Abram os caminhos para a FENDA

Formada por Laura Sette, Mayí, Iza Sabino, Paige e DJ Kingdom, a girl gang mineira está pronta para decolar

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Fotos: Danilo Silva

No final do ano passado, os destinos de cinco artistas promissoras da cena musical de Belo Horizonte se cruzaram para a importante missão de abrir um show de Criolo. Com um detalhe: elas nunca haviam trabalhado juntas. A apresentação era uma oportunidade única demais para se deixar de lado, então Laura Sette, Mayí, Iza Sabino, Paige e DJ Kingdom se uniram para trabalhar no show e produzir um single.

Na ocasião, lançaram “Não Se Ofenda”, com produção do beatmaker Coyote Beatz, colaborador frequente de nomes locais como Djonga, Hot e Oreia e FBC. A recepção do single e da nova girl gang foi um sucesso, e deu fôlego para as artistas continuarem o grupo em paralelo a suas carreiras solo. “De início, a gente não estava com essa ideia, mas nasceu tão naturalmente, ficamos tão apegadas e apaixonadas com o que rolou que decidimos continuar”, explica a rapper Iza Sabino, que, além de participar do coletivo, está se preparando para lançar o primeiro disco solo, o Glória.

Neste ano, lançaram mais três singles como FENDA: “Manda Foto de Agora”, “GIRLGANG” e “Casa das Primas”– a única track não assinada por Coyote. Até dezembro, o grupo se prepara para lançar mais músicas, e talvez até um feat com Karol Conka. A rapper curitibana já virou “prima” do quinteto, com quem dividiu palco no final de agosto, quando Karol foi até Belo Horizonte para participar de um show da FENDA no festival Sarará. O evento transmitido online está disponível no YouTube, e há até mesmo um mini doc que registra do encontro entre as artistas. No Instagram, a veterana comentou entre muitos emojis de coração: “Gente, eu sou fã de verdade. Fiquei uns dias a mais pra curtir com as meninas e foi uma delícia. Já estamos bolando um feat”.

O trabalho de Conka é referência unânime entre as cinco artistas, que, além de Rap, consomem muita música Pop, Trap, R&B e Funk. A versatilidade das influências gerou a brincadeira de que elas gostam “de Fela Kuti a Sepultura”. Além do trabalho em conjunto, individualmente possuem carreiras prolíficas, nas quais aprofundam as referências pessoais – porque o exercício coletivo é achar o que as unem. “A gente tenta juntar tudo e fazer uma coisa só, talvez essa seja a dificuldade e a facilidade”, reflete Mayí, cantora e percussionista com mais de 10 anos de carreira.

(Fotos: Iulle)

Chega mais

Antes de serem unidas pela oportunidade, conviviam nos mesmos rolês em Belo Horizonte. Por exemplo, DJ Kingdom, a mais velha do bonde com 31 anos, já era nome conhecido na cidade graças a suas festas – “Baile Room”e “Bronka” –, além de acompanhar a cantora Laura Sette nos shows. “A gente já se conhecia, já sabia da existência de cada uma. Eu e Iza já colamos mais fortemente. DJ Kingdom tinha festas bombásticas. Estudei na mesma escola que a Paige”, lembra Mayí.

Ou seja, na gíria de BH podemos falar que “todo mundo se fragava”, e segundo as próprias, todas emanam uma vibe específica, a “energia caótica”. A ligação foi tão potente que elas sabiam que precisavam explorar as possibilidades da FENDA, como a cantora Paige explica: “Acho legal nos tratar como mob, porque a gente costuma rotular como grupo de Rap, mas somos mais uma mob do que um grupo. A gente tem essa coisa do mesmo sangue – não de família – mas por causa da garra, do sangue nos olhos, das ideias que batem, das coisas que a gente aprende uma com a outra…”.

O clima de acolhimento, tão presente nas letras das músicas, também acontece no backstage. “A gente tem muita liberdade: damos espaço uma pra outra para ser quem a gente quer ser ou se quer se encontrar”, conta Paige sobre a dinâmica entre as artistas. Ainda sem planos para um disco cheio, estão usando o tempo fora dos palcos para criar ainda mais intimidade uma com a outra. De modo geral, tentam se encontrar para produzir as tracks, mas pode ser que alguém já chegue com uma história sobre a qual quer falar – e todas as ideias são bem-vindas.

“A gente costuma rotular como grupo de Rap, mas somos mais uma mob do que um grupo. A gente tem essa coisa do mesmo sangue – não de família – mas por causa da garra, do sangue nos olhos, das ideias que batem, das coisas que a gente aprende uma com a outra”

Os versos da FENDA falam sobre a vida das jovens artistas, com altas doses de “pussy power”. Para Mayí, o importante é passar a mensagem adiante: “Levar informação do feminino pro feminino. A maioria das mulheres não tem espaço em lugares que a maior parte dos homens tem. A maioria é ocupada pelo masculino, então a gente quer falar o que qualquer mulher com informação quer dizer, além de levar isso para outras minas. Esse é o fator de empoderar: informar independente do assunto, seja de cabelo, autoestima, sobrevivência, any coisas”.

Cena em ebulição

Na última década, Belo Horizonte vem exportando em peso a sua música local para o resto do país. Seja nos versos do Djonga ou do Sidoka, ou no Pop ensolarado do Rosa Neon, há uma pluralidade de sons e de talentos surgindo e rolando no por lá. Inclusive, existem parcerias entre algumas FENDA com os rappers e, se a gente focar no recorte das mulheres no Hip Hop, mais vozes estão sendo ouvidas.

“Tem muito mais minas em ascensão do que antigamente. Das antigas, não tinha tanta visibilidade, tinha representatividade, mas existiam barreiras”, pondera Mayí. Nos últimos anos, impulsionadas pelo clima político e pelas redes sociais, essas novas artistas conseguem encontrar o seus respectivos públicos na internet, tornando possível assim uma carreira musical.

Antes da FENDA, a estreia da Paige rolou com o single “Afronte”, lançado em março de 2019, e, nos meses seguintes, ela soltou EP Babygirl, além das ótimas “Uma Dica” e “Brasil”. E para a cantora, a dominação feminina está apenas começando: “Há três anos não tinha mina em ascensão. A FENDA ainda vai abrir muitas portas para as minas que estão começando – vai ter mina sendo ouvida, ficando famosa e trabalhando”.

"Levar informação do feminino pro feminino. A maioria das mulheres não tem espaço em lugares que a maior parte dos homens tem. A maioria é ocupada pelo masculino, então a gente quer falar o que qualquer mulher com informação quer dizer, além de levar isso para outras minas. Esse é o fator de empoderar: informar independente do assunto, seja de cabelo, autoestima, sobrevivência" (Foto: Bruna Brandão)

Chanceladas por referências atuais do Rap nacional, elas também encontram refúgio no público, que acompanha o desenvolvimento do quinteto desde o início. “A FENDA se transformou em uma imagem muito representativa pras minas e monas. Até os rapazes passaram a respeitar, a ter mais visão”, diz Iza Sabino. Em menos de um ano de projeto e sem nem mesmo um álbum cheio, os quatro singles evidenciam o poder de cinco jovens vozes.

O cenário sem shows até assustou, mas a espera vem sendo proveitosa. Com uma porção de singles solo no currículo, além do EP C.A.C (2019), Laura Sette está confiante: “Teve dois lados. Da mesma forma que atrasou a nossa decolada, nos deu tempo para produzir. De ficar mais recolhida, para dentro de nós, isso foi de certa forma a melhor parte de tudo – conseguir trabalhar mais na música e nos aprofundar na criação”.

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ARTISTA: FENDA

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