Barra por Barra: altos e baixos do agitadíssimo janeiro de 2023 no rap nacional

O que podemos esperar do gênero nesse ano a partir de um prensadão do primeiro mês

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Fotos: Mariana Poppovic (design)

 

Barra por Barra é o espaço no qual o João aparece por aqui às sextas-feiras para falar de hip hop e de tantas outras coisas que vêm junto com a (enganosamente simples e definitivamente sedutora) ideia de “falar de hip hop”. Ritmo, poesia e opinião – com o João.

 

 

Rio de Janeiro, 72 de Janeiro de 2023, 8 horas da manhã.

Aqui estou mais um dia, sem saber se ainda resta dinheiro na minha conta bancária e com a desafiadora missão de comentar o que rolou no rap brasileiro nesse infindável mês de janeiro.

Speedflow no Luciano Huck

No fim do ano passado, a rapper norte-mineira Moanah viralizou com uma reportagem no MGTV que noticiava a sua entrada para o Guinness Book como a rapper mais rápida em língua portuguesa. O speed flow da gata impressionou tanto que a levou a uma apresentação ao vivo no Domingão do Huck, na Globo. Você se lembra quando foi a última vez que você viu um rapper se apresentando na Globo? Eu também não.

A apresentação de Moanah foi hilária, definitivamente, mas também é importante pensar o que isso significa pro rap. A equipe da Globo a escolheu a dedo, sabendo do potencial de meme. Para os pais de um menino que tá começando a gostar de rap, a mensagem que fica é de que o gênero é música ruim, tosca, malfeita. Isso sem falar em caras dentro do hip hop usando a apresentação da garota para justificar a ideia machista de que mulheres não sabem rimar. Por outro lado, nas redes sociais, uma galera começou a citar artistas brasileiros que fazem a técnica melhor do que Moanah. O meu ponto é: chega de speedflow em 2023!  Até Twista, um dos pioneiros da técnica, já superou e tenta se afastar da ideia que funcionou apenas em um período muito específico dos anos 1990. JAY Z, que se inspirou em caras como Twista e Fushnicks, logo parou de imitar a técnica porque teve o vislumbre do quão constrangedor e datado isso é.

Caso você queira se aprofundar, a música de Moanah se chama “Rap Queen” e mostra que os danos que Eminem provocou a música rap seguem irreparáveis. Talvez ela estivesse competindo com o leitor mais rápido do mundo.

Dois remixes de Big Poppa

Com a crescente onda de rappers com discurso repleto de irresponsabilidade emocional, demorou até que um herói aparecesse para combater esse mal. E este herói é Lil Vinicinho, com “Casado”, remix do clássico de Notorious B.I.G.

Outra pessoa que remixou Biggie foi a também carioca Slipmami. Após alguns singles de gravação caseira, a rapper chamou a atenção da Heavy Sounds, produtora responsável pelo Heavy Baile e que está por trás do lançamento de seu disco de estreia, Malvatrem, que saiu nesta sexta-feira. Ousada e divertidamente vulgar, a personalidade de Slipmami, penso eu, poderia ser realçada em batidas de hyper pop ou drum n’ bass/jungle de Sophie ou Pinkpanthress respectivamente, ou até mesmo em produções de Carlos do Complexo, no lugar do trap/funk com EDM do Heavy Baile. No entanto, é impossível não se sentir compelido a conferir o disco de uma jovem garota negra que rima que é exigente como Arnaldo Sacomani.

Danike – Nego das Ruas

Um dos primeiros raps que eu ouvi na minha vida foi “Eu Queria Mudar”, dos Pacificadores, grupo de Brasília. Quase 20 anos depois, a música ganhou uma espécie de homenagem por meio de Danike, com a música “Nego das Ruas”. A diferença é que enquanto Danike diz que queria traficar, a música d’Os Pacificadores começa com o verso de um moleque menor de idade que deixa bem claro que não consegue sair dessa vida. “Muitas vezes minha mãe me chamou de capeta, eu sou o tipo de cara que não vive sem treta”.

eRIK RK –  COROA BOLSONARISTA (FREESTYLE)

Na estreia desta coluna, conversamos sobre o quão bizarro e hilário tem sido acompanhar a importação do Detroit pro Brasil. Alguns dias depois do ato de terrorismo bolsonarista na praça dos Três Poderes, o rapper Erik RK lançou o freestyle “Coroa Bolsonarista”. Sampleando “O Guarani”, a antiga vinheta do programa Voz do Brasil, o rapper mineiro dropa dois minutos de incessantes e burlescas punchlines em que narra sua relação sexual com uma senhora bolsonarista da terceira idade. Um dos melhores Detroits já lançados em língua portuguesa.

Segue uma seleção das melhores rimas:

“Quer tentar virar meu voto sempre que a gente transa

Ela diz que não é racista, ela bafora o black lança”

“Ela é empreendedora, gosta de abrir o negócio

Me chama de animal, é dona de agronegócio”

“Safada conservadora defende a família

Diz que quer me pôr no esquema, quer me dar a rachadinha”.

 – Ouça (e assista) aqui.

Os paralelos entre Lula e 50 Cent

Ainda sobre os acontecimentos pós-posse do presidente Lula: a fotojornalista Gabriela Biló fez uma foto com dupla exposição, sobrepondo uma imagem de vidros quebrados do Palácio do Planalto com outra de Lula ajeitando sua gravata com um leve sorriso, em um discurso muitos dias depois ao acontecimento. Capa da Folha de São Paulo, a imagem repercutiu e gerou diversos debates sobre ética no fotojornalismo, semiótica, mulheres no fotojornalismo, etc. Caso queira se aprofundar no tema, recomendamos o vídeo do professor de fotografia Gabriel Cabral. Mas, aqui, o melhor disso tudo foi o paralelo entre Lula e 50 Cent. “Many Men, wish death upon me…” Vire presidente três vezes ou morra tentando.

MC Smith – Proibidrill

Uma das coisas que vem acontecendo de mais positivo com o rap nacional é sua fusão com o funk. Pipocam músicas e discos que você não sabe especificar se são de um gênero ou de outro e que, graças a Deus, também não são a alucinação que foi o trapfunk. Nessa mistura, muitos MCs naturais do funk como MC Cabelinho, Poze do Rodo e Hariel têm se aventurado no rap. E também MC Smith! Relíquia do funk proibidão no Rio de Janeiro e venerado por nomes como SD9 e outros rappers da nova geração, Smith lança seu primeiro disco oficial, o Proibidrill. Não é o nome mais original, mas o trabalho conta com participações de Nochica, Puto di Paris e do próprio SD9, além de remixes de drill dos clássicos “Vida Bandida” e “Nós Fecha Nessa Porra”. Ainda não deu tempo de ouvir, mas vou lá, mesmo que de curioso.

Marcelo D2 – Povo de Fé

Mal lançado o disco do Planet Hemp, D2 já planeja outro projeto. “Povo de Fé” é o single do disco IBORU. Samba de Partido Alto, com produção conjunta de Nave, Kiko Dinucci e Mário Caldato Jr. Receita difícil de dar errado.

Parteum – A Barra de Espaço

Parteum: não promete nada e entrega tudo. Extremamente subjetivo e original, o rapper aparece uma vez no ano com um rap sem refrão que só ele faz, no Brasil e no mundo. Produz, grava, faz a rima, a foto, o vídeo – tudo de muito capricho e bom gosto. A canção anual de Parteum sempre dá uma renovada boa na minha cabeça, parece um tipo de caminhada mental através de uma métrica domada, mas ao mesmo tempo, tão quebrada quanto seu raciocínio.

 

 

Ufa! Acho que deu para falar de (quase) tudo que rolou nesse janeiro infinito. A verdade é que eu não sei o que esperar do rap brasileiro em 2023. Sinceramente, ando bem cansado e tenho ficado cada dia menos querendo dar meus pitacos. Tem sido raro me empolgar com um disco de rap nacional. Nessa coluna de janeiro, tentei dar uma passada pelas coisas que mais me divertiram e aliviaram esse sentimento de cansaço. Como diria Zeca Pagodinho: “se eu for falar de tristeza, o meu tempo não dá”. Teria que escrever um textão chato sobre uns caras que prometeram “o retorno do boom bap” e outros que rebateram com uns “boom baps” tão chatos que realmente fazem você pensar que o gênero morreu. Os dois deveriam escutar o Febre90s.

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