Barra por Barra: Scaring The Hoes

O que significa o termo que é um meme de Twitter, o título do (enfim) disco de JPEGMAFIA & Danny Brown e tema para um bom debate sobre gostos musicais e o ‘clube do bolinha’ no rap

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Fotos: Reprodução ("Super Fly", 1972)

 

Barra por Barra é o espaço no qual o João aparece por aqui às sextas-feiras para falar de hip hop e de tantas outras coisas que vêm junto com a (enganosamente simples e definitivamente sedutora) ideia de “falar de hip hop”. Ritmo, poesia e opinião – com o João.

 

 

JPEGMAFIA e Danny Brown anunciam o disco Scaring The Hoes

Após quase um ano promovendo o projeto online, a dupla anunciou o lançamento de Scaring The Hoes (2023) para sexta que vem, dia 24 de Março. Com 14 faixas e participação do prodígio redveil, o disco tem como single principal a sua primeira música “Lean Beef Patty” em homenagem a influencer fitness e muscle mommy mais famosa da internet nos últimos anos.

Confesso que “Lean Beef Patty” não foi tão empolgante — uma música curta, sem uma ideia decidida, Danny aparece muito no finalzinho como se fosse uma participação e com uma mixagem que o esconde ainda mais (JPEGMAFIA, produtor da faixa, se pronunciou dizendo que foi um erro que será corrigido). No entanto, a dupla é responsável por diversos dos melhores e mais disruptivos projetos de rap da última década, motivo suficiente para jogar a expectativa pelo disco lá no alto, ainda que sempre existam os desafios naturais de um disco colaborativo.

De primeira, o título do trabalho me tirou boas risadas. Para aqueles que não são “cronicamente online”, “Scaring The Hoes” é um meme surgido no Twitter, em que um parceiro aconselha outro a parar de fazer algo que repele as mulheres, geralmente num tom sério (Ex.: “pare de ser passivo-agressivo e não comunicar suas necessidades, você está assustando as mulheres”). Posteriormente o meme foi adotado como forma de definir músicas que, teoricamente, espantam mulheres. Segundo a jornalista Amanda Cavalcanti, o termo “scaring the hoes” não necessariamente infere gênero: “É o som que você ouve que a galera fica meio ‘nossa, que esquisitice'”. É aquele tipo de som que bate errado se você coloca para tocar numa festa em que o pessoal tava só de boa, curtindo a playlist Top 50 do Spotify.

Para mim, a adoção do termo como título do projeto colaborativo de Danny Brown e JPEGMAFIA mata dois coelhos numa cajadada só: antecipa o tipo de música que podemos esperar e também faz piada consigo mesmo; não se leva tão a sério e derruba essa noção prepotente que muitas vezes vem de quem faz ou ouve esse tipo de música disruptiva que você geralmente não mostraria para uma mina num primeiro date. Entretanto, várias mulheres que eu conheço curtem muito o som de ambos. Então fui trocar uma ideia com elas sobre os assuntos que rodeiam a Scaring The Hoes Music.

Amanda Cavalcanti, 26, jornalista musical

“Eu acho que o tipo de som pelo qual eu me sentiria assustada é o cara que ouve já tendo uma pose [só] por ouvir isso. Não é a banda ou a música em si, é mais a bagagem que aquele tipo de som que o cara ouve implica. Isso pode ter vários sentidos: bandas que tem subtons abertamente machistas como Weezer, por exemplo. Ou podem ser músicas que nem tem essa conotação, mas que são coisas de um círculo de caras bem fechadão em si mesmo, como umu do 4chan ou Anthony Fantano — que é um cara que eu gosto muito, mas eu sei que o público dele tem esse viés. Umas paradas como Death Grips, o próprio JPEGMAFIA. Grupos de homens que são bem ensimesmados. Paradas que são pensadas [como se fossem] muito complexas tipo “ah, nem todo mundo entende isso”, sabe? Às vezes isso vem com uma conotação um pouco machista. O termo “scaring the hoes” não necessariamente infere gênero, podem não ser necessariamente mulheres, pode ser qualquer pessoa pela qual você tenha uma atração sexual, afetiva, romântica. Ou sei lá, uma parada que às vezes os caras não gostariam, tipo, Ariana Grande. O cara fica ‘caraca, essa mina deve ser muito sensível, carente’.”

Favorita do JPEGMAFIA: “1539 N. Calvert” / Favorita do Danny Brown: “Lost”

Eve, 24, Designer

“Se você pegar os últimos projetos dos caras, percebe muita expansão e estruturas saturadas, principalmente o JPEGMAFIA no Veteran, por exemplo. Ele é uma pessoa que gosta de experimentar bastante nas músicas e isso realmente pode assustar as pessoas que não estão “acostumadas”, digamos assim; […] Eu sempre quis um disco colaborativo entre eles, expectativas extremamente altas por aqui.

Cara, é engraçado demais isso porque uma vez rolou de eu mostrar Death Grips pra um maluco e o assustado foi ele. Foi algo totalmente aleatório, mostrei mais pra ver a reação já que ele não é uma pessoa que gosta muito de barulhos. Acho que ele pensou que eu curto mais pelo meme, que eu estava tirando uma com ele, sei lá (risos).

Muito difícil essa de escolher uma música favorita dos caras, mas vamos lá: do JPEGMAFIA, vou de ‘Baby, I’m Bledding’; sou viciada na linha ‘chains on my body, looking like a rapper / acting like a slave when I’m gunning for my masters, n****’

Do Danny, piorou! Danny Brown reina absoluto. Seria mais fácil se fosse um álbum… Inclusive, gosto muito do XXX e Atrocity Exhibition, mas vou escolher a ‘Pac Blood’, do XXX. No geral, gosto muito de como ele se esforça para ser sujo nas letras.”

Amanda Jungles, 28, desenvolvedora e designer

“Música de Assustar Mulher para mim seria aquele assunto espontâneo que deixa todo mundo estranhado ao ouvir, algo que você não espera vindo da pessoa. Uma boa fuga do 808s tradicional, letras que beiram o absurdo, mas ao mesmo tempo são engraçadas (ou não), algo mais puxado do rap experimental. O termo em si é hilário, me divirto com todo desdobramento do meme. Só acho que perde o sentido fácil quando não está em contexto de piada, que nesse caso é bem subjetivo”.

Você já teve alguma experiência em que foi percebida como um ser raro por ouvir (também) esse tipo de música?

“Acho que é uma experiência que todas as mulheres que escutam mais hip hop já passaram. Querendo ou não, o gênero ainda passa pelo terrível crivo do Clube do Bolinha e toda a competição de conhecimento que vem dentro dele. Talvez o que role por aqui é essa competição invisível e de ser vista como alguém que está ‘querendo impressionar x’ mais do que curtindo como qualquer outra pessoa”.

Favorita do JPEGMAFIA: “Thug Tears” / Favorita do Danny Brown: “Dip”

Caso você ainda não conheça o som dos dois, ou simplesmente queira testar o quão assustado (ou assustador) você anda, aqui vão 5 sons da dupla:

“Lean Beef Patty”

“Burfict!” [Unreleased]

“3 Wordz” (prod. JPEGMAFIA)

“Hazard Duty Pay”

"It Ain't Funny”

MC Marechal e Cabal fizeram as pazes

A treta entre Cabal (aquele, de ‘Hey, Senhorita’) e MC Marechal é a melhor do rap nacional. Primeiro temos os motivos: Cabal se posicionava como um cara que queria a popularização do hip hop, defendendo o que se chamava de “som de festa”, fazer dinheiro com a música e aparecer na TV. MC Marechal, por outro lado, reforçava a necessidade do hip hop se manter mais próximo às raízes (o que quer que isso signifique). Uma coisa meio Magneto x Dr. Xavier das ideia, com dos dois lados da batalha tendo suas consequências positivas e negativas. Os dois trocaram diss — as melhores do rap brasileiro, diga-se de passagem — numa treta que durou de 2006 a 2012, quando Cabal tuitou que ele e Marechal haviam se resolvido.

Quase 15 anos depois, o cenário do rap no Brasil é outro: apesar de continuar nichado, houve a popularização que Cabal buscava, e muito mais MCs conseguem viver de sua música, ainda que sejam minoria; e frentes de hip hop por todo Brasil continuam lutando de maneira independente para manter a cultura viva, ainda que longe dos holofotes. O legal da foto dos dois que foi tirada na semana passada é que, assim como vilões de Dragon Ball Z, eles são apenas formas finais de quem eram naquela época: Marechal com um boné (da própria marca) virado para trás, uma camisa lisa, bermuda e chinelo; Cabal com uma touca da Supreme combinando com uma camisa vermelha da Bape, que grita “how you doing, fellow kids?”.

(Foto: Lívia Mello)

Outra coisa divertida foi que mesmo a paz entre Cabal e MC Marechal gerou uma treta: Sant se sentiu inspirado e fez uma (sagaz e pertinente) piada selando paz com L7nnon, acusado desde o início da carreira de ser um genérico do MC apadrinhado por Marechal. O L7 não levou a brincadeira na boa, e disse que “da onde ele vem” as coisas não são esquecidas assim. A questão é que ninguém sabe de onde L7nnon vem, e territórios em disputa no Rio de Janeiro não parecem ser uma questão importante para o autor de “Desenrola, bate, joga de ladinho”, diferentemente de Sant. Uma pena também ele não ter caneta para responder o Sant num nível que Cabal e MC Marechal fizeram. Os tuítes pelo menos foram hilários (e apagados, posteriormente).

Ufa, o Dat Piff não morreu

No início desta semana, algumas notícias alarmantes começaram a se espalhar, alegando que a lendária plataforma de streaming de mixtape DatPiff havia fechado. Os usuários que visitaram o site na segunda-feira (13 de março) receberam uma página em branco ou uma mensagem de erro HTTP 404, o que significa que a página não foi encontrada. Rapidamente, fãs do site foram ao Twitter compartilhar sua tristeza em relação à situação, agradecendo ao site por seu serviço na divulgação da música por quase duas décadas.

Após a comoção, a equipe do DatPiff divulgou um comunicado esclarecendo o ocorrido.

Para a música feita na era da internet, o Dat Piff é o que provavelmente tem o arquivo mais importante dos últimos 10 a 15 anos — alguns tuiteiros o definiram como a “Biblioteca de Alexandria do rap”. Foi uma ponte entre a Blog Era e o streaming – além de um espaço para projetos que nunca verão a luz do dia nas plataformas digitais. Antes dos charts e playlists, todo artista gigante que estourou, pós-2010 principalmente (Wiz Khalifa, A$AP Rocky, Drake), esteve na primeira página de download lá. De La Soul conseguiu colocar seu trabalho no streaming, mas muitos discos tem samples pela metade, outras músicas foram removidas completamente. Ainda que o DatPiff permaneça vivo, a sua queda acende um alerta: o que acontecerá quando as plataformas digitais forem a única forma de consumir rap?

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