SINAPSE: olhos e sorrisos

The Smile, Anjimile Chithambo, Daniela Yohannes e Kerry James Marshall

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Fotos: Mariana Poppovic

Um músico e suas livres associações nas zonas de contato da arte (às quintas-feiras).

 

O SORRISO

Thom Yorke, Kerry James Marshall e os olhos

 

Recentemente a banda The Smile, composta por Thom Yorke e Jonny Greenwood, membros do Radiohead, ao lado do baterista Tom Skinner, lançou mais um videoclipe divulgando  Wall of Eyes, disco que tem data de lançamento prevista para o final de janeiro. O filme da faixa-título tem direção de Paul Thomas Anderson, fiel parceiro dos integrantes da banda em seus projetos.

O vídeo, que parece ter influências do cinema expressionista alemão, mostra Thom Yorke repetidamente envolvido por um cotidiano acelerado. A vibe é um pouco 1984, com Yorke sendo observado por uma TV que projeta um olho gigantesco sobre ele – o tal do famoso dispositivo big brother, conforme elaborado por George Orwell. Mais adiante, ilustrando o nome do álbum, surge uma imagem em alto contraste na qual vários olhos surgem de um fundo negro.

A imagem me lembrou o trabalho recente de Anjimile Chithambo, artista de Boston, intitulado The King. Embora esteticamente semelhante, os investimentos conceituais entre as imagens de The Smile e Anjimile surgem de fontes diferentes. Profundamente imerso na confusão, tristeza e raiva de ser negro na América, The King é um álbum de sortilégios. De acordo com Anjimile, The King explora o que significa ser uma pessoa negra trans na América: é um reflexo brutal e honesto que tenta enxergar a realidade com “olhos claros”.

A capa, elaborada pela artista plástica Daniela Yohannes, apresenta uma figura sobre um fundo laranja. Ao mesmo tempo bidimensional, por ser um desenho, e infinitamente profunda, por conta do bloco de tinta preta que a representa, a figura possui inúmeros olhos que saem do manto com o qual está vestida. A imagem evoca algo mitológico, poderoso e transcendental. No clipe feito para a faixa-título, vemos os mesmos olhos atentos brotando do escuro.

O trabalho de Daniela Yohannes me remeteu à obra do artista plástico Kerry James Marshall, em especial na pintura A Portrait of the Artist as a Shadow of His Former Self, talvez a mais importante de sua carreira – uma figura vestida com um chapéu, da qual se distingue apenas o largo sorriso e o olhar brancos.

Marshall, assim como outros artistas negros Anjimile e também a fotógrafa Zanele Muholi, por exemplo –, usa imagens de alto contraste para evidenciar questões de identidade que exploram com sua arte. Com estes artistas, valores formais – a tonalidade da tinta, o contraste da imagem e assim por diante – fundem-se com um simbolismo pessoal, evidenciando como diferentes noções de negritude estão atravessadas por forças sociais e históricas.

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Autor:

é músico e escreve sobre arte