Miguel e o Zeitgeist No R&B Moderno

Prestes a lançar seu terceiro álbum, artista mostra qualidade em capturar a essência de seu tempo com sua música

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Miguel é um ótimo exemplar do que a música negra, não só a norte-americana, mas a mundial, representa hoje em dia. Não digo isso no sentido de estereotipá-la ou de criar uma “fórmula” do que significa fazer música em 2015 enquanto um artista negro, mas em criar um diagnóstico da relação entre eles. Não precisamos ir muito longe no tempo para observarmos o crescimento desse fenômeno somente nos últimos cinco anos. É inegável que ritmos como Rap, R&B, Jazz, Hip Hop e outros estilos vindos da cultura negra estão sofrendo um nova ascensão não só no mundo underground, mas também nas beiradas do mainstream também.

É interessante observar não só a criação de novos estilos feitos a partir de desdobramentos desses já citados ou mesmo de suas interseções e interpolações, mas perceber também que esse grande acúmulo cultural se tornou ponto de inspiração e de apropriação para artistas vindo de outras culturas. Não obstante, é importante ter em mente que, ao longo dos anos 2010, a música negra esteve sob a agência de várias pequenas transformações que a possibilitam seguir por caminhos diferentes, assim como tocar em temas diferentes.

Dito tudo isso, vamos logo à questão: esse cantor californiano, descendente de pais afro-americanos e mexicanos, participou e contribui para algumas dessas mudanças ocorridas ao longo dos anos. Desde seu primeiro álbum, All I Want Is You, de 2010, Miguel capturava o zeitgeist de seu estilo. Com senso de humor e um quê muito sexy em sua música, o artista conquistou seu público com um misto entre R&B, Pop, Funk e Neo Soul que engatinhavam nos 2000 e que se tornaria moda na década seguinte: caso de seguidores como The Weeknd, Frank Ocean, Jeremih, Rhye e outros nomes que também seguiram nesse mesmo caminho.

Não dizendo que Miguel inventou a roda, mas certamente ele a fez girar de forma sinestésica e com mais alma. Prova disso é o convite de músicos como Usher e Asher Roth, que povoavam a cultura Pop nos anos 2000, para colaborações do artista em algumas de suas faixas. E por falar nesses nomes do mainstream, o disco All I Want Is You tinha muito mais desse caminho popularesco do que de artistas que povoavam o limiar do underground – ao mesmo tempo em que havia um quê de Prince e do R&B dos anos 80. É inegável que aquele foi seu disco mais Pop, mas ainda assim bem experimental. Músicas como Pay Me e To The Moon são provas disso.

Vale ressaltar também que o disco é na verdade de 2007, apesar de ter sido lançado somente em 2010 por conta de uma batalha judicial com seu antigo selo. Nota-se que, mesmo com o atraso, se no ano em que chegou às lojas o álbum já foi altamente contemporâneo, caso tivesse sido lançado em 2007, ele seria algo bem à frente de seu tempo.

Três anos se passariam até que o aclamado Kaleidoscope Dream chegasse às lojas para mudar de vez a carreira do músico. Surfando a mesma onda que inundava o mercado musical na época, o PR&B (de nomes já citados como Frank Ocean e The Weeknd), esse disco foi capaz de impulsionar a carreira do músico e de levá-lo a ouvidos que ainda não tinha alcançado. É interessante ver que, embora o teor Pop visto no primeiro álbum tenha diminuído, seu lado mais experimental, também visto no debut, não minguou tanto assim. Esse não é um disco arriscado, é claro, mas tem elementos que saltam a audição quando ouvidos pela primeira vez. Essa é sem dúvidas uma obra bem interessante e que merecidamente escalou posições na lista de mais vendidos da Billboard.

Sobre o tal zeitgeist de sua obra, Kaleidoscope Dream é um disco que consegue captá-lo com ainda mais potência – e parte disso vem pelo fato do disco não ter atrasado três anos de sua produção até seu lançamento. Fruto de seu tempo, o álbum é sim a essência de muito do que a música negra representava em 2012/2013, assim como ponto de inspiração para outros tantos artistas, seja no terreno Pop ou Indie para criar sua música. Vale lembrar que foi justamente nessa época que houve uma explosão de artistas que seguiam o R&B ou suas ramificações como norte de sua obra: vale destacar nomes como Autre Ne Veut, How To Dress Well, inc. e Vondelpark, entre outros, que também surfaram essa onda.

Para seu novo disco, Wildheart (a ser lançado em 29 de junho e já disponível para streaming), Miguel não pode deixar de trazer à pauta uma discussão que está em voga na obra de seus contemporâneos Kendrick Lamar (com To Pimp A Butterfly), D’Angelo (e seu Black Messiah) e Donnie Trumpet & The Social Experiment (com o ótimo Surf): a vida dos negros na América do Norte. Essa discussão inflamada pelos recentes acontecimentos de intolerância e violência em Ferguson e Baltimore, assim como o aniversário de 50 anos do episódio ocorrido em Selma, são só mais alguns sintomas disso que foi abordado por esses músicos em suas recentes obras. De uma forma original, o músico tratará dessas questões em seu álbum, quase como uma forma de diálogo com esses outros nomes – que também estão em sintonia com a problemática da América Negra e que tentam, a partir da música, serem seus porta-vozes.

Claro que não falta também todo groove e charme que Miguel apresentou em seus outros discos. Dá para notar em Wildheart um novo interesse em experimentar fora de sua zona de conforto, de dar asas ao seu indomável “coração selvagem”. Se isso ficou claro somente com os singles lançados durante os últimos meses, ao ouvir a obra na íntegra é perceptível o quanto o músico leva suas ideias longe – e explora novidades também, como quando brinca com a Ambient Music ou Folk. Esse é um disco e tanto e possivelmente também deixará sua marca no ano em que foi lançado, assim como aconteceu com suas primeiras obras.

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ARTISTA: Miguel

Autor:

Apaixonado por música e entusiasta no mundo dos podcasts