Billy Bragg: A Ameaça Vermelha Da Velha Ilha

Basta uma repassada pela vida e obra do compositor para descobrir sua importância musical e política

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Você conhece Billy Bragg? Provavelmente não. Talvez, com sorte, os fãs de Wilco lembrarão dos três volumes de Mermaid Avenue, lançados em 1998, 2000 e 2012, nos quais a querida banda de Chicago colaborou com Bragg, na missão de musicar e gravar letras do trovador folk-socialista Woody Guthrie, achadas pela filha deste, Nora, nos porões da casa que o velho mestre morou nos arredores de Nova York, na própria Mermaid Avenue. Na verdade, o pedido de Nora se endereçou a Billy, tão trovador e tão socialista quanto seu pai, que se apresentava pelos Estados Unidos imemoriais com um violão marcado pela inscrição “essa máquina mata fascistas”. Entre os discípulos de Guthrie estão estão Pete Seeger (recentemente falecido) e um tal de Bob Dylan.

Bragg nasceu em 1957 e tem a carreira dividida em duas fases. Entre 1983 e 1991, está seu momento mais interessante, audacioso e inovador, passando por uma gradativa mudança ao longo da década, para se aninhar numa sonoridade próxima do Alt.Country, sempre com uma banda a acompanhá-lo, sobretudo a partir de 2002, quando lançou o disco England, Half English, à frente de Blokes. Os anos 1980 também são o período mais prolífico e engajado de Billy, que iniciou-se na música a partir da amizade com um vizinho, conhecido como Wiggy, nos arredores de Essex. Os dois adolescentes se aplicaram na sonoridade Rock’n’Soul praticada pela dinastia Small Faces/Faces, aprendendo tudo sobre o assunto. Após frequentar o ensino básico, Bragg decidiu formar uma banda ao lado de Wiggy, Riff Raff, em pleno 1977. Enquanto batalhava na cena dos pubs, bares e buracos londrinos, Bragg trabalhava na loja Guy Norris Records para garantir a cota mínima de caraminguás mensais. Como os singles da banda não iam a lugar nenhum, tampouco despertavam a atenção das gravadores, Billy decidiu alistar-se no exército, sendo encaminhado para prestar serviço militar no Royal Armoured Corps.

O tempo no quartel parece ter surtido diferentes efeitos em Bragg. Depois de três meses, ele estava de volta à casa dos pais, pois não suportou permanecer na rotina militar, porém, quando retomou suas atividades musicais, estava completamente transformado. Sai Riff Raff e vem um Billy Bragg trovejante, munido apenas de uma guitarra elétrica e sua voz. Logo retornou à cena noturna de Londres e começou a produzir fitas demo. Num movimento genial, Billy se passou por um técnico especializado em consertos de aparelhos de TV e adentrou o escritório do diretor da Charisma Records, Peter Jenner, para levar suas fitas. Jenner gostou do que ouviu, mas não podia assinar contrato com Bragg porque a gravadora estava próxima da falência. Mesmo assim, ele ofereceu a chance de Billy poder gravar novas canções em um estúdio, o que foi aceito imediatamente e possibilitou o lançamento de seu primeiro álbum, Life’s A Riot With Spy Vs. Spy, em 1983. Seu grande sucesso, A New England, está presente nesse registro inicial.

Começava assim uma carreira atípica, uma vez que a obra de Bragg sempre teve um lado político bastante pronunciado. Ele não compunha canções apenas sobre este assunto, há vários exemplos de músicas feitas com base em referências herdadas da paixão por Soul Music americana clássica, principalmente de artistas com o selo Motown Records de qualidade, especialmente os Four Tops. Mesmo assim, em pleno 1983, Bragg era uma voz que começava a erguer-se num país dominado pelo governo conservador de Margaret Thatcher. Logo, vieram mais gravações, que tomaram a forma do segundo disco, Brewing Up With Billy Bragg (1984) e Between The Wars (1985), um EP com canções políticas que, surpreendentemente, chegou ao Top 20 inglês, dando a Billy a chance de aparecer no programa Top Of The Pops. Pouco tempo depois, ele embarcaria em sua primeira turnê pelos Estados Unidos. O sucesso que veio até bem rápido, levou Billy novamente para o estúdio e, pouco depois, Talking With The Taxman About Poetry, seu terceiro disco, iria direto para o Top 10 inglês, com seu título capturado de um poema do russo Vladimir Mayakovsky. A participação de Johnny Marr dá uma dimensão nova às canções, sobretudo aos dois grandes sucessos, Greeting To The New Brunette e Levi Stubb’s Tears, uma homenagem ao vocalista principal dos Four Tops.

A mudança sonora na obra de Billy Bragg começa a partir de 1987. O lançamento de Workers Playtime marca a presença de outros músicos no estúdio, numa sonoridade típica de banda. Se isso amansa as características que deram a Billy o apelido de “Clash de um homem só”, também expande o universo de composições. Deste disco vêm clássicos como Waiting For The Great Leap Forwards, Tender Comrade, Life With The Lions e Must I Paint You A Picture. As gravações com banda ainda não eram algo bem resolvido para Bragg, que soltaria um EP em 1990, apenas com sua guitarra e cheio de canções políticas, The Internationale, que trazia uma regravação da Internacional Socialista. Mesmo assim, em 1991, Billy migraria para a sonoridade com banda e teria ajuda de vários camaradas como Johnny Marr, que voltava a colaborar com ele, além de Michael Stipe e Peter Buck (REM) e Kristy McColl, que gravara uma versão adorável de A New England. O novo disco, Don’t Try This At Home, fora gravado de acordo com as sonoridades mais próximas do Rock Independente americano, no sentido Losing My Religion do termo. Wiggy, velho companheiro de Bragg, estava de volta na banda que o acompanhava, The Red Stars. Sexuality, uma canção com muito de Smiths em sua composição, foi o grande hit desse disco, com direito a clipe e divulgação em grande escala.

Após cinco anos, tempo que Billy Bragg passou cuidando do primeiro filho, é lançado William Bloke, o disco mais fraco de sua carreira. Felizmente, em 1995, haveria o contato com Nora Guthrie, que originou o projeto Mermaid Avenue a partir de 1998. Centenas de letras do velho trovador americano foram encontradas, todas escritas entre 1939 e 1967. Billy escolheu algumas, Jeff Tweedy e Jay Bennett (Wilco) escolheram outras. A ideia era que compusessem como se estivesse colaborando com Woody e não apenas musicando algo que já fora escrito há tanto tempo. Por conta de alguns desentendimentos sobre as gravações, Billy e Wilco não se apresentaram juntos, o que deu espaço à nova banda de Bragg, os Blokes, que se formam com o venerável tecladista Ian McLagan, ex-Faces, como grande destaque. Após o segundo volume de Mermaid Avenue, lançado em 2000, é lançado England, Half English, em 2002. De lá pra cá, foram lançados Mr. Love And Justice (2008), Mermaid Avenue vol.3 (2013) e Tooth & Nail (2013), além do DVD ao vivo, Live At Union Chapel.

Billy Bragg é um artista engajado, ainda que não se assuma como um cantor/compositor político. Ele sempre esteve envolvido com questões sociais na Inglaterra, foi tenaz opositor do governo conservador de Thatcher (assim como Morrissey) e permanece conectado com protestos da atualidade, como os movimentos Occupy. É da raríssima estirpe dos trovadores de esquerda que não resvalam para o discurso vazio e panfletário, preferindo aliar suas questões políticas com necessidades sociais dos nossos tempos. Numa época em que falar desses assunto significa ser chato e/ou desinteressante, Billy Bragg é a exceção que deveria ser uma nova regra.

“The death of Margaret Thatcher is nothing more than a salient reminder of how Britain got into the mess that we are in today. Of why ordinary working people are no longer able to earn enough from one job to support a family; of why there is a shortage of decent affordable housing… of why cynicism and greed became the hallmarks of our society. Raising a glass to the death of an infirm old lady changes none of this. The only real antidote to cynicism is activism. Don’t celebrate – organise!” – Billy Bragg, 2013.

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ARTISTA: Billy Brag
MARCADORES: Redescobertas

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.