“Talkie Walkie”, Há Dez Anos Diminuindo Fronteiras

Clássico disco do Air completa uma década de importância para a música atual

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Curiosamente, apesar da qualidade e importância dentro da discografia do Air, Talkie Walkie nunca foi considerado o melhor álbum da carreira dos franceses, papel reservado para o seminal disco de estreia, Moon Safari. No entanto, uma década depois de seu lançamento, podemos perceber os desdobramentos que o trabalho trouxe à música atual. Evidentemente, o mundo que vivemos não é mais o mesmo, apesar de ser tão semelhante, sendo a grande modificação no cotidiano os smartphones que você não consegue desgrudar e o fluxo constante de informação.

As fronteiras entre países nos parecem, cada vez mais, inexistentes e isso ocorre devido a Internet. Podemos saber o que está acontecendo em todos os cantos da Terra agora. O imaginário nos parece cada vez mais incerto dado o número de fotos, vídeos, músicas, livros e culturas externas que absorvemos. O aspecto cosmopolita desta Torre de Babel atual se consolida na música. Como explicar a música oriental vista nos texanos do Mutal Benefit? Ou, o africanismo escutado nos ótimos brasileiros do Bixiga 70? Acesso, pesquisa e absorção. Tudo isso diminui as distâncias e cria essa grande música global. Por isso que, dez anos depois, podemos ver em escalas menores, o que Air fez com a música naquele período.

Seu disco, com nome de dispositivo de comunicação de pequenas distâncias, nos aproximou a diferentes tipos de música através do eletrônico. O conhecido som espacial paradoxalmente aéreo, dado que no vácuo não existe ar, nos fez viajar através de trilhas-sonoras imaginárias, elemento usual dos franceses, criando uma obra distinta, coesa e serena. Alone in Kyoto, faixa de encerramento da obra e que esteve presente no excelente filme de Sofia Coppola Encontros e Desencontros, nos transporta para a terra do sol nascente sem chance de volta. Barulhos de mar sampleados são a comunhão de que não nos perdemos na tradução linguistica quando a comunicação se dá através da música.

A forma de criar uma linguagem universal do Air é bem simples: sons extraterrestres, mas com texturas e elementos terrenos de diversas partes do mundo os quais trabalham de interprete entre músicos e ouvintes. Como a viajante Biological com seu banjo típico da música sulista norte-americana, mas que aparece de forma tímida, no meio desta faixa etérea. O instrumento orgânico quase que nos coloca os pés no chão após a propulsão viajante inicial. Surfing on a Rocket, no entanto, não tenta em nenhum momento utilizar a gravidade para nos puxar de volta à superfície, deixando-nos, no entanto, livres para viajar na imensidão do espaço.

A produção eletrônica do Duo, utilizando-se de baterias eletrônicas, sintetizadores e controladores de aúdio, tudo feito basicamente de forma independente entre si com uma pequena intervenção do famoso produtor Nigel Godrich, era também a demonstração da vanguarda do trabalho dos franceses, que desde do começo de sua carreira incorporaram o mote punk DIY (faça você mesmo). Atualmente é comum vermos jovens produzindo o seu próprio som, sozinhos e com a Internet auxiliando a sua busca de conhecimento. Casos como Chance, The Rapper, Youth Lagoon, Teen Daze e Active Child mostram que a música pode se tornar individualista em termos de produção e, ao mesmo tempo, pluralistas em influências e alcance sonoro. Como transformar o eletrônico em orgânico, deixando-o menos robótico e insensível, é o grande desafio para estes artistas.

Air, no entanto, sempre soube fazer isso, até nos vocais cantados em inglês, mas com aquele curioso sotaque que os franceses sempre insistem em fazer com a língua anglo-saxã, como em Cherry Blossom Girl ou na excelente Venus. Esta, aliás, evoca sentimentos muito humanos como o luto através de seus teclados funebres, diretos e pálidos como a palheta de cores de um funeral pede. Os assobios em Alpha Beta Gaga são outro adereço que aproximam o ouvinte ao incorporar um som tão universal e comum à música Eletrônica, naturalmente mais complexa. O melhor momento fica para Run, faixa com vozes alienigenas, sintetizador viajante e um experência única e serena no ano de 2004.

“I know so many places in the world /I follow the sun in my silver plane /Universal traveler” canta o duo em Universal Traveler, canção que expressa bem a sensação ao se ouvir Talkie Walkie. Constantemente, nos vemos viajando dentro e fora da Terra em um álbum cuidadosamente feito para transportar o ouvinte para outros lugares. Se há dez anos já ficamos chocados com a qualidade musical deste doce disco, atualmente vemos como Air acabou influenciando uma geração posterior de músicos ao demonstrar que sozinhos, podemos viajar para todos os cantos do planeta, e inclusive o espaço, através desta arte. Não precisamos ser oriundos de um país para experimentarmos outras experiências sonoras e, se um milhão de artistas já haviam feito isso antes, estes franceses nos mostraram que, pelo menos, a tradução pode ser feita de uma forma muito mais compreensível para nossos ouvidos.

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ARTISTA: Air
MARCADORES: Aniversário

Autor:

Economista musical, viciado em games, filmes, astrofísica e arte em geral.