YOÙN, amor bossa e sorriso jazz

Muito romantismo e referências que vão de Ed Motta a Kirk Franklin – além de Tyler, The Creator e o pagode dos anos 1990 – inspiram a estreia da dupla da Baixada Fluminense

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Fotos: Pedro Polinário

“Jáz”. É logo com a pronúncia abrasileirada do tradicional ritmo americano que a jovem dupla do YOÙN apresenta o seu disco de estreia, BXD in Jazz (2021). Traçando ainda mais o território, GP e Shuna fazem questão de marcar a Baixada Fluminense como local de partida. A dupla de Nova Iguaçu se conheceu no Ensino Médio e começou suas apresentações nos vagões da Supervia carioca – malha ferroviária responsável por ligar as cidades da baixada à capital, tendo como destino final a famosa Central do Brasil.

Com as dificuldades que ambos sentiam de se entrosar completamente com a galera do bairro no que se refere ao gosto musical, GP conta que o encontro dos dois foi “paixão à primeira vista” e marca a troca de fones na escola como essencial para a formação do repertório da dupla. Shuna complementa: “Saber que tinha outro mano que curtia musical Gospel e também gostava de dar um rolé, não era crentão, sabe? Tem muito disso”. “É essa troca que faz a chama ficar acesa”, diz GP. Donny McClurkin e Kirk Franklin foram as influências absorvidas em um primeiro momento, mas a dupla também tem como objeto de estudo as composições de Gilberto Gil e Ivan Lins, além da paixão pelo canto de Ed Motta.

BXD in Jazz é um álbum formado pelas primeiras músicas que GP e Shuna compuseram na vida, com apenas um violão na mão – muito antes de sonharem em ter todas as possibilidades de produção com que contam hoje junto à JOINT, produtora, gravadora e selo musical. Obcecada por romantismo, a dupla entregou um trabalho sólido e envolvente e que aponta para um futuro promissor. Trocamos uma ideia com eles sobre o projeto de estreia.

 

Além do Gospel, vocês têm uma formação de música clássica e Jazz. Como era ser um moleque preto ouvindo esses outros sons num local onde rola majoritariamente Funk e Pagode?

Shuna: Esse foi um dos motivos para a mente desabrochar mais, papo reto. Quando as pessoas não entendem, elas querem tirar uma onda, tá ligado? Falar que aquilo que tu faz é maluquice… Há anos atrás, tudo era “viadagem”. Eu não conseguia me comunicar bem na minha rua – me aprofundar. Os caras gostavam muito de hip-hop, Chris Brown, Ja Rule, os Video Traxx, a periferia entendeu Hip-Hop aí.

GP: A rapaziada aqui [na minha rua] tem a mente mais aberta pra ouvir músicas diferentes, sabe? Me ajudou, não fui completamente sozinho. Claro que quando fui estudar meu instrumento (violino), não existia ninguém. Ficava várias horas dentro do quarto e todo mundo na rua curtindo. Dentro de casa a galera era evangélica, mas o pessoal tava sempre ouvindo esses Video traxx também. Queria ouvir um Akon, Sean Kingston toda hora – aí fui entendendo também o que era R&B.

O clipe de “Follow Me” me lembrou muito as coisas mais recentes do Aminé e do Tyler, The Creator. Como vocês chegaram nessa ideia?

Shuna: Escolhemos o Golf por ocupação, e a estética do verde no azul por si só é muito linda, então é impossível errar. Além de ser um lugar que de certa forma é elitizado.  Nós somos artistas que muitos jovens veem como renovação da música, dois jovens pretos da baixada…  A gente não quer pedir licença, não queremos ser estranhos. Nenhum trabalho que você vai ver do YOÙN ou do Shuna não vai ter influência de Tyler. Caras como MF Doom também nos quadrinhos [de promoção do álbum].

O que significa ter um “amor bossa” e um “sorriso jazz”?

Shuna: Eu falo Bossa antes do Jazz puramente por nacionalidade. O segundo toque da Bossa Nova, do dedo indicador, é o tamborim do Samba. Quando digo Bossa (e o Samba) é porque é a música brasileira mais popular lá fora, são as músicas finas do brasil. O amor ser Bossa é por ser uma coisa nacional e o sorriso jazz (jáz) é porque jazz (jáz) é o que há de lindo, é a música clássica dos pretos.

Em outras entrevistas, vi vocês citarem a parceria com os Gilsons, mas vocês também colaboraram com um gigante que é o Léo Gandelman. Como é ter ele em um disco de estreia?

GP: O primeiro contato com Gandelman foi o convite para o Hip Hop Machine, que vai sair ainda. A gente ficou super honrado. Depois disso não saímos mais de perto, é gratificante demais.

Shuna: Ele disse que está se sentindo como se fôssemos “novos amigos de infância” dele. Ouve o álbum Solar, do Léo Gandelman, vai fazer alguma coisa e deixa ele rolar… Mano, é incrível. Fora que ele gravou com todos e todas os grandes músicos que existem nesse país. Ele fez o que a gente queria sem a gente saber o que queria: uma base brasileira, folclórica – mandamos a base pro cara e voltou algo incrível.

“Nossas raízes brasileiras de R&B vêm de Cassiano. Se desacelerar as músicas dele um pouquinho, dá um Neo Soul do caramba e você rima em cima daquilo. E hoje em dia a gente usa muito pagode. Os Travessos, Exaltasamba das antigas. Tá na mesma região harmônica, então não é muito difícil de tocar, tá pertinho. Não é a mesma coisa, mas tá pertinho”

De todas as faixas do disco, “Cores & Peles” é minha favorita. Ela difere das outras no tema e o instrumental é mais próximo a coisas como Tony Allen e Olodum, por exemplo. Aponta para uma nova fase do YOÙN?

GP: “Cores & Peles” fecha o álbum pelo fato de que queríamos ter uma faixa que produzíssemos de ponta a ponta. Iniciamos ela do nosso jeito, cantando na escada, batendo no copo, fazendo som de verdade. Depois a gente passou por um processo mais abrangente, chamando outras pessoas para fazer percussão. Essa faixa conecta-se com a introdução.

Shuna: O pessoal comenta que o YOÙN tem uma “estética gringa” e isso de certa forma foi legal durante um tempo, porque eu queria chegar perto dos caras vocalmente. De outra forma, não me identificar como brasileiro fora do brasil seria algo horrível para a gente. Somos brasileiros, assim como somos baixada. No nosso álbum você vai ouvir influência do Gospel, do Jazz e da macumba também. A gente não se criou no seio do candomblé, a “ancestralidade” para gente que veio da igreja é algo novo, estamos aprendendo agora. “Cores e Peles” é uma afirmação que queremos comunicar com todas as pessoas que sentem amor pela música.

Muita gente coloca o Pagode como R&B do Brasil. Qual a visão de vocês sobre isso?

Shuna: O R&B fala muito sobre amor, assim como o pagode. Só que, nos anos 1990 quando o Pagode estourou, depois de um certo tempo, o Rodriguinho tá se vestindo que nem o Ja Rule. A introdução do Pagode (dessa época), antes de entrar a percussão, é R&B. Na minha visão, nossas raízes brasileiras de R&B vêm de Cassiano. Se desacelerar as músicas dele um pouquinho, dá um Neo Soul do caramba e você rima em cima daquilo. E hoje em dia a gente usa muito pagode, Os Travessos, Exaltasamba das antigas. Tá na mesma região harmônica, então não é muito difícil de tocar, tá pertinho. Não é a mesma coisa, mas tá pertinho.

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