À mesa com Blonde Redhead

Depois de quase 10 anos, a banda retorna com o disco de inéditas “Sit Down For Dinner”; Amedeo Pace fala sobre o projeto e explica por que, em três décadas de carreira, o grupo sempre se sentiu “um pouco atrasado ou um tanto adiantado”

Loading

Fotos: Charles Billot

“Dividir a mesa” é uma expressão que, ao longo da história, ultrapassa culturas como ato de unir pessoas. Foi durante o período de isolamento na pandemia, quando compartilhar uma refeição nem sempre era possível, que Blonde Redhead confeccionou seu mais recente álbum, Sit Down For Dinner. Como um convite para os encontros em uma época marcada por perdas – sejam elas de conexões e relações, ou mesmo de vidas.

Juntos há cerca de 30 anos, a nipo-estadunidense Kazu Makino e os gêmeos italianos Amedeo e Simone Pace produziram desta vez a obra à distância, uma narrativa comum nesses últimos anos, mantendo a beleza de seu dream pop e a emoção dos seus versos. Essas duas características são parte do que garantiu a longevidade da banda, que segue conquistando novos fãs.

Foi o que Amedeo contou ao Monkeybuzz em entrevista, detalhando também o processo criativo de Sit Down for Dinner, além de declarar seu amor pela música brasileira.

O que diferencia este álbum dos anteriores em sua discografia?

Essa é difícil de responder. Nunca pensamos em nossa música assim, nunca tentamos fazer um álbum que já tenhamos feito, nem mesmo diferente, seguindo uma nova direção. É complicado pensar assim enquanto produzimos um disco e, quando ele já está pronto, não gostamos de compará-lo com os outros. Entendo dessa forma: você ganha idade, seu corpo muda… Mas acho que fica um pouco mais fácil entender [o que queremos com a música] em tempo real, enquanto produzimos. É mais fácil também relaxar durante o processo. Tem uma parte que é mais “no limite”, mas, no geral, [fazer um disco] vira uma experiência calma e positiva. Talvez essa seja uma diferença que eu noto em relação aos álbuns anteriores.

Além dessas mudanças, sei que o processo de produção desse disco foi também único, com uma nova forma de vocês trabalharem. Pode nos contar mais sobre isso?

Sim. Este álbum foi, de certa forma, mais complicado de fazer, porque gravamos em muitos lugares diferentes. Kazu, naquela época, estava também fazendo seu álbum solo e depois fez sua turnê. Das demos que começamos a fazer, eu fui desenvolvê-las sozinho enquanto ela estava ocupada. Simone teve uma filha, então ele também estava muito ocupado. Eu enviava aos dois o que estava fazendo para ouvir suas opiniões. Grande parte foi gravada em casa já antes da pandemia. Só nos encontramos no estúdio nas fases finais do disco, para a mixagem, que foi feita em estúdios menores, onde trabalhávamos às vezes só por um dia. Foi bem diferente de discos anteriores, quando trabalhávamos por três semanas sem parar em um só lugar. Foi uma experiência estranha, feita um pouco na Itália, um pouco na cidade de Nova York, depois no interior do estado durante a pandemia, depois voltamos à Itália… É a vantagem da gravação digital, você leva sua música aonde precisar na sua mala.

“A esse ponto da carreira, já sabemos lidar com expectativas, com o inesperado e deixar acontecer. Acho que essa é a parte mais difícil de ser artista: abrir mão do controle e torcer para dar tudo certo”

E você acha que essa jornada toda de produção teve algum impacto direto na sonoridade da obra?

Tenho certeza que sim. Acho que, quando você trabalha com todos juntos no estúdio, mesmo quando gravávamos em fita (o que me dá saudades, às vezes), os instrumentos se juntam de uma maneira especial, criando harmonias e aberturas, sons mágicos que não acontecem quando você grava cada um deles separadamente, como fizemos nesse álbum. Mas, ainda assim, o resultado me agradou bastante, que é o mais importante. É difícil dizer como essas coisas acontecem. Você tem uma ideia de como ele deve ser e, ao final do processo, ele virou outra coisa completamente diferente do que você planejou. A esse ponto da carreira, nós já sabemos como lidar com nossas expectativas e o inesperado, sabemos só deixar o processo acontecer. Acho que essa é a parte mais difícil de ser artista, abrir mão do controle e torcer pra dar tudo certo [Risos].

E quanto às letras? Como vocês sabem quais mensagens querem trabalhar em um álbum?

Kazu e eu escrevemos de maneiras bem diferentes. Ela investiga sentimentos e situações que viveu, ou talvez se inspire em um livro que está lendo, e ela consegue transformar tudo isso em letras de música. Eu admiro muito isso, porque para mim, é muito diferente. Ela perdeu seu cavalo, e escreveu “Rest of Her Life” sobre isso; teve que trocar a Itália por Nova York, o que ela não queria fazer, e foi o que gerou “Sit Down for Dinner Pt.I”, enquanto “Pt.II” veio de um livro que ela estava lendo na época… Ela passou por muita coisa durante esse período, e conseguiu imediatamente transformar tudo isso em música. Para mim, isso é difícil, porque eu me sinto muito limitado em relação a cantar, certas palavras e fonemas não ficam bons saindo da minha boca. Eu começo [a compor] inventando melodias em um inglês de mentirinha, e tento capturar esses sons e ver que palavras fariam sentido ali, de acordo com o que eu quero dizer. São processos completamente diferentes. Eu também passei por muita coisa durante esse período, e também escrevi sobre o que passei, mas de um modo muito diferente do que ela faz. É mais uma colagem de ideias que eu faço, ou experiências com sons e palavras.

Com tanto tempo de carreira, quem você acha que escuta Blonde Redhead hoje? Quem é o seu público?

É difícil dizer, porque faz um bom tempo que não fazemos uma turnê, e os poucos shows que fizemos [nas últimas semanas] foram apresentações menores, só para promover o disco. Mas tenho a sensação de que nosso público é muito misto, acho que muitos jovens estão nos conhecendo por músicas como “For the Damaged Coda”, que tocou em Rick and Morty. Gosto quando encontramos pessoas mais velhas nos shows também, porque elas nos acompanham há muito tempo, o que é ótimo.

 “Ainda não atingimos a maturidade musical que podemos atingir. Há tão mais o que se fazer e se descobrir com a música”

Tenho a impressão, e você pode ficar à vontade para discordar, que o som que Blonde Redhead faz (e sempre fez) combina mais com o que as novas gerações estão escutando do que com aquilo que tinha um apelo maior há duas décadas.

Sim, tem a ver com o tempo que estamos vivendo. Sinto que sempre fomos uma banda um tanto obscura, ou estranha, nunca tivemos “o nosso momento”, a nossa “hora certa”, sempre estávamos ou um pouco atrasados, ou um tanto adiantados, ou éramos estranhos para as pessoas. Mas vejo que agora, depois de todo esse tempo, as pessoas estão descobrindo nosso som e entendendo quem somos. Mas demorou muito para isso acontecer.

Você imaginava que a banda teria toda essa longevidade?

(Pausa) Eu sempre achei que poderíamos continuar por muito tempo, por conta de nossa relação – Simone é meu irmão, e Kazu é membra da nossa família. Mas também porque parece que ainda não atingimos a maturidade musical que nós podemos atingir. Há tão mais o que se fazer e o que se descobrir com a música. Mesmo dentro de mim, é óbvio que me sinto menos empolgado do que quando eu tinha 20 anos, mas ainda tenho muito desejo de fazer música e ver o que tenho dentro de mim. Na hora de trocar ideias com Kazu, que é uma pessoa completamente diferente de mim, que consegue completar as minhas ideias de uma maneira totalmente diferente do que eu tinha planejado, é um trabalho que eu gosto tanto. Se tivermos a energia de continuar fazendo turnês, o que é cada vez mais difícil com a idade, acho que ainda vamos durar muito tempo. Os Rolling Stones acabaram de anunciar um disco, né? [Risos]

E suas lembranças de tocar no Brasil, como o país ficou em sua memória?

Quero muito voltar ao Brasil, porque eu ouço tanta música brasileira: Caetano, João Gilbeto, Marisa Monte, Gal Costa, Chico Buarque, Jorge Ben… Eu cresci com música brasileira, porque é o que minha mãe escutava em casa. Simone começou a estudar bateria com um professor brasileiro, então estávamos sempre cercados de música brasileira. Sou muito amigo também de Arto Lindsay, que sempre compartilha seu conhecimento conosco. Os discos brasileiros antigos são tão bonitos na maneira como eram gravados, e as harmonias vocais. Amo especialmente as vozes femininas. Quero continuar fazendo música em parte porque quero realizar álbuns que sejam bonitos assim.  Já fui ao país três vezes, duas a São Paulo e uma a Recife, e não foi o suficiente para entender o Brasil. Quero voltar e passar mais tempo para estar aí e viver um pouco desse país que eu respeito tanto musicalmente. Em turnê, tudo pode acontecer, e nós não tivemos uma experiência tão boa no Brasil por conta da nossa hospedagem, em uma casa compartilhada onde não nos sentimos seguros na época, mas isso foi culpa da produção. É o tipo de situação que deixa um gosto amargo na boca, aconteceu algo parecido conosco na Coreia. Depende de quem está organizando seus shows e o quanto essa pessoa quer que você se sinta em casa. Mas eu não vejo a hora de voltar. Mas me sinto muito intimidado para tocar no Brasil [risos]. É o país mais intimidador para mim.

Loading

Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.