Memórias e desejos da terraplana

Com influências de shoegaze e post-rock, “olhar para trás”, disco de estreia da banda curitibana, é um exercício de auto compreensão que encoraja a missão de fazer as pazes com o passado

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Fotos: Eduarda Hipólito

Como você lida com o seu passado? Reconhece o que foi bom e ruim para entender como agir no presente ou prefere ignorar? Para a banda curitibana terraplana, olhar para trás é essencial para entender o presente e construir o futuro. Essa é a ideia que o grupo formado por Stephani Heuczuk (voz e baixo), Vinícius Lourenço (voz e guitarra), Cassiano Kruchelski (voz e guitarra) e Wendeu Silverio (bateria) expressa no disco olhar para trás, lançado em março pela Balaclava Records e produzido por Gustavo Schirmer.

Começando com o passado, a terraplana surgiu em 2017 em Curitiba. Por meio de conexões virtuais, Stephani e Vinícius se conheceram no twitter e o plano de fazer som juntos se concretizou com a mudança de Vinicius para Curitiba. Antes do grupo, a dupla mantinha com outras pessoas uma banda cover de Tame Impala, mas com a produção de músicas autorais a terraplana foi se formando. “Em 2017 surgiu a terrraplana com o Wendeu e outro guitarrista. Nisso, gravamos nosso primeiro EP, em casa, com os equipamentos que nós tinhamos”, relembra Vinicius. “Com a saída do outro guitarrista, o Cassiano entrou no grupo em 2019. Ele era conhecido do Wendeu e já tinha afinidade com o som”.

Foi no mesmo ano de formação que o grupo disponibilizou as primeiras gravações autorais, com o EP Exílio (2017), produzido e gravado pela própria banda. “Desde o começo tínhamos a urgência de ter o EP para a banda existir online. Mas desde essa época já era um desejo gravar um álbum bem produzido, e a gente já conhecia o trabalho do Schirmer”, conta Vinicius. “Assumir a gravação e produção foi a única opção que tínhamos. Isso também serviu como forma de aprender e experimentar”, comenta Stephani.

“Às vezes temos isso: de olhar muito para trás e se esquecer de aproveitar a parada que está acontecendo agora. Ou de pensar muito no futuro e se esquecer de aproveitar o agora. É necessário olhar para trás para entender o presente” – Vinicius

“E entender que tem que desapegar. Não ficar o tempo todo preso olhando o que já aconteceu” – Cassiano

Em 2022, a banda participou de um concurso da plataforma Groover junto com a Balaclava Records, e foi selecionada para tocar no Balaclava Fest, evento que ainda contou com nomes como Fleet Foxes, Alvvays e Crumb. Esse foi o primeiro sinal da parceria com a Balaclava, que foi reforçada neste ano a partir da inclusão da banda no casting do selo e o lançamento do primeiro disco do grupo. O álbum chega com um som consistente, repleto de influências de shoegaze e post-rock e sobreposições de texturas, criando uma atmosfera em que vocais suaves contrastam com a instrumentação pesada e ruidosa. Com intensidade e feridas expostas, olhar para trás ressoa diferentes estágios de reflexões sobre arrependimentos e novos desejos, abrindo margem para que, em muitos casos, as letras possam ser cantadas para si mesmo – agora ou em versões passadas.

“Assumir a gravação e a produção foi a única opção que tínhamos. Isso também serviu como forma de aprender e experimentar” – Stephani

Na faixa-título, se destaca essa necessidade de olhar para trás para se reconhecer, finalizar pendências e dar espaço para o novo: “Não sei o que é real/ Sem olhar pra trás/ Pra se deixar em paz”. “Às vezes temos isso, de olhar muito para trás e se esquecer de aproveitar a parada que está acontecendo agora. Ou de pensar muito no futuro e se esquecer de aproveitar o agora. Por isso, é necessário olhar para trás para entender o presente”, comenta Vinicius. “E entender que tem que desapegar. Não ficar o tempo todo preso olhando o que já aconteceu”, completa Cassiano.

Já “conversas”, o primeiro single do álbum, traz um desabafo sobre frustrações. Ao passo que “cais”, uma das letras mais intensas do disco, faz uma metáfora com a morte e sentimentos à flor da pele. Em “memórias”, o grupo versa sobre a relação entre expectativa, idealização e comparações com o passado; e“ me esquecer” encarna o arrependimento e a dualidade entre mergulhar na lamentação e no esquecimento. “Eu vejo a letra de ‘me esquecer’ como uma forma de explorar o lado mais sombrio que temos. Porque nem sempre é possível aprender de forma fácil com o erro. No geral, caímos em um vácuo mais escuro e ficamos remoendo. A letra é sobre esse processo de remoer e ter uma dificuldade de sair desse lugar”, elabora Cassiano.

O disco é sobre perceber as coisas do passado e ter um olhar otimista sobre o futuro”

O grupo termina o disco com “me encontrar”, como uma última lágrima. Depois de processar tantos medos, arrependimentos e angústias, o disco termina com o desejo de descobrir novas possibilidades – “Lentamente, eu vou onde posso me encontrar”.

Para os integrantes, essas novas possibilidades já estão sendo traçadas. Com o disco novo circulando em turnê pelo país, o grupo reforça a continuidade dos shows e revela o desejo de lançar um vinil, além de já estar esquentando os motores para o próximo trabalho. “Esses dias estávamos refletindo sobre quais coisas podemos trazer de diferente. Por conta das experiências dos shows, conseguimos pensar em coisas que podem melhorar para as próximas músicas”, conta Stephani. “Do EP para o álbum demoramos seis anos para lançar, isso é uma coisa que não queremos repetir. Queremos estar com algo esquematizado para lançar e não ficar parado, tem que sempre estar em movimento”, explica Vinicius.

Entre os objetivos, está a conciliação da vida pessoal com a profissional. Além da banda, Cassiano e Wendeu mantêm empregos que garantem certa flexibilidade para tocar, enquanto Stephani e Vinicius são freelancers da área de design e audiovisual. “Isso é uma coisa que super casa com as paradas da banda. A Sthe fez a parte gráfica do álbum e eu fiz a edição dos clipes e dos vídeos das redes sociais. Então conseguimos casar nosso trampo com a banda. Mas agora estamos sem trabalho e isso dá maior flexibilidade. Inclusive, mandem jobs!”, conta Vinicius.

Fazer as pazes com suas diferentes versões, abraçar as contradições e mergulhar na dor quando necessário – olhar para trás proporciona uma experiência de autorreflexão e um exercício de compreensão. “Ao mesmo tempo em que você olha para o passado, você olha para frente. Para mim, o disco é sobre perceber as coisas do passado e ter um olhar otimista sobre o futuro”, finaliza Vinicius.

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ARTISTA: terraplana