Experimentações e intimidade: o som do Carabobina

A dupla formada por Raphael Vaz (Boogarins) e Alejandra Luciani compartilha as inspirações que ajudaram a construir seu projeto de estreia

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Fotos: Filipa Aurelio

Em 2018, Raphael Vaz levou um filme de 35mm da Lomography, com uma tonalidade puxada para o roxo, para fotografar os bastidores do show do Boogarins na Casa de Cultura Cavaleiro de Jorge, na Chapada dos Veadeiros. Dos registros revelados, saiu a capa do disco de estreia autointitulado do Carabobina, duo formado por ele e a parceira criativa — e amorosa — Alejandra Luciani. “A foto tinha o meu rosto que, inclusive, saiu horroroso”, a artista ri ao completar a frase, enquanto Raphael discorda com a cabeça.

A capa, que apresenta as tímidas maçãs do rosto de Alejandra e uma árvore ipê roxo-rosado, sintoniza a energia íntima, caseira, orgânica e experimental da estreia do duo. Lançado no dia 6 de novembro, Carabobina é um registro de nove faixas escritas em português, inglês e espanhol, que passeiam entre experimentações saborosas da música Pop e da psicodelia. Gestado durante dois anos — entre as pausas da rotina frenética de shows do Boogarins, no qual Raphael dá o tom do contrabaixo, e as produções musicais de Alejandra —, o disco chega alçado pelo selo norte-americano Overseas Artists Recordings (OAR).

Em entrevista ao Monkeybuzz, Raphael conta que a dupla, inicialmente, não tinha ambição alguma de unir as referências musicais (conscientes e inconscientes) e transformá-las em um disco. A afinidade entre os dois, contudo, acabou os levando a isso. Durante uma viagem de Alejandra a Céres, no Goiás — cidade natal do parceiro —, Raphael mostrou algumas demos que havia criado e a primeira produção aconteceu. “Começamos a mexer em uma música, e aí, no final do dia, ela estava meio pronta. A faixa não entrou no disco, mas acho que é o modelo de algo que começamos a tecer depois”, explica.

O episódio deu tão certo que a dinâmica de produção do casal seguiu a mesma: os dois imersos em uma intimidade criativa dentro de um estúdio na própria casa. “Às vezes eu ia tomar banho e falava: ‘enquanto eu estiver fora por 20 minutos, tenta fazer uma linha de voz’, e vice-versa. Depois ouvíamos juntos”, conta Raphael.

A conexão musical e a relação tão estreita da dupla valorizaram ainda mais o processo de lapidação do disco: “Conseguíamos escolher muito bem quais partes deveriam entrar e qual voz combinava. Nunca fomos territorialistas, sempre respeitamos muito a ideia um do outro, porque ninguém precisava estar fazendo isso. Se não fosse para ser de boa, era só a gente colocar um filme para assistir”, completa.

As brincadeiras com texturas, camadas, ruídos e melodias foram protagonistas nos bastidores da produção do disco — e na finalização dele também. Essas experimentações crocantes se deram principalmente pela inquietação de Alejandra, que é nitidamente conectada com a sinestesia das canções.

“Nunca fomos ‘territorialistas’, sempre respeitamos muito a ideia um do outro, porque ninguém precisava estar fazendo isso. Se não fosse para ser de boa, era só a gente colocar um filme para assistir”

Ao elencar algumas referências de produção – como Radiohead, Juana Molina, The Lemonheads, Sonic Youth e mais – a artista venezuelana descreveu capturas sonoras que tomou como influência. “Uma vez ouvi camadas sonoras muito grossas modeladas por um bumbo. Quando ele entrava, o som subia e descia. Sempre pensei que queria fazer algo assim. Também gostamos dessa dinâmica de secar bastante e depois expandir. Se eu pego qualquer coisa como referência, é geralmente nesse quesito: construção e produção”.

É uma dupla, que, de fato, se complementa: enquanto Alejandra desbrava o universo dos plugins e me descreve algumas sensações proporcionadas por eles, Raphael elenca o a + b das canções do Carabobina e dá um passo para trás ao assimilar o que constrói a sonoridade do duo. Segundo ele, os dois tinham muitas bandas queridas em comum. “Quando nos conhecemos, descobrimos que nós dois, em outro espaço e tempo, fizemos covers de Pixies, por exemplo”. Outros nomes como Yo La Tengo, Broadcast e My Bloody Valentine — show em que se conheceram — também aparecem na lista do casal.

A base roqueira na hora de conceber um disco mais eletrônico não foi, de forma alguma, um problema. “Pensamos muito nessas bandas que experimentaram beats eletrônicos, mas que ainda tinham uma guitarra pesada”, explica Raphael. “Mas tentamos fazer com que ela não fosse a base da música, porque a base de toda banda de Rock é guitarra. E nós queríamos fazer outra coisa”. A intenção fica ainda mais evidente quando ouvimos o disco e percebemos as linhas do instrumento apenas em “Em Dezembro” e em “Tiriru”. No restante da produção, os Carabobinas passeiam por baterias eletrônicas e sintetizadores, como se a banda de Rock — jovem e imaginária — deles tivesse sido coada em um filtro futurista.

Inicialmente, a ideia de Raphael de se afastar dos acordes de guitarras, baixos e contrabaixos pode soar inusitada dada a atmosfera do Boogarins. O músico, contudo, afirma que o processo inverso criou uma dinâmica criativa muito interessante. “É uma coisa que comecei a fazer há pouco tempo, porque eu era muito calcado pela guitarra ou uma estrutura harmônica para cantar. Dessa vez procuramos o arranjo primeiro. É escutar algo e pensar que aquilo é um caminho, que é possível começar uma música dali”. Com isso em mente, a espontaneidade foi primordial para o disco.

Canções como “Better Off” e “Mariposa”, por exemplo, foram improvisadas e com os vocais registrados em um único take. “Nem estávamos juntos na hora. Ela improvisou uma letra em cima da melodia e tem uma cadência muito boa”, pontua Raphael. Sobre esse processo de composição, Alejandra explica: “Não dá para forçar, mas quando acontece, é muito bom. Às vezes você não tem nada na cabeça, mas se você liga o microfone, aperta o REC, começa a cantar e tudo fica diferente”.

Ainda que as canções tenham sido criadas em intervalos de tempo diferentes, todos os elementos presentes (beats, timbres de drum machines, sintetizadores e o apelo mais pop) se conectam. Carabobina é como um filme revelado da dupla — com tudo que veio antes e depois do primeiro encontro.

O duo montou uma playlist com bandas e artistas que inspiraram o disco de estreia:

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ARTISTA: Carabobina