Cinco pérolas da Bersa Discos

Uma seleção de discos da gravadora argentina que, em meados dos anos 2000, fomentou a cena de cumbia eletrônica com fusões afiadas e originais

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Fotos: El Hijo De La Cumbia / Reprodução

Criada no caribe colombiano, a cumbia mistura influências indígenas, africanas e europeias e sua história une influências e ecos que atravessam séculos. O gênero chegou à Argentina por volta dos anos 1960, época em que também se espalhou por quase toda a América Espanhola com grande apelo popular. Em terras argentina, se desenvolveu como um gênero próprio, assimilando elementos da música popular, além de modismos, expressões e gírias locais nas letras. Partindo de um formato musical já vivo no imaginário cultural do país, o cuarteto – estilo popular da província de Córdoba –, consolidou-se, durante as duas décadas seguintes, a “movida tropical” argentina, influenciada por ritmos do norte da América do Sul. Dessa época, vale destacar os santafesinos Los Cumbiambas, Los Palmeras e Los del Fuego.

Depois desse período de auge até meados da década de 1980, a cumbia saiu do radar das grandes rádios até renascer na Argentina a partir dos anos 2000, especialmente como movimento cultural das villas ou quebradas dos arredores de Buenos Aires e periferias de outras províncias do país. A cantora portenha Gilda e os grupos La Base, Damas Gratis, La Rama, El Empuje, Corre Guachin, Flor de Piedra e Los Gede são alguns dos nomes que despontaram durante essa fase.

A Bersa Discos surgiu em 2007 não apenas como forma de divulgar alguns artistas dessa cena local de cumbia eletrônica – El Hijo De La Cumbia, Daleduro e Chancha Via Circuito –, mas como demonstração do gênero enquanto união entre diferentes culturas e países. Alguns exemplos dessa diversidade são DJ Negro (San Juan), Sonido del Principe (Cartagena), Toy Selectah (Monterrey) entre outros. Além da cumbia, as coletâneas do selo – normalmente capitaneadas por dois ou três artistas – incorporam elementos de reggaeton, hip hop, drum ‘n’ bass, garage, electro e house. O pouco conteúdo disponível pela web diz que a gravadora foi transferida para a Califórnia, onde, além do lançamento de discos, tornou-se uma produtora de eventos. O catálogo da Bersa foi lançado em formato de discos de vinil, em compactos simples ou 12 inch.

Ausente em redes sociais nos últimos anos, a Bersa Discos soltou sua última coletânea em 2013 e, ao que tudo indica, parece não estar mais em atividade. Ainda assim, sua contribuição para a cumbia é poderosa, demonstrando a fluidez e a versatilidade do gênero – além de sua capacidade de nos fazer mexer o corpo como poucos estilos musicais conseguem.

Aqui, listamos cinco dos melhores discos da gravadora que servem como introdução ao pulsante mundo da cumbia a partir de um recorte do novo milênio.

DJ Negro, Oro11 y Alex Pasternak – Bersa Discos #2 (2008) 

O produtor porto-riquenho Félix Rodríguez, conhecido como DJ Negro, encarna os primórdios da cultura reggaeton mundial por suas contribuições para o movimento Únder com o rapper Vico C, um dos primeiros rappers em língua espanhola da história. Nessa segunda coletânea lançada pela Bersa Discos, o artista vai para muitos lados: “Andres Landero vs. The Roockie” usa um sample da canção “La Negra, do clássico cantor de cumbia colombiana Andres Landero, remontando às origens mais profundas do gênero e adicionando toque bem eletrônico. (Baila la cumbia, Antonio Sánchez / Baila la cumbia, Antonio Sánchez / Y comprate una caja de vela / Comprate una caja de vela / Ve que la negra va elegante / Enamórala que te la llevas).

Já no reggaeton “Mundo Querido” há uma pequena contribuição de Sen Dog, do Cypress Hill, e levadas de rap tanto com versos em inglês quanto em espanhol, fusão que também ocorre no fechamento, “Lluvia”. Em “Pibes Walk Out” o produtor argentino Oro11 entrega um remix incrível de “Que Calor” do grupo Los Pibes Chorros, com energia típica do West Coast hip hop dos anos 2000. Por fim, a faixa “Pajariton” é uma versão de Alex Pasternak de uma antiga canção colombiana composta por Alejandro Durán Diaz chamada “El Pajarito“.

DJ Panik y Chancha Via Circuito – Bersa Discos #3 (2008)

O misterioso DJ Panik contribuiu para essa coletânea com três faixas: “Te Vez Buena” é um remix de um clássico da música panamenha de mesmo título e autoria de El General, um dos pais do reggaeton: El General. Já as outras duas faixas têm muita influência do hip hop do sul dos Estados Unidos nos anos 2000: “2 Step” funde os sons de cumbia com os versos do rapper Unk, natural de Atlanta; e “Like This, Like That” segue a mesma linha, mesclando os dois gêneros em uma boa combinação.

O disco também conta com duas faixas instrumentais do Chancha Via Circuito, entre os artistas argentinos mais aventureiros e experimentais dos últimos tempos. “Cumbia Murguera” é dançante e mais lenta, com notável influência andina e levada hipnótica. Por fim, “Damas Gratis Dub” provavelmente faz referência ao grupo argentino de cumbia villera Damas Gratis. Com sons de chicotes e armas sendo recarregadas, Pedro Canale nos leva por uma breve e intensa experiência sonora.

Uproot Andy y Sonido Del Principe – Bersa Discos #4 (2008)

Essa quarta coletânea da gravadora também faz bastante referência à tradição musical colombiana – o sample da cumbia “El Pescador“, na voz de Totó La Momposina, na primeira faixa; e a presença do currulao – gênero colombiano de matriz africana – em “El Botellon“, que sampleia a canção de mesmo título, do Grupo Naidy, ambas remixadas pelo produtor Uproot Andy. A última faixa feita pelo canadense para esse disco é o remix de La Vida Vale La Pena“, uma das mais dançantes da coletânea e que bebe de um gênero conhecido como bullerengue.

Sonido Del Principe também participa da coletânea com três faixas bem coerentes entre si. “Cartagena” é uma cumbia eletrônica com levada explosiva e ápices que vêm de um acúmulo quase caótico de instrumentos, sons eletrônicos, sirenes e vozes. Já “El Principe” traz uma levada de guitarra inebriante, em meio a toques orgânicos e graves distorcidos. Por fim, a “Cumbia de la Baranquilla” parece beber de salsa e, mais uma vez, demonstra o estilo do produtor colombiano de combinar camadas que se sobrepõem.

El Hijo De La Cumbia y Daleduro – Bersa Discos #1 (2008)

O primeiro lançamento da Bersa Discos foi realizado através da colaboração de dois produtores locais. Emiliano Gómez, conhecido como El Hijo De La Cumbia, navega por dancehall, dub, reggae e se apresenta desde os 12 anos de idade na cena de Buenos Aires. Hoje, ele vive em Malmo, na Suécia, mas já colaborou com grupos de cumbia e produtores no México e nos Estados Unidos – praticamente um antropólogo da música.

As faixas “La Mara Tomaza” e “Cumbia de los Barrios” evocam o melhor da cumbia villera argentina, com instrumentais psicodélicos, percussão envolvente, sanfonas, sons de animais e o clássico som do guiro sempre no ritmo dos ombrinhos de quem se mexe dançando. Nesse disco, tanto ele quanto o conterrâneo Daleduro prestam homenagens ao emblemático grupo de cumbia argentino Los Palmeras, remixando a canção “El Bombón” em três diferentes versões – a primeira, bem agitada e frenética; a segunda, com vocais jamaicanos; e a terceira, num ritmo de cumbia bem lento.

Sabo y Cassady – Bersa Discos #6 (2009)

As três primeiras faixas dessa coletânea são colaborações entre Sabo e Cassady, dois produtores estadunidenses: “La Curura” abre o repertório em grande estilo, sampleando a faixa de mesmo título da icônica Totó La Momposina. Já em “Esa Loca Cumbia”, temos o sample da canção “Cumbia Cienaguera“, de autoria desconhecida, mas aqui interepretada pelo colombiano Alberto Pacheco.

Ainda há três colaborações individuais de Sabo: “Soundboy Cumbia”, assim como no disco mencionado anteriormente, faz uma homenagem à canção do grupo argentino Los Palmeiras, lançada em 2004; e “La Negra Chula”, faixa incrível que sampleia um artista chamado DJ Laz e sua produção “Negra Chula”, de 1994. Por fim, “Chillando Goma – Sabo’s Loco Edit” é um edit da canção do grupo nova-iorquino Fulanito, com levada mais house e bem diferente do resto das canções nesse disco.

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