Barra por barra: não aprendi a dizer adeus

…Mas tenho que aceitar: não precisamos de um novo disco de André 3000

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Barra por Barra é o espaço no qual o João aparece por aqui às sextas-feiras para falar de hip hop e de tantas outras coisas que vêm junto com a (enganosamente simples e definitivamente sedutora) ideia de “falar de hip hop”. Ritmo, poesia e opinião – com o João.

 

 

No dia 20 de junho de 2023, Killer Mike foi entrevistado no programa Sway In The Morning e cravou: “um novo álbum de André 3000 está a caminho”. A frase se espalhou como fogo em mato seco, até que, dias depois, numa tentativa de conter o incêndio, o rapper do Run The Jewels fez mea-culpa, dizendo que não passava de uma brincadeira – ainda que nada em seu tom de voz durante a entrevista indicasse isso.

De qualquer forma, a declaração mexeu com o coração dos fãs – com o meu, inclusive –, que pediram por um trabalho novo de André 3000. Desde Idlewild (2006), último álbum de estúdio do OutKast, André Benjamin só tem aparecido em participações pontuais, diferente de seu parceiro Big Boi, que até o momento lançou três discos solo que não chegaram nem perto da relevância dos trabalhos da dupla.

Toda essa situação me fez pensar: será que precisamos mesmo de um disco novo do André 3000?

Segundo a página Hip Hop by Numbers, entre 2006 e 2021, André 3000 fez 40 participações, uma média de 2,9 por ano, e seis músicas próprias, uma média de 0,4 por ano. Essa escassez de aparições, somada à qualidade ímpar delas, criou uma gigantesca mística por trás de qualquer verso novo de André 3000. Toda vez que o nome do homem aparece em uma tracklist é quase como o anúncio de um cometa, de um eclipse ou o aparecimento de um dragão: as pessoas se reúnem e se preparam para vê-lo (e ouvi-lo). E essas participações não são restritas a rappers mais antigos como Killer Mike ou Rick Ross.

Nesse período, André colaborou com diversos nomes da nova geração, como Frank Ocean, Travis Scott e até mesmo um Drake em início de carreira. Em 2016, em um perfil para a Complex, 3 Stacks disse: “às vezes eu fico, tipo, ‘Estou bem. Vou deixar os jovens fazerem isso.’ E sempre que eles estendem a mão e dizem: ‘Ei, vamos tentar alguma coisa’, estou os ajudando. Estou fazendo isso mais por eles do que por mim mesmo. Não fico muito feliz fazendo música assim – fico feliz em contentar com quem estou trabalhando, ajudá-los e vê-los entusiasmados”. Envelhecer em uma cultura jovem e que é essencialmente movida por esse espírito tem se mostrado um desafio: não raro vemos lendas que aprendemos a amar lançando trabalhos ultrapassados e desinteressantes, quando não se posicionando contra novos artistas e tendências, replicando comportamentos dos quais foram alvo por gerações anteriores. Honestamente, aparecer de vez em quando, quase como uma entidade, ajudando na manutenção e na renovação da coisa me parece uma ótima e justíssima escolha.

Se um disco de inéditas do André 3000 aparecesse online, de repente, eu certamente correria para ouvir. Mas o cara tem que querer fazer um disco! Quero dizer: entre um compilado de músicas e um álbum existe um abismo (isso sem entrar nos processos de pré e pós-lançamento de um trabalho). Juntar um apanhado de versos e dropar pode ficar meio com a sensação de disco póstumo com o cara ainda em vida, meio fanservice. O próprio Idlewild (2006), disco que é trilha sonora do filme homônimo, já tem um pouco desse retrogosto insosso de cena pós-créditos. Seria melhor se André 3000 fizesse um Tiny Desk, bem caprichadão, imagina?

Mas por que a gente fica enchendo tanto o saco de um artista para lançar um disco novo? Por que a coitada da Rihanna não pode curtir a vida de mãezona depois de oito discos e trabalhando desde os 17 anos de idade?

É raro que um artista se despeça, como fizeram A Tribe Called Quest e Milton Nascimento, por exemplo. Nesses casos, a despedida é um acontecimento, celebrado com uma turnê especial, ou um grande disco reunindo um timaço de produtores como fez JAY Z com Black Album (2003). Sem essa oportunidade de dizer adeus, fica difícil mesmo desapegar, como quem espera a volta de um ex-ficante que nunca terminou de fato com você, porque primeiramente, vocês nunca nem tiveram um compromisso.

Pensando sobre a obra do André 3000, ela está muito bem encerrada ali em Speakerboxxx/The Love Below (2003), inclusive. É um disco duplo do OutKast que na verdade são dois discos solo – é o trabalho solo do André no qual ele se expressa mais livremente. Outra coisa que não se pode dizer de 3 Stacks é que ele não é generoso. Apesar da escassez de participações, na grande maioria delas ele rima mais do que as tradicionais 16 linhas, por momentos insuficientes, como apontado em “Sixteen”, participação na música de Rick Ross. Além dos versos longos, eles são sempre muito esmerados, coisa de quem não somente aperfeiçoou o ofício ao extremo ao longo dos anos, como de quem capricha a nível parnasiano com a posição de cada sílaba, criando versos que são epítomes do que é um bom rap.

Essas rimas não somente fazem a manutenção do seu legado e da sua posição entre os maiores rappers de todos os tempos, como também o apresentam para novas audiências de maneira muito mais eficiente do que diversos de seus contemporâneos. Quem precisa de um disco novo de André 3000 quando ele já escreveu o límpido e tocante verso de “Life Of The Party”, ou “Solo (Reprise)”?

Pensando de maneira menos aprofundada e fazendo um resumo da ópera: eu só quero viver em um mundo em que, a cada dia, mais pessoas negras possam se aposentar cedo, saudáveis e prósperas para tocarem suas flautas tranquilas por aí.

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