Explosão codinome Keila

Lançando o álbum “Malaka”, a ex-vocalista da Gang do Eletro, Keila Gentil, inicia a carreira solo reverenciando mulheres e ritmos da periferia

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Fotos: Divulgação

Keila descobriu a música não só com os ouvidos, mas com o corpo inteiro. Em cima dos pés do pai, ainda criança no bairro de Jorge Teixeira, em Manaus, ela aprendeu a se mexer ao som do Brega, da Lambada, do Merengue e da Cúmbia. Os irmãos, por sua vez, se incumbiram de trazer a referência dos hits dos anos 2000. E, inventando coreografias de toda sorte, a jovem se iniciou autodidata na dança, misturando steps de Break com as famosas tremidas de ombros, acompanhando as batidas que vinham do estado do Pará. 

Com o tempo, os vários ritmos transcenderam os gestos do corpo. Filha de sorveteiros, saía na rua vendendo a produção da família e, sempre que podia, arranjava um momento e um espaço para “dar uma palinha, se apresentar”. Entrou para as sabatinas da Igreja Adventista, virou solista do coral cristão, ingressou no grupo lírico do Estado e não surpreende que, já aos 13, fez da paixão pela dança e pelo canto sua real profissão. “Comecei a fazer muita banda baile, que é como chamamos por aqui os grupos de cover”, conta. “Esse foi o meu laboratório, em que aprendi a tocar de tudo e a enfrentar todo tipo de palco. Cheguei até a ser disciplinada na igreja”, lembra e ri da própria excomunhão.

Cantando adolescente na noite amazônica, conheceu o produtor Joe Benassi. Foi Joe quem a apresentou para Marcos Maderito e Waldo Squash, quando se mudou para Barcarena, um município próximo de Belém do Pará. Os dois, juntos com Will Love, mantinham uma “banda de internet”, com experimentações e criações musicais que compartilhavam com grupos de Tecnobrega. “Eles adoraram a minha voz, mas já tinham uma vocalista. Um dia, porém, quando precisaram de uma substituta, eles me chamaram para um show em Macapá. Eu fui e fiquei”. Desse jeito que Keila entrou para a formação mais famosa da Gang do Eletro. 

“Éramos um bando de moleque doido, jovens da periferia de vinte e poucos anos que buscavam um som”, diz. “Fazíamos para as equipes, mesmo, que são os fã clubes de bairro que acompanham e veneram as aparelhagens por aqui. Não era uma vontade de ganhar o mundo, era uma vontade de fazer e de trabalhar”. Mas o grupo foi longe e realmente extrapolou as fronteiras do país. Com muita luz neon e pirotecnias visuais, a Gang exportou o seu eletromelody – uma mistura de Carimbó, guitarrada e batidas eletrônicas – para o exterior. Eles participaram da abertura dos Jogos Olímpicos, no Rio de Janeiro, em 2016, receberam o prêmio Multishow, em 2012, como os melhores artistas revelação do ano, e até viraram trilha de novela com um hit.

“Eu era uma vocalista em uma banda com três homens e agora tenho um processo criativo que é todo meu. (…) Agora, eu tenho ainda mais voz” – Keila

A banda existia desde 2006, entrou em atividade mais intensa em 2008, mas estourou mesmo em 2011. Nasceu e sempre “foi do povão”, como define Keila, mas acabou abraçada também pelo circuito cult e alternativo, mesmo que esta não fosse exatamente a pretensão. “O underground nos conheceu, mas estávamos no corre há um tempo. Saímos em revista, começamos a aparecer, mas o Gang sempre foi coisa de terceiro mundo, perifa mesmo e com orgulho”, ela explica. 

Foram 7 anos juntos até que, no ano passado, Keila anunciou a sua saída do grupo, junto do seu desejo de criar uma carreira solo. “Esses anos foram tempo o suficiente para entender a minha carga enquanto mulher da periferia paraense e o que eu queria fazer de verdade musicalmente. Me relacionei mais fortemente com o feminismo, virei mãe e tive o Josué [9 anos] e a Alexa [2], e fiquei mais pronta para apresentar minhas referências e bases musicais”, conta. “ Ter uma carreira solo é ficar mais exposta a cometer erros, mas também acertos. Eu era uma vocalista em uma banda com três homens e agora tenho um processo criativo que é todo meu. Se antes eu era direcionada, agora eu tenho ainda mais voz”.

Esta voz toda ganha corpo em Malaka, o primeiro álbum solo da cantora que entrou nas plataformas de streaming nesta sexta-feira, dia 9. O nome faz alusão ao jeito pejorativo de se referir a alguém da periferia e que é marginalizado. “É uma gíria que usamos aqui para falar de um pivete, um malandro, um galeroso”, explica. E esta ideia atravessa todo o conceito do disco, celebrando a produção cultural de regiões não centralizadas. “Como a periferia engloba tudo o que eu sou, decidi juntar tudo o que é criado nas periferias do mundo. Tem Tecnobrega, Hip Hop, Brega, Funk, Pagode baiano, Dancehall e até ritmo cigano”, lista. 

Para a produção, Keila convocou Felipe Pomar, produtor musical baiano, com quem fez um intercâmbio cultural. “Trouxe ele para cá, mostrei tudo o que rola por aqui”. Todas essas trocas existiram também com as participações especiais, como a com Ouro, de Goiás, e Viviane Batidão, do Pará. Ao todo são 10 faixas, lançadas através do selo Natura Musical, que deve andar pelo país – a princípio com shows em Belém, Salvador e São Paulo, no mês de setembro.

“O meu sonho é tornar o tecnobrega algo pop e não apenas regional. Até hoje, ele tem sido visto apenas como produção regional e exótica. E quero tirar essa ideia de um ritmo excêntrico. É um movimento tão gigantesco, por que ele não ecoa com mais facilidade no resto do país?”, questiona. “Podem até achar que não está tão raíz, que plastifiquei um pouco, mas alguém tem que fazer isso. Acredito que é preciso fazer este movimento”.

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MARCADORES: Tecnobrega