The Chemical Brothers: Eletrônica através dos Tempos

Dupla britânica estava na vanguarda musical dos anos 1990

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Outro dia estava folheando o livro Rio Fanzine – 18 Anos de Cultura Alternativa, escrito pelos jornalistas Tom Leão e Carlos Alburquerque, contendo todos os textos que a dupla escreveu para a seção que manteve viva no jornal O Globo por tanto tempo. Lá está documentado o surgimento de quase tudo que foi interessante na música Pop planetária recente, do rescaldo da cultura de Madchester, passando pelo Grunge, chegando à reinvenção promovida pelos geniais artistas da música Eletrônica noventista. É aqui que pulamos do bonde do livro – recomendadíssimo, por sinal e que segue até o surgimento de The Strokes e seus clones – para nos concentrarmos na trajetória de The Chemical Brothers, uma dessas duplas sem rosto que insistiram em apontar o caminho do futuro para a música há cerca de 20 anos. Um dos grandes arrependimentos que tenho como fã de música é de não ter percebido na época o tamanho da revolução que esse pessoal propunha. Com o passar do tempo, minha admiração só aumentou.

Como dissemos, tudo isso está prestes a completar duas décadas. Foi lá em 1989 que Ed Simmons e Tom Rowlands começaram a trabalhar juntos. Pouco tempo depois, já com uma carreira nas noites de Manchester, encontraram sua fórmula mágica de som: uma mistura genial das influências do Rock Alternativo inglês oitentista, indo de The Smiths e New Order a The Stone Roses e Primal Scream, mesclando com informações dos momentos iniciais do Hip Hop, devidamente turbinados pela cultura dos clubes House recém-importados de Chicago para Manchester, na conexão insuspeita das grandes festas das boates mamúticas de Ibiza, no tempo em que Paul Oakenfold era DJ por lá. Tudo isso, mais a cultura Pop adjacente à Inglaterra pós-Thatcher, fez com que The Chemical Brothers emergissem com um pé no Techno e outro no Rock, modernizando e modificando ambos os estilos, virando-os, literalmente, de pernas pro ar.

O primeiro álbum, Exit Planet Dust, lançado em 1995, conseguiu feito muito raro: agradou a críticos e público dos dois lados do Atlântico, iniciando uma inesperada aceitação dos americanos – conservadores musicalmente desde sempre – em relação à sonoridade inovadora praticada pelos Químicos já naquela época. A impressão que se tinha ao ouvir aqueles sons era a de ver um pintor revisionista liquefazendo gêneros solidificados há bastante tempo, mas estanques na maioria do tempo. A música era sobre quebrar ou borrar fronteiras estilísticas e tudo isso era absolutamente inovador e genial. Era impressionante que gente tão revolucionária conseguisse passar despercebida no pantanoso terreno do mainstream. Na verdade, apesar do sucesso que veio já no primeiro álbum de The Chemical Brothers e de gente contemporânea como Moby, Fatboy Slim, entre outros, a eletrônica dos anos 1990 teve fôlego curto e foi absorvida por uma lógica Rock/Pop/Alternativa, que abortou possibilidades e reduziu a visão do trabalho destes artistas, bastante diferentes entre si, mas colocados na mesma caixinha sob o genérico nome de Techno.

The Chemical Brothers fariam sucesso em escala ainda maior com o segundo álbum, Dig Your Own Hole, lançado em 1997 e puxado por dois singles matadores: Block Rockin’ Beats, que praticamente reinventava o Hip-Hop com uma fusão maluca de ritmos dançantes nunca tentados antes, indo de Funk torto a Rock alternativo e a assombrosa Setting Sun, que os rapazes admitiram ser um tributo a Tomorrow Never Knows, faixa do mitológico álbum Revolver, de The Beatles, lançado em 1966. Considerada a primeira grande incursão do Fab Four no terreno da psicodélica, a música é conhecida pelas orientações passadas por John Lennon ao produtor George Martin, quando pediu que este turbinasse sua voz para que soasse como se fosse o Dalai Lama pregando nas montanhas do Nepal. Martin conseguiu entender o que Lennon desejava e o resultado entrou para a história. Rowland e Simmons revisitaram a batida de Ringo Starr, colocaram todo seu arsenal a serviço de uma canção que é recriação e novidade ao mesmo tempo. Noel Gallagher, fã da dupla, foi recrutado para colocar vocais estratosféricos na gravação e o resultado credencia Setting Sun para o hall de melhores gravações da história recente da música Pop, sem exagero.

Os discos seguintes, ainda que muito bons em sua maioria, já não conseguiram abalar estruturas e ditar tendências como os dois trabalhos iniciais. A maré musical estava prestes a mudar, com as direções apontando para o caminho do downsizing criativo proposto por The Strokes e a pasteurização de algo do Radiohead inicial, devidamente empapuçado por teclados de arena e solenidade forçada, caso de Coldplay e congêneres. Os artistas da eletrônica noventista, conforme dito acima, precisaram encontrar seus caminhos próprios e o colapso da indústria musical através da popularização do mp3 e das trocas destes arquivos, obrigou a uma revisão de conceitos. Desta forma, Surrender (1999) e Come With Us (2002) oferecem propostas interessantes, ainda que “domadas”. O primeiro é um álbum que tenta lidar com a fama conquistada, feito sob a influência das turnês e apresentações em espaços enormes, como festivais e grandes arenas. É um bom disco, com sucessos do porte de Hey Boy, Hey Girl, Out Of Control (com participação de Bernard Sumner, de New Order), de Noel Gallagher em Let Forever Be, além das presenças de Beth Orton, Hope Sandoval, Tim Burgess (The Charlatans) e Jonathan Donahue, do grupo americano Mercury Rev.

Come With Us é melhor que o antecessor e insinua um retorno às origens undergrounds noventistas da dupla. Quatro singles matadores deram confiabilidade ao álbum, sendo que It Began In Afrika e Star Guitar eram dois lados da mesma moeda inicial dos sujeitos. A primeira é toda misturada, com percussões tribais, levada dançante e suarenta, como convém. A segunda é uma homenagem aos momentos mais aéreos de Kraftwerk e dos primeiros álbuns de New Order. Galaxy Bounce, cheia de levadas setentistas e a faixa título completavam este quarteto fantástico, que compensou a reação morna conferida ao álbum anterior. Push The Button (2005), We Are The Night (2007) e Further (2010) são trabalhos menores na discografia da dupla, ainda que possuam momentos interessantes, mas mostram certo esgotamento de ideias por parte de Simmons e Rowland, que podem ser reflexo do próprio rumo tomado pela música Pop mundial. Como são artesãos da recriação e reinterpretação de conceitos que mudam com o tempo, The Chemical Brothers enfrentaram tempos menos prósperos e viram sua primazia criativa ser transferida para outros artistas e perceber uma “cena eletrônica” nova ser erguida a partir da sigle EDM (Electronic Dance Music), nem de longe capaz de igualar-se à relevância inovadora dos anos 1990, mas muito mais bem sucedida em termos de penetração popular e coadunação com mercados conservadores.

Após assinar a trilha sonora do filme Hanna (2011) e lançar um CD/DVD ao vivo (Don’t Think) em 2012, The Chemical Brothers sumiram da mídia e reduziram sua presença a pequenas participações em faixas isoladas, caso deThis Is Not A Game, incluída no filme Jogos Vorazes, em colaboração com Miguel e Lorde. Há pouco mais de um mês, a dupla anunciou a chegada de um novíssimo álbum de canções inéditas, com participações confirmadas de gente como Beck, Q-Tip, Cate Le Bon e St.Vincent. Born In The Echoes, já chega badalado a partir do lançamento de Go, foi definido na imprensa britânica como uma “coleção magnífica de onze faixas que vão do Funk robótico ao Freakbeat futurista enlouquecido, passando pelo Psych espectral gelado e por rapsódias sintetizadas imersas na distorção ambiente, que faz com que a dupla soe revigorada na criação de mais música para expansão da mente”. Exageros à parte, se os Manos Químicos reencontrarem sua fórmula mágica e conseguirem adaptá-la a este 2015 esquisito, já será motivo de intensa comemoração. Vamos aguardar na ansiedade total da expansão da mente e da criação de sonoridades sintéticas ambientes, psicotrônicas e psicodélicas e …

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MARCADORES: Redescubra

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.