Anos 90, Botafogo, Bossa Nova: Guerrinha sobre “Wagner”

Após tantos projetos em diferentes vertentes, músico carioca apresenta seu primeiro disco solo

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“Wagner foi o goleiro do Botafogo nos anos 90, minha primeira ideia de ídolo”, conta Gabriel Guerra, “ele queria ser o goleiro perfeito. Esse nome sempre reluz em mim. Ele soa perfeito, a fonética é excelente e é o goleiro do Botafogo, meu time do coração”. É assim que ele explica por que, depois de o conhecermos de tantos outros projetos (Dorgas, Séculos Apaixonados, Crusader de Deus, Repetentes e o selo 40% Foda/Maneiríssimo), batizou seu primeiro álbum assinado como Guerrinha justamente de Wagner . “Assim como ele almejava a perfeição, eu também almejo”, continua ele, “é claro que esse disco não é perfeito, nada na vida é perfeito, mas eu queria fazer essa pequena homenagem”.

Uma das figuras mais frequentes na cena independente de sua geração, Guerrinha conseguiu surpreender com o primeiro lançamento solo para chamar de seu. Quer você o tenha conhecido por uma de suas bandas ou pelos projetos com a música Eletrônica, dificilmente esperava um trabalho como Wagner, pautado por uma música instrumental jazzística e ambiente (“por isso as faixas têm nomes de lugares”, como ele explica). Se seu trabalho anterior sempre parecia ligá-lo às outras pessoas, seja com quem ele divide o palco ou com quem está na pista, o álbum curtinho, de 18 minutos, tem a introspecção em primeiro plano.

“Eu comecei a me tocar que eu tinha tantos projetos, e sempre tinha esse gostinho de que não estava sendo 100% do jeito que eu queria”, conta Guerrinha, “em qualquer álbum que você faz que tenha banda – mesmo que seja um negócio seu, mas que vai ser lançado por um outro selo -, você tem que ceder alguma coisa. Seja algo muito idiota, como capa de álbum, sempre tem que ceder de certa forma. Esse foi o primeiro trabalho que eu fiz do jeitinho que eu quero. Só de lançá-lo, já estou feliz”.

Feito ao longo de dois anos, sempre às madrugadas, o disco foi inspirado pela própria noite carioca – não a boêmia na Lapa, mas aquela que se vive por trás das janelas dos apartamentos na solitude. Gravado com um teclado simulando saxofone, uma guitarra de Jazz e uma bateria na qual caixas e tons foram substituídas por bongôs e congas, Wagner encontrou seu lugar em uma herança romantizada do imaginário que nossa geração tem da música brasileira de antigamente – algo que podemos brincar de “Pós-Bossa Nova”.

“Tem gente que achou o disco bem Bossa Nova, acho que faz sentido”, conta ele, “é um estilo calmo e, ao mesmo tempo, se você olhar as harmonias e as baterias, pega Água de Beber por exemplo, elas são frenéticas. Mas, ao mesmo tempo, tudo aquilo faz a música ser calma. É um estilo sucateado pelos brasileiros, que têm medo da Bossa Nova ser elitista. Mas a gente está em 2018, a gente pode ser mais aberto aos estilos. Caetano falou que A Bossa Nova É Foda, e eu concordo com isso”.

Sendo esse seu primeiro disco solo, batizado com o nome de um ídolo da infância, não seria de se estranhar que mais elementos pessoais fossem encontrados em Wagner. Um deles, como já dito, é a declarada inspiração no Rio de Janeiro, sua cidade natal. “Qualquer carioca que te falar o contrário vai estar mentindo: A gente é muito orgulhoso da cidade”, explica o músico,”quando as pessoas falam que ‘a cidade está em decadência’, elas falam isso com um pé atrás – afinal, a gente continua sendo o cartão postal do país”.

Guerrinha

Outra questão pessoal, ainda mais subjetiva, vem do repertório adquirido por Guerrinha ao longo dos anos muito além de seus trabalhos na cena, mas da própria infância. Ele conta: “Minha mãe começou a trabalhar no Instituto Moreira Salles nos anos 90, quando a arte era uma coisa muito chique por si só. Hoje em dias, as pessoas tentam se rebelar e tal, mas nos anos 90 era tudo muito chique. Então, minha mãe tinha discos desse tipo de música ‘sofisticada’ de certa forma e, como eu era uma criança, eu tinha que ir aos lugares com ela e esses discos eram os que tocavam. Alguns eram muito bons, outros eram terríveis (risos)”.

“Todos os álbuns que fiz até agora eram animados, de certa forma. Eu nunca tinha feito um disco que fosse não só calmo no arranjo, mas também na própria mixagem”, explica Guerrinha, que continua: “Wagner é a minha ideia de música plena, que você pode simplesmente sentar, ligar o som e ouvir”. “O meu jeito de fazer as coisas sempre foi meio neandertal: Erra, erra, fica com vergonha, depois acerta (risos), então tenho vergonha de várias coisas que já fiz, então tenho que fazer coisas novas para minha autoestima ficar melhor, entende? Mas o caso do Wagner é o epicentro disso, porque eu queria deixar a minha autoestima lá no alto”.

“Minha vida é basicamente música. Eu me fodi, não sei fazer mais nada”, brinca ele em tom de desabafo, “me formei em ciência política e, por mais que eu gostasse de ler, todo tempinho que eu tinha eu fazia música. Eu invejo outras pessoas que fazem música e que não tem isso como o primeiro trabalho delas, eu adoraria ter esse tipo de discernimento. Eu tô com 25 e acho que nunca é tarde para nada, mas, pelo caminhar das coisas… (risos) parece que eu estou incrustado nesse mundo”.

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Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.