Barra: falando sério sobre Bonde da Stronda

Analisando os marcos da stronda music no rap brasileiro

Loading

 

Barra por Barra é o espaço no qual o João aparece por aqui às sextas-feiras para falar de hip hop e de tantas outras coisas que vêm junto com a (enganosamente simples e definitivamente sedutora) ideia de “falar de hip hop”. Ritmo, poesia e opinião – com o João.

 

 

Eu penso mais sobre Bonde da Stronda do que deveria. Talvez escrever sobre esse tema seja uma maneira de exorcizar isso. Com exceção de uma ou duas músicas que eu comecei ouvindo meio ironicamente (um hábito horrível, eu sei), eu não gosto do som dos caras. É objetivamente ruim. Como bem disse Maurício Amendola, o digníssimo editor dessa humilde coluna, “todo mundo sabe que Mr. Thug e Léo Stronda não são Talib Kweli e Mos Def”. Entretanto, a partir de um momento na minha vida – depois que a onda do Bonde da Stronda tinha passado – eu comecei a ter um interesse quase antropológico na coisa. É que a dupla foi o protótipo do rap para playboy no Brasil, uma fatia considerável do cenário de hoje.

Fico com a pureza das respostas de meu amigo João Marcos Cristan, que cravou essa há 12 anos, e se interessa pelo fenômeno stronda a partir da mesma ótica que eu:

Por muitos motivos, que investigaremos aqui, Bonde da Stronda foi um fenômeno, especialmente entre a classe média brasileira, ali no fim dos anos 2000. Em entrevista para a extinta revista para garotas Capricho (que talvez devesse ter escrito a palavra “masculino” bem pequenininho logo abaixo do nome), Diego Thug define “stronda” como “uma gíria nova que significa sair pra zoar, pra se divertir”. Quem stronda é chamado de playsson. A repórter pergunta se tem a ver com ser playboy, e Diego pontua: “Tem, sim. Mas a diferença é que o playboy se liga na marca, em marca de roupa, o playsson não se liga nisso, ele curte mais o rolê…”.

Nas mãos do Bonde da Stronda, o termo, que é invenção do MC Mãe, virou uma espécie de subgênero musical. “Rolava uma relação ‘irônica’ com a stronda. A gente achava engraçado os termos ‘viver par mulé’, ‘ficar no brilho’, ‘strondar a porra toda’, ‘playsson’, ‘mauriçoca’, ‘cocota’, conta o rapper e beatmaker João Marcos Cristan.

Esse texto não é um revisionismo histórico do rap limitado e imbuído de preconceitos feito pela dupla, muito menos uma tentativa de redimi-los, mas uma proposta de jornalismo sério acerca de um momento que ajuda a entender muitas coisas que acontecem hoje no cenário do rap brasileiro. Vamos falar sério sobre Bonde da Stronda?

 

O domínio da internet

O Bonde da Stronda começa em 2006, um ano após o lançamento do YouTube. Segundo dados do IBGE, o uso de internet no país subiu 75,3% entre 2005 e 2008. Aproveitando essa onda, impulsionada principalmente pelas classes A e B, como mostram informes do Comitê Gestor da Internet no Brasil, o BDS foi pioneiro na compreensão da transição entre gravadoras tradicionais e o trabalho independente publicado e divulgado pela internet. Antes de assinarem com Dennis DJ para a produção do disco de estreia, Nova Era da Stronda, o rosto e o estilo de vida de Mr Thug e Léo Stronda, com 15 e 14 anos respectivamente, já estava estampado em flogões por aí, e o sons de gravação caseira por cima de base gringa se espalharam de mp3 em mp3 e inundaram sub-nicks do MSN, enquanto as letras povoavam os depoimentos no Orkut. A dupla pegou o formato proposto pelo rapper Mag (noitada, mulher e esbórnia rimadas em beats gringos) e, de maneira consciente ou não, o adaptou para uma realidade mais jovem e palatável, se tornando um dos primeiros grupos de rap jovem do Brasil. Através da internet, o Bonde da Stronda se tornou conhecido e lotou matinês por todo o país – até vlog das viagens eles faziam! A partir de ferramentas da web, o Bonde da Stronda foi um dos primeiros grupos de rap jovem no Brasil, fazendo uma legião de garotos brancos querer agir como eles (vide “Manual da Stronda”) e se parecer com eles. Neste caso, moletons, roupas de surf e o penteado liso de franjas enormes, que posteriormente ficou conhecido como “cabelo do Justin Bieber” – uma grande injustiça com todo o movimento stronda.

A Nova Era da Stronda

Quando Dennis DJ descobre o fenômeno Bonde da Stronda, os meninos já tinham lançado um trabalho na internet, o Stronda Style. De produção acidentalmente Lo-Fi, como mencionado no tópico acima, o trabalho conta com beats de Nas & Damian Marley, T.I. – “Why You Wanna”, que sampleia “Gypsy Woman”, da Crystal Waters –, clássicos de Nelly e Ja Rule, e “Still D.R.E.”. “A base mar playsson do Rio de Janeiro”. Ou seja, Thug e Léo Stronda de fato estavam ouvindo o que estava rolando de rap pop nos Estados Unidos. Dennis então decide produzir batidas originais para essas letras que já estavam popularizadas. O resultado é o disco Nova Era da Stronda, com produções que vão desde o crunk tradicional de Lil Jon, até uma versão funk melody do hit “Nossa Química”. Apesar da limitação técnica dos MCs do Bonde da Stronda, principalmente de Léo, o disco de estreia da dupla encapsula várias tendências sulistas de rap dos anos 2000, incluindo o auto-tune, e as adapta para a realidade brasileira – um movimento de assimilação reproduzido por muitos artistas hoje. “Acaba sendo um precursor do Matuê, assim, no jeito que soube capitalizar uma aproximação com a estética do hip hop comercial de fora”, comenta Cristan.

Linda, perfeita, dominou meu coração

Quando a stronda se esgota, quando você cansa de zoar, de farpar e de pegar mulher, você namora e escreve canções. É a época de “Nossa Química”, “Garota Diferente” e “Do Jeito Que Eu Quero”. Nas letras, eles nunca sabiam como nem por que tinham começado a gostar da mina, bem coisa de paixão rasa de adolescente mesmo, com uma melosidade de conto de fadas que impede qualquer ouvinte de passar do primeiro minuto de música. Quase dá para imaginar eles escrevendo as rimas no caderno Tilibra da mina mais Kimberly do Ensino Médio de uma escola em Copacabana. No instrumental, geralmente um piano ou violão que segue solo por um tempo, até entrar a bateria eletrônica. Todos elementos cruciais para as Poesias mais Acústicas que existem.

Mansão Thug Stronda formou…

Se hoje nomes como MC Cabelinho, TZ da Coronel e Puterrier borram cada vez mais a linha que separa rap e funk, Bonde da Stronda foi pioneiro na união, convidando Mr. Catra para fazer o refrão da maior música do grupo. Ainda que embebida em machismo e masculinidade tóxica, “Mansão Thug Stronda” é um marcador no rap nacional. Algumas linhas destacáveis: “Banheira de hidromassagem, com as mina passando nua/ Os parceiros só de toalha chamando as mulher na rua”; “Tenho uma teoria, é nela que eu estudo/ Patricinha é cheia de marra e as emo quebra tudo”. “Essa música levou a Stronda de uma parada extremamente de nicho pra um fenômeno legítimo, com endosso do Mr Catra (gigante na época – ‘Adultério’, etc., tocava em toda festa)”, pontua Cristan. No momento em que essa matéria é redigida, o clipe de Mansão Thug Stronda passa de 109 milhões de views.

A decadência

Depois de Nova Era da Stronda, o grupo teve alguns lampejos, como “Hell de Janeiro”, com participação de Leleco 22. “É um som muito comédia em como tenta juntar consciência social e acaba sendo de extremo mau gosto, pela playboyzice branca de todos os envolvidos. Há momentos realmente constrangedores nesse som, tipo uma parte em que eles vão criticar racismo, aí dois segundos depois um zoa o outro porque pegou uma mina “do Senegal””, comenta Cristan. O grupo ainda lançou alguns discos, mas que não chegaram a ser nem de perto o sucesso da estreia. Em 2023, o Bonde da Stronda acabou oficialmente, após Léo Stronda se converter a crente.

E se você chegou até aqui…

Gostaria de te recomendar alguns sons que tenho curtido muito! É como uma recompensa, para que você continue voltando para ler minhas presepadas.

Carlos do Complexo – “PÂNICO!”

dadá Joãozinho – Cuidado! (feat. Alceu, Bebé)

Paris Texas – “Everybody’s Safe Until…”

YL – MORE LIFE (PROD. ZOOMO)

 

Loading