“Silenciosamente” por Lucas Vasconcellos

Músico comenta cada uma das faixas de novo disco, gravado ao vivo

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Fotos: Rogério Von Krüger

Silenciosamente é um disco que Lucas Vasconcellos gravou ao vivo em estúdio – sim, reunindo o melhor dos dois formatos.

“Ao vivo” porque as músicas foram gravadas em um só take, sem interrupções e edições futuras, como se ele estivesse no palco. E o ambiente entrega as condições ideias para que a interpretação do músico venha em sua melhor forma, com o fator orgânico em alta e a gravação que coloca seu vocal como se olhasse olhos nos olhos dos ouvidos. Sim, surreal assim.

O repertório ficou por conta de músicas do recente Adotar Cachorros (2015), do anterior Falo de Coração (2013) e de sua banda Letuce, além de releituras de Hyldon, Legião Urbana, David Bowie e Carlos Lyra e Vinicius de Moraes.

Para conhecermos mais das canções, Lucas falou ao Monkeybuzz um pouco sobre cada faixa de Silenciosamente.

Na Rua Na Chuva Na Fazenda: “O poder de síntese dessa canção é de saltar aos olhos. Ela revela o quanto Hyldon conseguiu ser claro na sua mensagem. Eu nunca havia tocado essa canção. Vi na TV um programa onde o próprio autor falava sobre ela. A harmonia também é muito delicada e me interessei em interpretá-la à minha maneira. Cito a Balada Do Louco, dos Mutantes, em um determinado trecho”

O Amor Tem Que Ser Mais Do Que Saber Escrever Uma Carta: “É uma canção de origem sexual, acho. No arranjo original, ela soa mais máquina, mais métrica. Nessa versão, a letra se sobrepõe ao arranjo e isso torna os versos ainda mais fatalistas”

Silenciosamente: “A teia de samplers e loops que adornam o arranjo original é substituida pelo silêncio e pela simplicidade do violão. Essa música pode ter muitas interpretações, mas, pra mim, ela fala sobre essa fase de ouro em que algumas relações conseguem chegar, onde há esse conforto emocional de não precisar ‘entreter’ alguém pra parecer interessante o tempo todo. Também fala sobre envelhecer só e em um lugar afastado da cena social sem que isso seja um exílio sofrido e sim uma escolha compatível com determinados tipos de personalidade.”

Meu Seu: É interessante como essa música pra mim não tem nenhuma ‘obrigação’. Ela é como um pensamento solto na minha cabeça, como uma memória sem refrões ou repetições melódicas. Ela flui e me leva de volta pra infancia e, sempre quando acabo de cantá-la, eu vejo o rosto do meu pai”

Flor De Tudo: “São tantas camadas de pianos e baterias que compõem o arranjo original dessa canção que ouvi-la assim ‘pelada’ transforma tudo. Ela se tornou uma toada, meio sulista até. Depois, vira um tipo de ‘Bossa Nova’ irônica. A letra mais uma vez evoca essa sensação de que nós nunca saberemos sobre o futuro, mesmo que tudo já esteja escrito e muitas vezes esteja ao nosso alcance decifrar um pouco desses mistérios. Isso faz parte da beleza das coisas (escolhermos uma certa ignorância) e ao mesmo tempo cria uma ansiedade humana e muito incômoda”

Eu Não Vou Chorar Por Fora: “Acho que essa música fica melhor assim, sem grandes interferências sonoras, como no arranjo original. Ela é simples, fala de algo comum à maioria das relações amorosas (o fim) e combina mais com um arranjo que permita que essa simplicidade apareça”

Lady Grinning Soul: “Seria impossível escolher a música mais bonita do Bowie, mas essa pra mim está lá no top 5. Uma canção muito convidativa a novas interpretações, e eu me vali dessa permissividade pra tentar a sorte. O piano é um instrumento muito versátil e tem uma capacidade dramática que sempre me fascinou”

Brigas Nunca Mais / Você E Eu: “Eu já escutava Tom Jobim desde antes de nascer, mas, quando eu comecei a tocar instrumentos e tive a curiosidade de saber como eram aquelas harmonias todas, tudo dentro de mim mudou. As possibilidades aumentaram tanto que eu simplesmente deixei de tocar guitarra por uns dois anos e fiquei apenas estudando e me envolvendo com quem tocava esse tipo de música. A música dele veio num momento essencial na minha formação e quem me aplicou essa matéria com mais afinco foi um professor de matemática com quem eu tinha aulas de reforço quando ficava em recuperação (o que acontecia todos os anos). Quando o Tom morreu, ele me ligou pra desmarcar a aula e nós choramos muito”

Adotar Cachorros: “Mais uma canção na qual a letra é a linha condutora. Ela parece uma conversa e eu quase poderia lê-la ao invés de tocá-la. Fala sobre a nossa impossibilidade de mudar o mundo, fala de amizade, de jabá radiofônico, de dinheiro, de uma nostalgia de um tempo menos tecnológico nas comunicações, remédios ansiolíticos, sensacionalismo midiático, dos desenhos da Rita Wainer, suicídio, egoísmo, orgulho e sobretudo desse compromisso eterno que é a paternidade/maternidade”

Teatro Dos Vampiros: “Eu toco com Dado Villa lobos há um tempo e sempre me fascinou essa canção, desde que ouvi ela originalmente e sobretudo quando ouvi o Dado cantá-la. Ela sempre está no repertório do show e sempre que estou tocando ela ao vivo (seja do Dado ou da Legião Urbana, que agora está em turnê) eu penso: ‘aí tem uma verdade’. E não tem coisa mais magnética nas artes do que perceber, no meio de fantasias e metáforas, essa verdade que se impõe naturalmente”

Areia Fina: “Eu compus essa música muito antes de gravá-la pela primeira vez no segundo disco da Letuce. E, desde então, está no meu repertório. Recebo muitas mensagens bacanas sobre essa canção, pessoas muito diferentes, de lugares diferentes, de origens culturais e sociais mais diversas se emocionam igualmente e me escrevem coisas lindas sobre ela. E eu já vi essa letra pichada na rua! É uma canção sobre amor, telepatia e drogas”

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MARCADORES: Novo álbum

Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.