SINAPSE: estrada aberta

Gluepot, Sufjan Stevens, Simon & Garfunkel e as rotas do autodescobrimento

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Fotos: Mariana Poppovic

Um músico e suas livres associações nas zonas de contato da arte (sempre às quartas-feiras).

 

CHICAGO

Sufjan Stevens, Simon & Garfunkel e a road trip

 

Conheci por acaso nessa semana a banda Gluepot, um grupo de jovens australianos que se aventura pelo folk autoral. O seu mais recente trabalho, Dutch Interior, foi lançado no final do ano passado. O álbum é uma viagem poética com um ar Lo-Fi e intimista, mas soa muito ambicioso. Ao longo das 19 composições do disco, protagonizados por voz e violão, a banda oferece mergulhos poéticos e uma malha de arranjos que leva o ouvinte numa viagem intercontinental.

A dinâmica do álbum como um todo, sua extensão, seus arranjos, assim como a presença de uma faixa chamada “Move to Chicago”, remetem a Sufjan Stevens. Refiro-me especificamente ao álbum Illinois, de ares autobiográficos, no qual o artista tenta traçar um quadro geral do estado americano, cantando sobre seus personagens e seus eventos históricos e, enfim, imagina as complexidades escondidas da vida do cidadão comum. Na odisseia musical de Sufjan, figuram aparições de objetos voadores não identificados, a história do serial killer John Wayne Gacy e também uma meditação sobre a fé diante de uma tragédia que ocorre durante o feriado de Casimir Pulaski.

A minha faixa favorita – e uma das mais famosas de toda a carreira de Sufjan – é justamente a intitulada “Chicago”. A cidade de Chicago é a mais populosa do estado de Illinois e figura aqui como escape para jovens que vivem nas cidades menores ao redor. O centro urbano, nessa música, é um símbolo de liberdade, a promessa de uma vida maior e cosmopolita para aqueles adolescentes presos numa realidade provinciana. No entanto, a história que a música conta é uma de agruras enfrentadas em nome desse sonho. Nela, Sufjan canta em primeira pessoa sobre um jovem que vende seus últimos pertences, dorme numa van e, ainda assim, sente o gosto da vida real diante de suas escolhas erradas.

Esse sentimento de viajar para outro lugar como se estivesse fugindo de uma vida pregressa é muito presente no imaginário estadunidense. É um desejo impulsivo, que trata a road trip como  jornada de autodescobrimento, que encara as autoestradas como rotas de fuga e pedaços de terra inéditos como oportunidades de começar de novo.

É esse mesmo sentimento que aparece na música “America, de Simon & Garfunkel, faixa presente no álbum Bookends. A história escrita por Paul Simon condensa essa mitologia e fala de um casal animado pegando um ônibus Greyhound na cidade de Pittsburgh. Ainda no caminho, no entanto, como um véu que vai se dissipando gradativamente, o sonho começa a dar sinais ominosos: o cigarro acaba e eles percebem todos os outros carros na rodovia que parecem perseguir exatamente o mesmo sonho que eles. Sem conseguir confessar, enquanto a amante dorme, o protagonista deixa escapar que eles não estão apenas em busca de uma vida nova, mas, sim, em fuga da vida anterior.

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Autor:

é músico e escreve sobre arte