Na emergência de contar sua história, Adrian Jean materializou seu próprio socorro no seu segundo álbum, P.S…, lançado em 8 de dezembro, no apagar das luzes de 2023. Em 38 minutos de música, P.S… abrilhanta o ponto comum do R&B com o pop, embalado por letras vulneravelmente pessoais e metaforicamente relacionáveis. “Eu estava enfrentando muitas coisas, num momento muito difícil, esse é um dos motivos do título ser pronto socorro. Quis colocar a realidade do que estava acontecendo dentro desse álbum”, explica o artista. Vivendo atualmente no Rio de Janeiro, mas nascido na Filadélfia, Adrian se viu deslocado estando apenas nos Estados Unidos. “Quando fui embora, depois de ter passado uma semana aqui, demorou um tempo para eu realmente ‘voltar pra casa’. Eu simplesmente não conseguia deixar o Rio, minha mente estava no Rio o tempo todo. Então fiquei tipo: ‘Eu odeio minha vida’. Mas não é que eu odiasse mesmo minha vida, é que eu não estava onde precisava estar”.
Se a ideia de morar na cidade maravilhosa veio pelo encanto, antes disso Adrian já havia experimentado mudanças significativas, mas num contexto não tão aprazível. Em meio a problemas familiares, ele se graduou em música pela North Carolina A&T State University e concluiu mestrado em Entertainment Business pela Full Sail University, na Flórida. Então, ele finalmente se lançou ao seu sonho, indo viver em Los Angeles, onde morou no próprio carro durante três anos. De forma sensível e imersiva como a capa do álbum, a primeira música do trabalho, “Welcome to My World”, aborda essas idas e vindas. “Eu quis abrir o álbum assim porque a minha vida também é atípica, às vezes eu sinto como se eu estivesse vivendo um filme. E é aquilo, há alguns momentos escuros, e há alguns momentos muito lindos”.
“Às vezes eu sinto como se eu estivesse vivendo um filme. E é aquilo: há alguns momentos escuros, e há alguns momentos muito lindos”
Em P.S…, Adrian fragmenta seu pedido de socorro ao trazer momentos de sua história, mas também vê o disco como um processo artístico em evolução, sem ponto final, como uma vírgula de onde parou com seu disco de estreia, Forever Today (2020). No debut, preocupações e medos de uma fase pessoal conturbada e confusa são expostos nas letras. Já o som é calcado no piano pop e no soul. “Acho que no primeiro álbum eu era um artista que estava querendo mostrar exatamente quem é, sem medo de passar a mensagem que eu precisava naquele momento. Nesse sentido, vejo que há mais coerência na musicalidade desse segundo álbum. Porém, nesse começo, dá pra perceber algo mais despretensioso, o que também gosto muito”, pondera. Nas 14 faixas de P.S…, Adrian, que produziu todo o repertório, abre o prisma de suas experimentações, mesclando sua leitura do R&B e do neo soul a elementos eletrônicos de beatmatching e resonance, realces colocados pouco a pouco durante o processo criativo. “Não estipulei que queria chegar num tipo de som nesse álbum, mas sim colocar o que sentia naquele momento. Daí fui vendo quais músicas contariam essa história, e o que seria preciso adicionar para ajudar a contar essa história. A maioria dos ad-libs, dos licks nas músicas, foram acidentes que recortei”.
“Primeiro, eu sou artista, e em segundo, compositor. Não é exatamente algo que eu amo, mas é o que faço. Mas por ser artista, só eu posso escrever minha história”
Em paralelo à carreira como artista, Adrian atua principalmente como compositor para produções audiovisuais, o que demanda um redirecionamento programático e rotineiro na sua relação com a composição. “Sinto que eu tenho dois jeitos diferentes de escrever uma música: tem o que rola naturalmente, eu vou ao estúdio, boto um beat e solto qualquer coisa. Outra forma é quando tenho uma data de entrega, por exemplo, para uma série. Nesse caso, tenho que escrever para algo que não é necessariamente o que sinto, é como se tornar um ator”.
Em meio à vontade de sonorizar seus sentimentos, Adrian não abre mão de fazer da inevitável fadiga criativa uma forma para se colocar em perspectiva e injetar nas composições aquilo que o acompanha no momento. “Todo artista tem que ter uma história, uma vulnerabilidade exposta. Por isso, quando tenho que escrever para alguma produção, com um tema e tudo mais, ainda penso que tenho que colocar algo sobre mim, sobre minha história, ou não vai ficar bom do jeito que tem que ser”. Adrian foi moldando sua noção musical tendo em mente suas prioridades ao se expressar em suas composições. “Primeiro, eu sou artista, e em segundo, compositor. Não é exatamente algo que eu amo, mas é o que faço. Mas, por ser artista, só eu posso escrever minha história”.
Entre a vocação e a conveniência do ofício – e em meio às muitas mudanças geográficas e pessoais – o som de Adrian Jean capturado em P.S… vincula suas experiências além da música, e sua vivência e sociabilidade no Rio de Janeiro surgem como ponto elementar na sua expressão pessoal. “Para mim, já é meio natural ficar entre o inglês e o português, porque meus amigos também falam ambas as línguas. Não é nem que tem momentos que falamos só em inglês ou só em português, é que simplesmente vem tudo junto, então é como se fosse uma língua só nossa mesmo”.
“Eu me vejo como uma compilação de tudo que escuto. Então, o que você escuta no meu som é praticamente uma playlist real live que eu crio a partir das coisas que eu gosto, das coisas que estão em mim. Acho que todos os artistas são assim”
Dos muitos rios desaguados no oceano musical de P.S…, as maresias e ressacas sonorizadas em letras, melodias e harmonias são a tônica da proposta de Adrian Jean em seu segundo álbum. Dessa forma, a estridência recortada dos licks de piano se junta às texturas eletro-frisantes dos teclados e sintetizadores em músicas como “Summer” e “They Say”. É como se produções de Frank Ocean, Kiana Ledé e H.E.R. se fundissem ao pop e ao R&B nacional de Marina Sena ou Ebony. AJ sempre teve em mente relacionar os sons que o formaram junto do que estava sentido, não estipulando um alvo específico. “Eu me vejo como uma compilação de tudo que escuto. Então, o que você escuta no meu som é praticamente uma playlist real live que eu crio a partir das coisas que eu gosto, das coisas que estão em mim. Acho que todos os artistas são assim”.
E como em qualquer história, só o protagonista não basta, o que fica claro nas colaborações e misturas sonoras do álbum. “A minha conexão com outros artistas é muito importante, é algo que eu gosto muito”. Dentre as mais pessoalmente significativas, destacam-se as presenças de Jimmy Burney, co-compositor em 10 faixas — conhecido por seus trabalhos com artistas pop como Demi Lovato — e Janet Sewell (coprodutora e co-compositora em duas faixas), vencedora do Grammy de Melhor Canção de Rap por “Empire State Of Mind” de Alicia Keys e Jay-Z . Aliás, Jimmy Burney não é só uma colaboração pontual, mas um parceiro de longa data de Adrian e uma peça fundamental no desenvolvimento de seus trabalhos. “Temos uma conexão muito especial no sentido de que ele me entende quando quero trazer algo muito pessoal numa música, mas sem envolver ou deixar que outras pessoas no ambiente saibam da onde aquilo vem”.
Colaborações brasileiras também dinamizam o frescor do repertório, com Carol Biazin no pop flerte “Take a Trip”, e MC Du Black nas verves batidas interpoladas de “TBT (Várias Como Você)”. Mesmo com espaço de tempo limitado, a troca entre Adrian e Carol foi parte essencial na solidez da proposta do que Adrian procurava para o álbum. “A Carol é realmente ótima em criar melodias. A gente ia para uma sala, só nós dois e ficávamos apenas cantando melodias. Era realmente sem palavras, apenas qualquer melodia que saísse, pegando pedaços, ela é realmente incrível nisso”, ilustra Jean.
Se a iniciante crueza parece agora encorpada em forma, o conteúdo da música de Adrian Jean se mantém confessional e narrativo, mas agora em abordagem cintilante e continuada. Em seu pedido de socorro, Adrian transpõe a urgência, adicionando uma sutileza relacionável às contradições, e antecipa: “Tenho muitas canções já prontas de onde essas vieram. Além de pronto socorro, P.S. (em inglês) é também postscript — eu tenho algo a dizer”.