O Grime do Brasil

Impulsionados pelo programa online Brasil Grime Show, artistas como Febem, Fleezus e Leall começam a fazer impacto na cena do Rap nacional

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Fotos: Jeff @Caodenado

Em 2003, Dizzee Rascal deu o primeiro passo do Hip Hop inglês em direção ao mainstream com seu álbum de estreia Boy in Da Corner. 16 anos depois, no início deste ano, o rapper Slowthai abre seu álbum indicado ao Mercury Prize Nothing Great About Britain dizendo, na faixa-título, “I’m not Dizzee, I’m just a boy in a corner”.

Com uma década e meia de diferença, o disco de Dizzee e a referência de Slowthai simbolizam dois momentos diferentes e importantes para o Grime, gênero que surgiu na capital inglesa no começo dos anos 2000. Pegando inspirações de estilos eletrônicos britânicos como o UK Garage e o Jungle, os DJs e MCs londrinos criaram seu próprio estilo de Hip Hop com um BPM acelerado e sonoridade amplamente sintética. 

Depois do pulo inicial de Dizzee, outros nomes que vieram antes e depois dele passaram a ganhar destaque: Wiley alcançou o primeiro lugar das paradas do Reino Unido com a faixa “Heatwave” em 2012 e, em 2016, o Grime entrou pela primeira vez na norte-americana Billboard 200 com o álbum Konnichiwa, do Skepta. Neste ano, o disco de estreia de Slowthai foi criticamente aclamado e levou o artista a abrir a turnê da boyband Brockhampton em diversas cidades dos Estados Unidos.

Com a expansão do gênero para além do Reino Unido, o Grime acabou ganhando outra importante casa fora da Grã-Bretanha: em 2019, começamos a ver a consolidação de uma cena do gênero no Brasil.

Prata da casa

No dia 30 de novembro, o rapper Febem subiu ao palco da primeira edição do festival de Hip Hop Cena 2k19 pra cantar “Esse É Meu Estilo”, faixa com participação do BK’, durante a apresentação do rapper carioca. A faixa é parte do álbum de estreia do MC, Running, lançado este ano pela Ceia Ent. e que já se tornou um marco importante para o Grime no País. 

Febem começou a fazer música em 2010, inspirado pela trupe Odd Future, e em 2012, formou o grupo Zero Real Marginal com o também MC Flip e DJ Sleet. Quando decidiu seguir como artista solo após o fim do trio em 2016, o Grime já havia chegado aos seus ouvidos e foi ele quem ditou os próximos passos de sua carreira. 

Também por volta do começo da década, o DJ e produtor Cesar Pierri, que assina como CESRV e é conhecido como Cesinha, já tocava Grime junto de seus companheiros do selo Beatwise Recordings em festas paulistanas, como a Metanol.fm e a Colab 011, e cariocas como a Wobble. O produtor conheceu a cena através do contato com ritmos da música eletrônica inglesa. “Quando nós começamos a tocar Grime nas festas, não tinha ninguém no Brasil que tinha abraçado o estilo e decidido fazer esse tipo de música”, conta Cesinha. “O máximo que tínhamos eram MCs de Dancehall e Ragga fazendo coisas que migravam do Dubstep ao Grime.” 

O interesse de Febem pelo Grime alguns anos para frente, porém, levou a dupla a trabalhar em algumas faixas do EP Elevador, lançado em 2016 e, mais pra frente, em Running. “Com o tempo, pude mergulhar mais no estilo e lançar algumas coisas flertando mais nas influências e referências com a cena de Londres, em vez dos EUA, como é de costume”, conta Febem. “[Running] é um disco que não é só meu, mas do CESRV também. Além de dirigir toda a produção, finalização e edição, ele deu até uns toques em flows, rimas… Eu e minha música demos um passo a mais na carreira.”

“Nós não começamos fazendo um disco, apenas estávamos fazendo umas músicas que acabaram se tornando um disco porque conversavam entre si”, explica o produtor. “Como o tema das músicas tem muito a ver com a vida em São Paulo, foi natural que elas conversassem entre si e formassem uma proposta.” 

CESRV também foi responsável pela produção de outro trabalho importante para o Grime brasileiro neste ano, o EP Ruas do MC paulistano Fleezus. Em seu primeiro trabalho mais extenso desde o EP Ondas, lançado em 2017, as quatro faixas juntam algumas outras figuras emergentes da cena, como os MCs SD9 e Kbrum e os produtores Sants e 808 Luke. “Eu não queria colocar somente Grime no meu primeiro trabalho, até porque a gente ainda não tem essa aceitação do público”, elabora o rapper. “Tem um som ali que chega próximo do Drill, tem um que puxa do Afrobeat. A gente tenta encaixar os sons e fazer algo compacto que o público possa digerir.”

Fleezus teve seu primeiro contato com música na igreja, onde se interessou, principalmente, pelas questões vocais do som. Para ele, a voz e o flow são as características mais distintivas do Grime, principalmente “pela diferença no BPM e pelas origens jamaicanas do gênero. A maioria dos MCs de Grime [em Londres] são imigrantes, então eles trazem seus próprios flows que, para nós, são diferentes do habitual, mas são naturais para eles”, argumenta o rapper.

“Não importa ser o mais bem vestido, o lance é se superar em flows e levadas. Ser o MC mais foda rimando” – Febem

Brasil Grime Show

No começo de 2019, Fleezus e Febem participaram juntos de um dos episódios mais populares do Brasil Grime Show, uma série de vídeos no YouTube que reúne MCs e produtores que podem ou não trabalhar com Grime a produzir e rimar em batidas do gênero. No episódio em questão, a dupla constrói algumas rimas inéditas e resgata outras já conhecidas (algumas soltadas por Febem mais tarde viraram “Tracksuit”, a faixa final de Running) por cima dos beats de Diniboy, produtor carioca que também participa da organização do programa.

“Nós nos baseamos nos Grime shows que já acontecem em Londres. Estávamos muito desanimados, principalmente pela falta de recursos, mas o público abraçou o formato”, conta Diniboy. 

O programa é gravado no Estúdio Casa do Meio, em Bangu, na zona oeste do Rio de Janeiro. A produtora, Yvie Oliveira, conta que o maior desafio das gravações é a falta de suporte financeiro. “Como não recebemos incentivo, tudo tem que sair do nosso bolso, então para poupar os custos, nós gravamos de três a quatro conteúdos por dia de gravação. Isso ajuda também na nossa agenda, visto que precisamos fazer diversos trabalhos diferentes durante a semana para conseguir custear nossas vidas e o projeto”, diz Yvie, que conta que até nisso se dá a identificação com a cena britânica. “Quando você para pra ver os vídeos antigos das rádios com [artistas como] a Lady Fury lá no início, você vê toda a correria que era pra fazer acontecer, e no fundo ainda é.”

Mas todo o esforço está passando a dar resultado: atualmente, o Brasil Grime Show está em sua segunda temporada e tem 25 episódios. Lançados a cada quinze dias, eles contam com aparições de artistas populares da cena de Rap carioca como Sain, Akira Presidente e JXNVS, mas também de muitos outros nomes underground. Além dos programas, o grupo também passou a realizar eventos no Rio e lançamentos de trabalhos de MCs da cena. 

O Brasil Grime Show também tem sido importante em apontar nomes de novos rappers que podem passar a ter relevância a nível nacional. O maior exemplo talvez seja o MC carioca Leall, que participa do episódio mais visto do programa, com cerca de 86 mil visualizações. No vídeo, ele faz versões de suas faixas “Criminal Influencer” e “Cachorrada”, cujas versões originais, desde então, acumularam 316 mil e 722 mil visualizações respectivamente. Em um curto período de carreira – a primeira música em seu canal do YouTube foi lançada em maio de 2019 –, ele já ganhou acenos de nomes enormemente hypados do Rap nacional, como Djonga e Sidoka.

Febem por Jeff (@Caodenado) para Monkeybuzz

Leall flerta com o Grime e o Drill, mas seu som parece ter o toque que faltava de um gosto mais abrasileirado para o gênero. O beat de “Criminal Influencer”, produzida pelo carioca Tarcis, chega a incorporar uma levada de Funk no refrão; a influência do ritmo também se mostra no flow de Leall em “Cachorrada”. 

Ao final de setembro, ele lançou uma terceira faixa, “Moda Síria (Anti-Adidas)”, que, juntamente com o clipe, parece o pico de tudo o que a cena de Grime brasileira vem construindo esteticamente: o beat agressivo, os flows elásticos de Leall, as camisas de time e bonés, as pixações, o papo sobre crime, pobreza, moda, vida urbana. Nada deixado a desejar de um clipe do Skepta, mas em um contexto inconfundivelmente brasileiro. 

A distância de algum nível de vida urbana brasileira e britânica, nesses momentos, parece mais curta. Em 7 de novembro, a Ceia Ent lançou o documentário Say Nuttin, que mostra uma viagem de Febem e Fleezus a Londres e reflete sobre as similaridades entre esses espaços.  

Febem acredita que o Grime pode ser um contato maior entre as duas realidades do que os estilos de Hip Hop dos Estados Unidos. “Nas quebradas [de Londres] e as daqui, por exemplo, todo mundo se veste por amor ao futebol, de camisa de time e tracksuit básico. Não é todo mundo que consegue comprar um cordão de diamante pra ficar no visual dos rappers norte-americanos.”

As similaridades, porém, para o rapper, não param por aí. Na opinião de Febem, a cena do Grime está voltando a colocar as rimas como prioridade número um – o que é facilmente observado nos freestyles do Brasil Grime Show. “Não importa ser o mais bem vestido”, conclui o rapper, “o lance é se superar em flows e levadas, ser o MC mais foda rimando.”

Fleezus por Cássio Andreasi / Divulgação

Outros artistas que trabalham com Grime no Brasil:

VANDAL (BA)

KBRUM (RJ)

VND (RJ)

SD9 (RJ)

ANTCONSTANTINO (RJ)

WELL (MG)

MARCÃO BAIXADA (RJ)

SEITHEN (PR)

Confira a playlist de Grime brasileiro do Brasil Grime Show no Spotify:

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