Keane e Killers: Duas Bandas À Moda Antiga

Há muitas semelhanças entre essas duas bandas que colecionam hits e lançarão suas compilações em breve

Loading

Vai chegando o fim do ano e pipocam algumas coletâneas de maiores sucessos nas lojas. Cada vez mais raras, essas compilações de hits já foram lei de mercado em termos de lançamento fácil e de grande aceitação. Ainda que aquelas bandas e artistas de carreira irregular possam ser representados em discotecas apenas por esses disquinhos de grandes sucessos, não parece ser o caso de Keane e Killers. Mesmo assim, chegam às lojas do mundo Direct Hits e The Best Of, dois balanços nas carreiras das duas bandas de rock mais populares deste início de século. Há muito em comum entre as trajetórias de Keane e Killers. Muito mais que as mesmas iniciais, a mesma gravadora, a espantosa coincidência entre os anos de lançamento de quase todos os discos de ambas ou a ambição de tocar para estádios e grandes espaços num tempo em que os grandes shows parecem não despertar o interesse de artistas e grupos. Mesmo com a grande distância entre Las Vegas, o lar do Killers e East Battle, o torrão natal do Keane, veremos como essas duas bandas são parecidas.

A semelhança, a princípio, não está na sonoridade. Mas, mesmo nesse quesito, há detalhes que unem os dois grupos em torno de uma certa lógica. Quando surgiram, na virada do milênio, o Rock encontrava-se diante de dois caminhos. Após o fim dos últimos movimentos relevantes no estilo, Grunge e Britpop, havia a tendência de enveredar pela estrada aberta pelo Radiohead, ou seja, levar o rock pra passear pelas alamedas cinzentas abertas dos tempos do U2 de Zooropa, com influência de progressivo alemão e algumas pitadas de pianos ou guitarras entristecidas. Era uma pista em que já andavam Travis, Coldplay e Muse. Também havia o outro lado da estrada. representado pela vigorosa revisitação do pós-punk oitentista, muito simples, muito cru, muito rápido, onda capitaneada por Strokes, The Bravery e Franz Ferdinand. Keane e o Killers, surgidos pouco depois dessas formações, escolheram, cada um, um caminho.

O trio inglês, formado por Tim Rice-Oxley, Tom Chaplin e Richard Hughes, contava com o guitarrista Dominic Scott nos idos de 1997, quando surgiu com nome em homenagem ao atacante irlandês Roy Keane, do Manchester United. Faziam covers de Oasis e U2 sem muito compromisso mas já gravavam algumas canções próprias no ano seguinte, quando Chaplin anunciou que seguiria para Edimburgo, com a intenção de cursar História da Arte na universidade. O Keane ficou na geladeira por um ano, quando ele decidiu voltar e dedicar-se apenas às atividades com a banda. Em 2000 era gravado o primeiro single, Call Me What You Like. O grande diferencial surgiu da necessidade de preencher o vazio deixado por Scott, que saiu da banda em 2001. Os teclados de Rice-Oxley foram devidamente redirecionados para uma nova sonoridade, capaz de fazer as vezes da ausente guitarra, resultando num timbre bastante peculiar. O contrato com a gravadora Fierce Panda veio no fim de 2002, quando Simon Williams, o mesmo sujeito que descobrira o Coldplay, saiu impressionado de uma apresentação do Keane em Londres. Após alguns singles para a gravadora em 2003, o trio assinaria com a Island Records no fim do ano e soltaria seu primeiro disco, Hopes And Fears em 2004, que trazia a bela Somewhere Only We Know.

Para o Killers o sucesso veio em menos tempo. Vivendo numa cidade sem tradição na formação de bandas de Rock, Las Vegas, Brandon Flowers, David Keuning, Mark Stoermer e Ronnie Vannucci se conheceram no circuito local de barzinhos e buracos. Flowers cantava numa bandeca chamada Blush Response, a qual deixou por recusar-se a mudar para Los Angeles, enquanto Keuning tocava guitarra inspirado em Noel Gallagher e nas melodias do Oasis. Passaram a compor juntos e, a partir da entrada de Stoermer e Vannucci, formaram o Killers. Seria reducionismo dizer que o som da banda era uma mera variação do pós-punk oitentista, justo porque havia grande cuidado em termos de arranjo e uma certa preocupação estética que mostrava algo mais que o mero desejo de tocar alto e rápido. Mesmo com essas qualidades, o Killers estourou primeiro na Inglaterra. Contratado inicialmente pelo selo Lizard King, o quarteto mudou-se para Londres no início da carreira, com a intenção de divulgar seu primeiro single, Mr. Brightside. Com o sucesso alcançado em pouco tempo, o Killers foi anunciado como uma das grandes atrações da CMJ Music Marathon em Nova York. Pouco depois, a Island já contratava o quarteto, que também lançou seu primeiro disco, Hot Fuss, em 2004.

A partir daí, as duas bandas caminharam juntas rumo ao sucesso planetário. Com o apoio de grandes estruturas herdadas dos tempos da indústria musical estabelecida e dando as cartas, tanto Keane quanto Killers tiveram tempo, dinheiro e apoio para desenvolver suas carreiras e experimentar. Seus segundos discos, Sam’s Town e Under The Iron Sea, vieram em 2006, diferentes mas totalmente inseridos na lógica musical dos grupos. Se o primeiro trazia o Killers empreendendo uma simpática incursão pelos terrenos arenosos do U2 fase Rattle And Hum com toques de Bruce Springsteen, Iron Sea era a continuidade de Hopes And Fears, mostrando um Keane seguro e disposto a consolidar uma fórmula que mostrava-se vencedora. Nenhuma das bandas teve medo de assumir-se como “não-indie”, no sentido de abraçar grandes públicos, fazer grandes clipes e abusar das estratégias usuais. Em 2007, o Killers soltaria uma coletânea de lados B e covers, chamada Sawdust.

Em 2008, Killers e Keane apresentavam interessantes reviravoltas em suas carreiras. Nada muito sério, mas suficiente para destacar os lançamentos de Day & Age e Perfect Symmetry como movimentos interessantes de ambos os grupos em direção ao tecnopop dos anos 80. A gravação do terceiro disco levou o Keane até a Alemanha em busca de inspiração. O resultado foi chamado de Achtung Baby, referência ao disco do U2 de 1990, no qual a banda irlandesa rompeu com o messianismo em busca da alquimia perfeita entre eletrônica, aridez e Rock. Guardadas as proporções, Perfect Symmetry deu uma levantada no astral da banda, sobretudo no primeiro single, Spiralling, cheia de referências não ao U2, mas a bandas como Duran Duran. Killers, por sua vez, abraçava o Pop dançante de gente tão distinta como Pet Shop Boys, New Order e Duran Duran, tendo em Human, single inicial do disco, a maior prova disso. Em ambos os casos, um indicador importante do talento de ambos os grupos: em nenhum momento deixaram de soar como eles mesmos, sempre guardando suas respectivas identidades sonoras.

No biênio 2009/2010 surge a diferença entre as duas bandas, quando o Killers decide investir na gravação de um disco gravado ao vivo no Royal Albert Hall e Brandon Flowers lança seu primeiro disco solo, Flamingo, produzido por Daniel Lanois. Keane, por sua vez, solta Night Train, um feixe de canções que não entraram no trabalho anterior mas que também amplia a vontade do trio em não se repetir. Com participações de gente estranha ao terreno sonoro, como o rapper K’Naan e o japonês Tigarah, o Keane achou tempo para se reinventar sem correr riscos. Após o retorno das duas bandas no ano passado, com novos trabalhos que buscavam revisitar suas sonoridades iniciais, Strangeland e Battle Born, Keane e Killers lançam suas primeiras coletâneas neste fim de 2013. Se não ocupam a vanguarda da criatividade musical, são capazes de oferecer belos exemplos de pop rock bem feito, relevante e com traços próprios, reconhecíveis e que agradam a grandes públicos ao redor do planeta. Se você não tem nada deles em sua discoteca, vale a pena adquirir Direct Hits, do Killers e The Best Of Keane, dois belos retratos dessas bandas cheias de traços bacanas em comum. Outra coincidência de última hora: em ambas as coletâneas, Killers (com Shot At The Night e Just Another Girl) e Keane (com Higher Than the Sun e Won’t Be Broken) mostram duas músicas novas.

Loading

ARTISTA: Keane, The Killers
MARCADORES: Redescobertas

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.