5pra1: Yellow Magic Orchestra

Um passeio pela breve e brilhante trajetória do grupo de Tóquio que reuniu Haruomi Hosono, Ryuichi Sakamoto e Yukihiro Takahashi

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Fotos: Divulgação

A série 5pra1 apresenta e destrincha cinco discos que servem como primeiro mergulho na obra de um artista.

 

Criar um guia de cinco discos do Yellow Magic Orchestra é uma tarefa complexa. Apesar de não ser tão extensa, a discografia do histórico trio é diversificada e irresistível – e poucas bandas exerceram tanta influência quanto a comandada pelos gênios Haruomi Hosono, Ryuichi Sakamoto e Yukihiro Takahashi.

Formado no final da década de 1970, o YMO surgiu como um projeto solo que tinha o objetivo de mesclar raízes orientais às referências da música eletrônica moderna. A ideia foi muito além da proposta inicial e resultou não apenas em um catálogo riquíssimo, mas em imponente sucesso comercial, com shows e mais shows esgotados pelo mundo. Reunindo uma seleção do mais alto escalão, o YMO é digno do adjetivo “lendário”: Hosono já era dono de uma sólida trajetória, com grandes discos, seja em carreira solo ou no célebre grupo Happy End; Sakamoto, entre os músicos japoneses mais admirados da história, era um jovem cheio de sede experimental munido por sintetizadores e o aprendizado na Universidade Nacional de Finas Artes e Música – e vinha no embalo de uma prestigiada estreia com Thousand Knives; e Takashi contava com a experiência como baterista da banda Sadistic Mika Band (que se tornaria The Sadistics, posteriormente). Vale citar ainda Hideki Matsutake, o programador que foi algo como o quarto membro do grupo.

Pode parecer ousado dizer que a música não foi a mesma depois que esses três se encontraram, mas é impossível não reconhecer: o synthpop, o techno, o electro, o j-pop e a VG music jamais teriam o mesmo desenvolvimento não fosse o YMO. Ainda que, à época, o Kraftwerk já existisse, foi a linguagem pop do grupo de Tóquio que cravou seu lugar no pioneirismo da música eletrônica mundial – com carisma, subversão, talento, sequenciadores, sintetizadores e drum machines.

 

Yellow Magic Orchestra (1978)

Pioneiro do synthpop, o disco de estreia do trio seria só mais um projeto paralelo do prolífico Haruomi Hosono, que no mesmo ano lançou o budista Cochin Moon, com colaboração de Sakamoto, e o maravilhoso Pacific. Felizmente a ideia inicial não vingou e o grupo acabou se tornando um grande sucesso nacional. A proposta inovadora no uso de samples, as linhas melódicas que bebem das raízes japonesas e a perspectiva nipônica ao abordar temas universais tornam YMO um primeiro disco imperdível, que renderia comparações imediatas a Kraftwerk e Giorgio Moroder. O Roland MC-8 Microcomposer, lançado um ano antes, foi amplamente utilizado no repertório, além de sintetizadores como ARP Odyssey e o Vocoder da Korg VC-10 – exemplo dessa mescla sonora está em “Firecracker”, versão do trio para a composição de Martin Denny, que seria amplamente sampleada pelo hip hop. E ao ouvirmos o primeiro beat, entendemos a importância deste trabalho. Hits como “Cosmic Surfin” e “La Femme Chinoise” enriquecem ainda mais um disco de musicalidade envolvente, leveza e humor, cujos ecos figurariam também por animes e trilhas de videogame.

Destaques: “Firecracker”, “Cosmic Surfin’”, “La Femme Chinoise”

 

Solid State Survivor (1979)

O que poderia ter sido um trabalho solo (e solitário) acabou engatando uma carreira para o trio – e o sucessor une todas as qualidades da estreia e as expande tanto em termos de composição quanto de produção. Tudo em Solid State Survivor é nítido, cristalino e estonteante, com algumas das mais belas linhas de sintetizadores já produzidas. O kick 4/4 come solto em “Technopolis”, tornando-se posteriormente um símbolo do techno; temos aqui a versão ortodoxa de “Day Tripper”, dos Beatles, uma apropriada apresentação do que é o YMO; e “Rydeen”, um dos maiores sucessos do trio, impulsionado também por seu ótimo videoclipe. Com STS, ficou claro que não apenas o synthpop, mas a música popular nunca mais seria a mesma a partir da década seguinte.

Destaques: “Technopolis”, “Rydeen”, “Solid State Survivor”

 

Public Pressure (1980)

O teste público do YMO no ocidente se tornou um enérgico registro ao vivo gravado durante a turnê da banda em 1979 por Europa e Estados Unidos. É curioso que a banda tenha sido anunciada em shows, com ingressos esgotados, como um artista de rock, mas talvez essa fosse a percepção ocidental aos estranhos timbres, às melodias vertiginosas e ao direcionamento musical sintético – aquilo ainda era rock no sentido de “mexer o quadril de todo mundo”. De execuções perfeitas, as performances ao vivo de “Ryden”, “Cosmic Surfin’”, entre outras canções, foram passadas de boca em boca por Los Angeles, fazendo com que as bilheteiras do YMO explodissem. Algo surreal para uma banda japonesa na virada dos anos 1970 para os 1980.

Destaques: “The End of Asia”, “Rydeen”, “Tong Poo”

 

BGM (1981)

O quarto disco de estúdio do YMO foi o primeiro a incluir a seminal bateria eletrônica Roland TR- 808 em uma gravação. Conhecido por investir dinheiro pesado em equipamentos em uma das mecas tecnológicas do planeta – com marcas como Roland, Korg e Yamaha –, o trio se escorou nessa mágica bateria em seu disco mais “avant-grade”. BGM é a sigla para background music e o repertório de fato aponta para os primórdios da ambiente music, que se tornaria muito popular no Japão. É um disco avançado, que olha para o futuro das pistas e que incrementou a cabeça de público e produtores durante a década na qual a música eletrônica e o hip hop se popularizaram – a partir de instrumentos análogos aos usados aqui. “Ballet”, na voz de Takahashi, está entre as grandes composições do grupo; e “Rap Phenomena” é o take japonês no rap – em 1981 (!)

Destaques: “Ballet”, “Rap Phenomena”, “Music Plans”

 

Naughty Boys (1983)

Com as duas primeiras faixas cantadas em japonês, Naughty Boys foi um disco com menos apelo ao público ocidental e, ainda assim, mais um acerto no catálogo do YMO. De forma geral, traz um repertório menos experimental, mas sua veia pop soa como uma deliciosa fuga da loucura do dia a dia na cidade grande – os momentos de aproveitar uma noite agitada em um bar cheio ou um pôr do sol inusitado durante o trajeto em uma rodovia travada. Embora classificado como um disco de synthpop “comercial”, Naughty Boys traça sutilmente os novos percursos sonoros pelos quais o trio veio caminhando durante uma jornada impressionante – e que entraria em hiato no ano seguinte.

Destaques: “Wild Ambitions”, “Kimi Ni Munue Kyun – Uwaki Na Vacance”, “Opened My Eyes”

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Autor:

Economista musical, viciado em games, filmes, astrofísica e arte em geral.