Bad_Mix em nova rota

“Foi libertador fazer um disco que não tem muito a ver com o que venho produzindo”; Samuel Malbon destrincha o EP “ROTAS VIVAS”, seu primeiro lançamento pelo selo 40% Foda/Maneiríssimo

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Fotos: Thais Junqueira

Apesar de ter nascido em Londres, Samuel Malbon, com apenas um ano de idade, mudou-se para o Brasil, onde criou raízes e construiu relações fortes. “Foi aqui que eu cresci e me sinto muito mais brasileiro do que inglês. Tenho saudades do meu pai e um apego gigante por Caraguatatuba”. O DJ e produtor de 32 anos é um dos fundadores dos projetos Caldo e OBRA e faz música desde a adolescência – mas foi apenas aos 25 que ele imergiu de vez no mundo do Ableton Live. “Fiquei fascinado pela música eletrônica, subgêneros, a história e o jeito de escutar música a noite inteira. Era totalmente diferente de um show. Foi o momento que percebi que eu podia fazer faixas e discos sem marcar horário com ninguém”, lembra.

A história e o nome do projeto Bad_Mix surgiram a partir do título que Samuel colocava em suas tracks no início da carreira: “(bad_mix = escutar de fone)” funcionava como uma espécie de mea culpa de antemão. “Um dia resolvi assumir nome e deixar o meu processo de evolução como produtor aberto para as pessoas ouvirem. Hoje eu gosto do resultado do que eu faço, mas, com certeza, é uma crítica de como a música eletrônica pasteurizada pode soar”.

Mesmo sendo apaixonado por música brasileira e Jazz, foi pelo House e o Electro que o produtor trilhou seu caminho artístico. “Esses dois gêneros carregam um peso histórico gigante. Todo o movimento de Detroit e as profundezas do oceano estão presentes em suas células”.

Curiosamente, ROTAS VIVAS (2020) é um disco construído de uma maneira diferente da que Bad_Mix costuma desenvolver. A ideia, a princípio, era fazer um EP de Drum & Bass com um baterista, ao invés de usar computador e o Amen Break e suas variações. Mas foi aí que as coisas mudaram e seu amigo de longa data, Leonardo Marques, entrou na história. Samuel e “o baterista impressionante com técnica, bom humor e generosidade”, como ele mesmo o descreve, se reuniram em estúdio, começaram a produzir e perceberam que não era um disco, necessariamente, de música eletrônica. “Ao voltar para casa, fiquei uma semana dedicado a composição das faixas e o EP estava pronto. Por mais tenha um clima de Jazz, música brasileira, ou sei lá o quê, percebo um pouco da influência do Drum & Bass alí no meio.”

ROTAS VIVAS foi lançado hoje, 27 de novembro, pelo selo carioca 40% Foda/Maneiríssimo. Aqui, você confere uma entrevista com o produtor destrinchando o processo e o repertório do projeto.

 “FIM DA SAUDADE”

Essa foi a primeira faixa que produzi. Ainda estava entendendo como seria o workflow de editar as baterias gravadas em estúdio, quais instrumentos eu iria usar… Foi nela em que decidi que o disco inteiro teria os seguintes ingredientes: bateria, guitarra, contrabaixo, piano elétrico e um sintetizador JU-06. No estúdio, já tinha surgido a ideia que esse disco soasse como uma banda gravada ao vivo. Demorei três dias para compor e produzir essa faixa.

“SONHO BOBO” e “MORRER NO TEMPO”

Elas aconteceram de maneira mais espontânea. De repente, em um dia tinha as duas faixas prontas. Eram dias muito quentes. Sinto que elas são ótimas para derreter no sofá.

“BYE BYE SÃO PAULO”

A quarta música dialoga mais com a ideia de pista. Organizei o material e joguei para dentro da minha MPC – que aliás eu amo, que instrumento lindo.

“ÁGUA VIVA”

Essa faixa foi produzida por último e gravada apenas com o sintetizador JU-06. Consegui tirar um timbre que lembra ondas e saiu essa cara mais “aquática”.

Como surgiu a ideia dos nomes das tracks? E do EP?

Misturei nomes de faixas de um songbook de Bossa Nova que tenho em casa e alguns nomes que eu curto. Por exemplo: “Chega de Saudade”. de Tom Jobim [e Vinicius de Moraes], e “Fim da Cidade”, do Rodrigo Campos. Tem um pouco de ironia nessas escolhas, mas talvez só eu saiba disso.

Qual é a sua faixa favorita do EP?

Acredito que seja “Morrer no Tempo”, não sei bem por quê

Quais gêneros distantes da música eletrônica também te influenciam?

Amo Jazz, Samba e música latina. Tenho também uma relação forte com trilha sonora e Sound Design.

“No começo da pandemia, eu lancei um disco que se chama Collective Impossibility e agora o Rotas Vivas. Impossibilidades e possibilidades são sentimentos que grudaram em mim nesse ano estranho”

INFLUÊNCIAS EM CINCO DISCOS

Esses discos passearam pela minha vida na época de produção e me influenciaram não muito pela sonoridade, mas, sim, em como eles falam sobre o Brasil. Como esses compositores estavam conscientes de onde fisicamente eles estavam no mundo. ROTAS VIVAS só aconteceu porque eu encontrei em um armário esquecido na casa da minha mãe a coleção de LPS de música brasileira do meu pai. Era uma semana muito quente… acho que isso influenciou também.

Photek – Modus Operandi (“É o meu disco de Drum and Bass predileto”)

The Pharcyde – labcabincalifornia

Gilson Peranzzetta – Paisagem Brasileira

Tamba Trio – Tamba Trio

Edu Lobo – Missa Breve

Se você pudesse realizar um desejo artístico, qual seria?

Essa é uma pergunta difícil… talvez ter feito a trilha sonora do filme Central do Brasil.

Este é o primeiro lançamento pelo o selo 40% Foda/Maneiríssimo? Como surgiu essa relação?

Há dois anos, o Guerrinha falou comigo sobre um lançamento que eu tinha feito pelo selo Yellow Island. A partir daí ele abriu as portas do selo para mim. Eu sempre escutei o 40%…, adoro, então foi um convite muito legal. O agradeci, mas eu só podia responder de uma maneira: “Quando sair algo que tenha a ver com o selo, eu te mando”. Não queria produzir um disco pensando no selo, não funciono muito bem assim. Quando eu percebi que tinha produzido o ROTAS VIVAS, resolvi mandar para ele ouvir. O retorno que ele deu foi muito massa e eu fiquei feliz da vida em lançar esse disco com eles.

A Caldo é um projeto (lindo) independente, que exalta a importância das festas gratuitas nas ruas. Qual o maior desafio de mantê-lo de pé diante as burocracias e as outras dificuldades? E agora com a pandemia?

A Caldo é sem dúvidas uma queridinha. É um projeto que existe há aproximadamente quatro anos, então já passamos por algumas fases (boas e estranhas). No quesito burocracia, durante um período existia um diálogo com a prefeitura e era possível conseguir as autorizações necessárias para realizar os eventos na rua. Depois, isso foi ficando mais difícil, o cenário político se mostrou menos aberto a esse tipo de atividade. Talvez a maior dificuldade sempre foi como fazer dar certo de uma maneira segura e com o mínimo de retorno financeiro possível para poder fazer a próxima edição. Não é um projeto de eventos que faz grana.

Contamos nessa trajetória com o apoio do público, equipes de segurança, equipes de bar e de muitos artistas incríveis que foram extremamente generosos conosco, sem eles não teria rolado. Desde o começo da pandemia manter esse projeto vivo ficou cada vez mais complicado. O que sempre nos alimentou era estar na rua, e ter que se adaptar ao mundo virtual não é fácil, então passamos longos meses offline. Agora, no dia 6 de dezembro, vamos fazer nosso primeiro evento online. Estamos gratos por conseguir reunir sete coletivos espalhados pelo Brasil para participar. É um momento em que estamos lutando para seguirmos vivos, mas estamos fazendo com muito carinho.

Você sentiu a pressão de ser criativo durante esse período de pandemia?

Eu produzi bastante, gravei muitas faixas, mas sem o contexto de festas acontecendo. Produzir música de pista me passava a seguinte imagem: alguém sozinho chutando uma bola na parede e torcendo para que isso virasse um jogo de futebol. Foi libertador fazer um disco que não tem muito a ver com as coisas que venho produzindo. Senti um pouco essa pressão de ser criativo no começo do ano, mas aos poucos fui deixando ela de lado… essa cobrança foi para outros âmbitos da minha vida. Estão sendo longos meses de incerteza.

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