SINAPSE: hologramas da paisagem

Christian Mirande, RaMell Ross e a estética da realidade

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Fotos: Mariana Poppovic

Um músico e suas livres associações nas zonas de contato da arte (às quintas-feiras).

 

HOLOGRAMA

Christian Mirande e RaMell Ross, hoje, amanhã

 

Christian Mirande é um sujeito misterioso da Filadélfia nos Estados Unidos, que explora gêneros experimentais como a musique concrète, as gravações de campo e a eletroacústica. Beautiful One Day, Perfect the Next é o 11º álbum de sua discografia e está recheado com sons ambientes que são manipulados, esticados e espremidos, num design sonoro críptico, mas muito evocativo.

O álbum se divide em duas partes: primeiro, somos atacados com nove pequenos excertos que consistem de pessoas conversando, ondas senoidais, ruídos e silêncios. Mas não são trechos de “som puro”, por assim dizer, já que tudo é manipulado. De alguma forma, por mais distinta que seja a origem do som – eletrônico, natural ou humano – todos parecem ter saído do mesmo lugar.

Logo depois, a última faixa do álbum utiliza esses samples para se aventurar numa peça instrumental inspirada pelo jazz. O mistério nos instiga como num romance de suspense: sons de pessoas e seus aparelhos eletrônicos formando, peça por peça, um cenário maior, que descobrimos aos poucos.

O nome do álbum de Christian Mirande, e também a sua vibe como um todo, me lembrou o filme Hale County This Morning, This Evening, do cineasta RaMell Ross. Lembro-me de que quando assisti o trailer para esse filme, há alguns anos, fiquei perplexo com a mesma sensação. Nada no trecho é realmente explicado, mas a sensação de mistério e surrealismo nos atrai para o dentro do universo do filme.

Ross mudou-se para Hale County, no oeste do Alabama, em 2009, para trabalhar como treinador de basquete e professor de fotografia. Enquanto estava lá, começou a filmar as pessoas que conheceu e o seu cotidiano. O filme é feito de excertos dessas filmagens incansáveis de Ross. O cineasta passou tanto tempo com a câmera na mão que, aos poucos, as pessoas pararam de percebê-la, agindo naturalmente diante dela – o que, diga-se de passagem, é muito raro no cinema.

Hale County é protagonizado por pessoas comuns, que trabalham, vão à escola, cuidam dos filhos. Ocasionalmente, falam sobre a vida, refletindo sobre suas experiências, ideias, interesses e sonhos, sempre de forma intermitente.

Ao retratar a realidade como ela é, Mirande e Ross acabam por criar outra realidade, estética. Seus pequenos recortes de audiovisual, manipulados, são hologramas: em alguns segundos, expressam a imensidão da experiência coletiva, como se o que se comunicasse em suas obras fosse a paisagem em si.

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Autor:

é músico e escreve sobre arte