Nicolas Godin: Atemporal

Integrante da dupla Air estreia projeto solo com álbum inspirado em Bach

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Ah, o Tempo… Essa entidade mítica e de difícil definição…Podemos dizer que algumas pessoas têm mais facilidade em lidar com ele e seus conceitos, visões, interpretações. Outras desfrutam de uma certa fluidez para passear dessa para aquela época, sem danos aparentes, mantendo a noção de que tudo existe ao mesmo tempo, junto, só depende do ponto de vista. Complicado? Talvez, mas, para gente como Nicolas Godin, tudo isso é bem natural. Se você não está ligando o nome à pessoa, ele faz parte uma dupla francesa, com três letras, lá do fim dos anos 1990, que faz música Eletrônica, quase sempre instrumental e com influências de trilhas sonoras dos anos 1970. Fácil, certo? Air. Há poucos dias, fui descobrir que as letras, que formam a palavra “ar” em francês, constituem uma sigla, trazendo as iniciais de “Amour, Imagination, Réve”, ou seja, “amor, imaginação e sonho”. Tudo isso é amarrado no conceito da própria banda: fazer música de outra época soar atual e futurista.

Se Air conseguiu uma carreira estável e cheia de acertos, podemos cravar que seus integrantes, Nicolas Godin e Jean-Benoit Dunckel são dois sujeitos criativos e ousados. Godin cursava arquitetura na Paris dos anos 1990, quando foi convidado por um amigo para escrever a letra de uma canção a ser inserida num tributo ao arquiteto Le Corbusier. Nesta época, Nicolas já era músico amador e fazia parte de uma banda chamada Orange, sem qualquer perspectiva de sucesso ou carreira séria. As coisas começaram a mudar quando ele e Dunckel, também integrante do grupo, decidiram tentar a sorte como uma dupla. Entre 1995 e 1998, eles batalharam por espaço e atenção, até que conseguiram lançar uma compilação de singles e faixas iniciais, chamada Premiers Symptômes (1997), que antecedeu o seu grande êxito comercial, que viria com o primeiro disco Moon Safari, que surgiu no fim de 1998, como uma pequena revolução.

A novidade é que Air se valia do pressuposto lá do primeiro parágrafo do texto. Não precisava, necessariamente, ser uma dupla de revisionistas ao abraçar a música de outro tempo, desde que – voilá – essa música soe como nova, inédita e afeita a novas interpretações. Este é o pulo do gato e Moon Safari foi o abraço a este conceito, de temporalidades musicais concomitantes, além do fato da dupla se enxergar como uma entidade à parte disso tudo, como se fosse uma terceira pessoa, um observador crítico e isento desse material, portanto com autonomia e habilidade para mexer nele sem ser afetado pelas referências. Ao longo de sete discos, Air foi capaz de encantar multidões, mesmo que não fosse capaz de entregar um sucessor do mesmo quilate de Moon Safari. Expandiu sua paleta sonora, fez trilha sonoras de filmes a partir de suas influências com … trilhas sonoras de filmes e teve ótimos momentos. Há alguns anos – o último lançamento foi Le Voyage Dans La Lune, em 2012, Godin e Dunckel estão envolvidos com projetos paralelos

Nicolas Godin mantém essa visão conceitual das influências e de sua abordagem em sua estreia solo, Contrepoint, que será lançada nos próximos dias. Ao longo das oito composições, Godin vai empreende um passeio estético por composições do célebre mestre Johann Sebastian Bach, cuja obra ultrapassa as mil peças compostas. A ideia de visitar este terreno musical tão peculiar veio a Godin através das releituras de outro músico sobre Bach, o recluso pianista canadense Glenn Gould, cujas interpretações da obra do mestre alemão são consideradas marcos culturais do século 20. Claro, mantendo a isenção de Godin/Air em relação às inspirações e influências, os primeiros sons surgidos de Contrepoint já dão a pinta de que qualquer mera recriação das composições clássicas está descartada. A ideia aqui é reinterpretar, rever, se apropriar gentilmente do centro das peças e levá-los para outra época, no caso, provavelmente, o presente que vivenciamos hoje, talvez apontado-as para um futuro. O segredo está no uso dessa referência como ponto de partida para a criação de algo, ao mesmo tempo, novo e familiar.

A primeira composição a sair do novo trabalho é Orcas, que restaura a parceria com Thomas Mars, vocalista de Phoenix, com quem Air já havia trabalhado em 2000, na composição da trilha sonora do filme de Sofia Coppola, As Virgens Suicidas. Agora, assim como há quinze anos, Mars participa com seu alterego Gordon Tracks, murmurando algumas palavras em meio à canção. Outras faixas também já surgiram como singles: a jazzistica Club Nine, a robótica Widerstehe doch der Sünde, a intrincada Bach Off e a surpreendente Clara, que conta coma a presença de Marcelo Camelo, compondo e cantando a letra em português.

A estreia solo de Nicolas Godin promete não só matar a saudade dos fãs de Air em face dos três anos sem novidades, como jogar luz sobre seu papel na dupla, uma vez que Dunckel já tem trabalhos solo desde 2006, quando lançou o primeiro álbum como Darkel e mantém-se ativo desde então. Contrepoint promete ser um simpático acontecimento musical neste 2015 com tantas coisas legais lançadas e prometidas até dezembro.

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.