Barra por Barra: errei, fui moleque – essa é a última vez que boto fé no Drake

Decepções infundadas com o maior rapper do mundo, a comédia de Brocasito e mais alguns lançamentos de destaque da semana

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Barra por Barra é o espaço no qual o João aparece por aqui às sextas-feiras para falar de hip hop e de tantas outras coisas que vêm junto com a (enganosamente simples e definitivamente sedutora) ideia de “falar de hip hop”. Ritmo, poesia e opinião – com o João.

 

Errei, fui (moleque) inocente

Quando o vídeo de “8 AM in Charlotte” apareceu no Twitter há duas semanas, eu pensei que finalmente ia poder curtir um disco do Drake de novo (o que não acontece para mim desde If You’re Reading This It’s Too Late, de 2015). “5 AM in Toronto”, “4 PM in Calabasas”, “6 PM in New York”. Você sabe: o Drake da fórmula “Hora + Cidade” raramente erra. Sem refrão e apenas um longo verso, nessas músicas ele pinta cenários mentais e emocionais vívidos. Isso significa que, sim, temos também que lidar com suas breguices usuais, mas que são compensadas por linhas honestamente boas e um pouco mais de empenho lírico. Ousando comparar: são como a série “The Heart”, de Kendrick Lamar.

O que me empolgou foi que, para 8 AM in Charlotte”, single de For All The Dogs (2023), Drake escolheu uma batida de Conductor Williams que, junto da Griselda, e de artistas como Roc Marciano e The Alchemist, têm colaborado na popularização de beats fortemente apoiados em apenas um loop de sample, muitas vezes até sem baterias eletrônicas.

Acho que fui inocente em acreditar que a escolha pelo produtor indicaria um álbum diferente e coeso: Drake continua lançando insossas playlists, essa de quase 1h30 de duração. For All The Dogs perde em foco, lapidação de conceito e, principalmente, maturidade. Admiro quem consegue ouvir um homem de 36 anos abordar os mesmos assuntos de 13 anos atrás, quando iniciou a carreira, como se vivesse num High School. Ensino Médio não, High School. Escutando o que ele rima, pelo visto nem ele se diverte mais com essa vida.

De qualquer maneira, foi massa me empolgar com “8 AM in Charlotte”, e tô torcendo para que essa decisão do Drake influencie rappers brasileiros gigantescos como ele (guardada a devida proporção). Imagine nosso Tuêzin experimentando em loops de soul?

 

Lord Apex ft Freddie Gibbs: ‘Phoenix’

Falando sobre loops de sample hipnóticos e comoventes, aqui temos um dos lançamentos de destaque da última semana. A união entre o prolífico rapper britânico e Gangsta Gibbs é aquele tipo de parceria que você não imaginaria que precisava até acontecer. Juntos eles soam como sobrinho e tio conversando no final de um churrasco de família: Apex está em casa e o verso de Freddie lembra os momentos mais relaxados de Alfredo.

Melhores momentos nos clipes de Brocasito

Se dependesse de Brocasito, as 24 horas do dia seriam a hora de escutar um plug. A interpretação leniente do rapper baiano carrega uma espécie de despretensão cômica que se funde perfeitamente às batidas lisérgicas do gênero, criando uma experiência de audição quase sedativa, mesmo quando o rapper rima coisas como “38 é meu xará, P90 é minha amiga/ Tenta com a .30 você vai voltar sem vida”.

Outra coisa sobre Brocasito é: ele é viciado em Scarface. No clipe de “Scarsito”, o rapper se veste de Tony Montana e, enquanto canta “eu vou morder seu bico do peito e no outro dia vou te esquecer” ele recusa um prato de arroz e farofa, virando a comida em cima do garçom que o servia, em um momento absolutamente hilário. Broca, você odeia comida brasileira, meu mano? Eu não me lembro dessa cena em Scarface.

Aqui vão alguns momentos brilhantes nos clipes do Rei do Plug brasileiro.

A linguagem corporal igual do Manoel Gomes em “MIAMI”

Fazendo poses de trap na sessão infantil da C&A enquanto sua companheira faz o enxoval de bebê

Brocasito dançando com uma mulher como se o tutorial “Como chegar numa mina na balada”, do Dançarino Fly, fosse feito para jovens acometidos por escoliose

San Jesus – Experimental Vol. 1

Eu admito: o sample de “Robbers” de, Koopsta Knicca, no primeiro segundo da faixa que abre esse trabalho foi a isca perfeita para que eu continuasse até o final — e valeu a pena. A voz granulada de San Jesus carrega uma vulgaridade que derrama em um sotaque explicitamente carioca, e a autenticidade é cativante. Tipo, quando foi que você ouviu sobre Lygia Clark numa rima? Destaque também para músicas como “Alcione” e principalmente para a sombria e disruptiva “Ponto Interlúdio”.

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