SINAPSE: erudição e improviso

Ashmer Gamedze, Floating Points, Julie Mehretu e transformar o mundo em pequenos detalhes

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Fotos: Mariana Poppovic

Um músico e suas livres associações nas zonas de contato da arte (sempre às quartas-feiras).

 

MARCHA DA HUMANIDADE

Ashmer Gamedze, Floating Points e a História

 

Em Turbulence and Pulse, o baterista Asher Gamedze explora relações conceituais entre música e história. Versado no Jazz e acostumado a lidar com a música como um jogo constante entre erudição e improviso, toca bateria e pensa na marcha da humanidade através dos tempos.

Para ele, Turbulence and Pulse é uma forma de reivindicar a agência humana no curso da História, encarando a cadência do tempo não apenas como resultado de forças incontroláveis, mas prestando atenção como as pessoas são capazes de se organizar e transformar o mundo através de pequenos detalhes.

Ele escreve: “A maneira como aprendemos história é geralmente de uma forma que rouba das pessoas a capacidade de se imaginarem como parte dela e de como ela se desenrola. Acho que há uma metáfora produtiva nisso porque o senso de tempo na música é criado por músicos tocando juntos. No fundo, o movimento histórico é criado por pessoas organizadas e agindo juntas, seja para fins progressistas ou reacionários”.

Sua música desconstrói ritmos marciais com solavancos, explosões, mas, ao mesmo tempo, soa fluida e harmoniosa. A imagem da capa mostra um desenho feito de grafite no qual grupos humanos percorrem, seja guerra ou em solidariedade, uma paisagem desconstruída.

Embora em outro nível de elaboração, o desenho me lembrou o trabalho da artista plástica etíope-americana Julie Mehretu, por acaso, uma artista plástica que também cria inspirada pelo jazz. Suas telas, gigantescas, mostram croquis arquitetônicos e manchas e redemoinhos que se assemelham a um mapa que mostra não apenas a geografia de um lugar, mas também as suas transformações ao longo dos séculos.

É uma tela de Julie Mehretu que ilustra a capa do álbum da Floating Points chamado Promises, no qual o produtor Sam Shepherd colabora com o jazzista Pharoah Sanders e a Orquestra Sinfônica de Londres. Ouvir o álbum enquanto se encara uma tela da artista evoca algo de transcendental: a força que rege o mundo parece ter a ver com a magnitude, cada vez maior e interminável, incompreensível para a escala humana, daquilo que desenha os caminhos da humanidade.

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Autor:

é músico e escreve sobre arte