A música eletrônica nos games

Nem sempre lembrados quando o assunto é mídia musical, jogos de videogame introduziram o universo eletrônico no imaginário coletivo a partir de uma imersão de possibilidades infinitas – techno, house, ambient, drum n bass, jungle, rave…

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Fotos: Reprodução

A descoberta de novas músicas está diretamente associada à tecnologia e aos meios de informações disponíveis. Consumir música na década de 1960, por exemplo, estava diretamente relacionado com o formato no qual ela se apresentava – pelas rádios e televisões sob uma curadoria estabelecida pelos veículos de mídia. Mas não precisamos ir tão longe para exemplificar a relação entre música e mídia. Se pararmos para pensar, o começo da década de 2010 também passava por uma curadoria musical, porém realocada pelo panorama em que a internet começava e aumentar sua velocidade exponencialmente, fazendo com que a curadoria musical se deslocasse para os blogs independentes com resenhas e discussões. Em ambos os cenários, a música chegava formatada para um tipo de consumo, seja ele atravessado por um viés político no caso das emissoras de TV, ou vendida por meio de uma nota das resenhas musicais. Apesar das grandes diferenças entre os meios tecnológicos, o processo de descobertas musicais acaba passando por uma espécie de filtro no qual são ressaltadas certas características para atingir o público de forma mais eficiente.

Por vezes esquecido como meio de consumo musical, os videogames também possuem uma grande parcela de participação na formação do gosto musical de seus jogadores. O jogo digital é uma experiência multissensorial e, da mesma forma que a programação da TV ou blogs musicais, ele traz um filtro (em maior ou menor nível) sobre a música de uma época, a partir das suas respectivas trilhas sonoras. Mas para além de jogos como Tony Hawk ‘s Pro Skater 2 ou Apocalypse (Jogo de PS1 estrelado por Bruce Willis), que possuíam uma trilha composta exclusivamente por músicas de outros artistas, o vídeo game também filtrava a estética sonora da época. Talvez não tanto nos primeiros consoles – virada dos 70 para os 1980.

Mas, a partir dos 1990, quando a tecnologia e velocidade de processamento permitiu que os desenvolvedores se interessassem por músicas de maior resolução e qualidade sonora dentro dos jogos, a coisa mudou. Não se tratava mais de tentar simular melodias e arranjos da época e transpô-los em formato digital – agora era possível mostrar músicas idênticas ao que existia fora do mundo digital. E, nesse cenário, a música eletrônica parece ter encontrado um dos meios mais propícios para a sua propagação. Entretanto, quando pensamos no consumo de música eletrônica, outros veículos costumam ser mais reconhecidos como “centros de distribuição em massa” do que os consoles daquela década. Se analisarmos a fundo, o videogame é um dos principais responsáveis pela disseminação estética da música eletrônica nos anos 1990.

A realidade é que os videogames e a música eletrônica caminham juntos desde que os primeiros consoles e equipamentos de arcade foram projetados – um dos exemplos mais clássicos dessa interação é a simples e eficaz trilha de Space Invaders. Entretanto, a década de 1990 parece ter juntado diferentes elementos propícios para que essa relação florescesse. Um deles diz respeito à relação entre música eletrônica e audiovisual. Ambos acompanhavam um boom da tecnologia e processos digitais, ampliando as possibilidades de composições tão limitadas em outra época. A possibilidade de manipular um sinal de som ou vídeo dava ao compositor um leque de opções infinitas para criar estéticas sonoras para diferentes universos – e isso vai direto de encontro à perspectiva criativa dos videogames. Como os jogos lidavam com mundos virtuais, a música eletrônica trazia para eles uma linguagem rica e que poderia se adequar a qualquer necessidade destes mundos fantásticos. Rapidamente, os consoles da década de 1990 (PlayStation 1, Nintendo 64, Dreamcast) e seus jogos se tornaram quase que um laboratório que experimentava diferentes propostas da música eletrônica.

Além do aspecto tecnológico-criativo, os consoles propiciavam à música eletrônica uma relação diferente com o seu ouvinte. O jogador, diferente do telespectador, tem um papel ativo no decorrer do jogo, portanto há imersão e responsabilidade pelas ações. Essa intensidade era totalmente beneficiada pela música eletrônica. Por exemplo, a desenvolvedora Squaresoft (hoje, Square Enix) logo entendeu o poder de imersão da música e fez disso quase que uma marca registrada de seu estilo de jogo. Jogos como Parasite Eve, Dino Crisis e Final Fantasy são exemplos clássicos de como músicas de batalha eram responsáveis por deixar jogadores nervosos, sabendo do que vinha por aí. Ou até mesmo, se sentirem mais calmos quando chegavam a uma área segura e a trilha mudava para algo mais brando. A versatilidade da música eletrônica e sua variedade infinita de subgêneros cumpria exatamente esse propósito. A partir de uma linguagem que acompanhava techno, house, ambient, drum n bass e jungle, o jogador não apenas estava apenas criando uma experiência imersiva dentro do digital, mas refletindo o mundo “real” e todas as suas tendências musicais.

Uma das maiores provas disso é o curioso movimento dos discos de remix de trilha sonora de jogos. Por exemplo: o jogo de luta Tekken 3, desenvolvido pela Bandai, rapidamente se tornou um dos mais populares da década e um elemento bastante elogiado foi a trilha, de flertes com rave, acid, UK garage entre outros gêneros. O sucesso foi tanto que foram lançados posteriormente edições especiais, com remixes de produtores japoneses que viram naquelas trilhas um potencial para produzir para a crescente cena de festas e raves. O resultado foi o disco Tekken 3: Techno Maniax (1998, Pony Canyon), uma joia obscura para os colecionadores, mas que para nossa sorte está disponível no YouTube.

Diferentes estilos da música eletrônica inspiraram diferentes universos audiovisuais nesses jogos. Mesmo a ambient e lounge music, gêneros tão brandos e atmosféricos, encontraram nos RPGs japoneses, o cenário perfeito para poder expressar seus conceitos de música generativa. Em especial, alguns títulos de jogos como Final Fantasy e Resident Evil usavam essa suavidade em momentos em que o jogador podia se sentir seguro – os famosos Save Points. Já jogos de corrida, como Wave Racer, F1 Pole Position 64 e Ridge Racer se beneficiam da agilidade das batidas de drum n bass e jungle, sincronizando a velocidade dos veículos com os recortes agressivos dessas batidas.

Os vídeogames podem não ser uma mídia tão conhecida para descobrir músicas novas, mas talvez por isso eles sejam uma das mais preciosas quando o assunto é pintar um imaginário sonoro dentro do ouvinte. Em outras palavras, justamente por não serem formas de se consumir música de forma ativa e direta é que os videogames conseguem nos fisgar tanto pela música – e, posteriormente, fazer disso uma base para novas expressões musicais. Uma espécie de fantasma que marca sua presença no imaginário coletivo digital de maneira discreta e potente.

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Autor:

Produtor, pesquisador musical e entusiasta de um bom lounge chique