SINAPSE: poesia inesgotável

Angel Bat Dawid, Julien Creuzet e as traduções e símbolos da experiência africana

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Fotos: Mariana Poppovic

Um músico e suas livres associações nas zonas de contato da arte (às quintas-feiras).

 

VÊNUS

                   Angel Bat Dawid, Julien Creuzet e a experiência africana

 

Angel Bat Dawid é uma compositora, cantora e clarinetista que, com seus improvisos ágeis e rodopiantes, emergiu e se destacou na cena de jazz da cidade de Chicago há alguns anos. De acordo com uma sinopse em seu site, “em muito pouco tempo, a potência, a coragem, o espírito e o carisma de seu proselitismo musical cósmico a levaram de uma improvisadora relativamente desconhecida a uma artista quase onipresente na vanguarda da cidade”.

O seu álbum de estreia, The Oracle (2019), é feito da seleção de algumas faixas que Angel criou sozinha – performando e mixando todos os instrumentos e vozes –, usando gravações de seu celular, captadas em vários lugares do mundo: de Londres a Cidade do Cabo. Com seu clarinete incisivo e eloquente, The Oracle é uma cartografia da jornada de Dawid pelo mundo. Seus improvisos se manifestam de um jeito evocativo e trazem à tona a complexidade das experiências negras contemporâneas.

Para além da música em si, as viagens de Angel Bat Dawid são retratadas nos seus shows ao vivo através de um atlas visual, que compila documentos históricos e obras de ficção de artistas negros. Uma das imagens, por exemplo, mostra a estátua paleolítica da Vênus, que dança e rebola de modo sincopado.

O vídeo da Vênus dançarina é uma obra de Julien Creuzet, um artista francês que viveu na Martinica durante a infância. Seu trabalho usa diferentes materiais para tecer comentários a respeito da história colonial francesa. Suas obras, sempre saturadas de informação, criam um furacão visual em forma de escultura.

As estátuas dançarinas de Creuzet fazem parte de uma série de trabalhos que tratam a polissemia das heranças africanas e suas diásporas mundiais. Elas aparecem na obra Zumbi Zumbi Eterno, na qual “uma cadeia interminável de referência invoca a multidão do pensamento e da experiência pan-africanista”.

De certa maneira, é possível encontrar um ponto em comum no trabalho de ambos os artistas, mesmo que uma se concentre na música e o outro na escultura: os dois olham para a história e para a geografia da África como uma rede complexa de acontecimentos, traduzindo-os simbolicamente em ritmos e materiais de uma poesia inesgotável.

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Autor:

é músico e escreve sobre arte