De ouvidos sempre atentos, Dudu Marote

De “Hip Hop Cultura de Rua” a Skank, de Adriana Calcanhoto a Emicida: uma conversa sobre mais de três décadas dedicadas à produção na música brasileira

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Fotos: Bruno Primo

São muitos os capítulos da música brasileira recente que têm mãos e ouvidos de Dudu Marote. Seu nome atravessa as últimas três décadas na produção de discos e de músicas que serão mencionados por ainda muitas gerações por conta do apuro técnico e daquela “qualidade Pop” – que te faz querer escutar uma faixa repetidas vezes. De Skank em seus maiores hits a um Emicida já imponente, passando por Pato Fu, Copacabana Club e BaianaSystem (para citar só alguns), sua trajetória espelha o desenvolvimento do mercado fonográfico ao longo do tempo.

Desde quando coproduziu o primeiro disco de Hip Hop brasileiro (Hip Hop Cultura de Rua, em 1988), Dudu segue atento aos movimentos artísticos, e também aos nomes que ainda estão aí para serem descobertos. É o caso da mineira Issa, de 17 anos, que ele descreve como “um talento maravilhoso”, com quem trabalhou no início de 2020. Segundo Dudu, os dois só não produziram mais juntos “porque a quarentena não deixou”. Falando ao Monkeybuzz por telefone, ele conta com a mesma empolgação sobre Lia Paris, Odaya e a argentina Sol Alac – artistas com quem trabalhou recentemente, que ainda não chegaram às massas – e também sobre a parceria com Adriana Calcanhoto (no trabalho ao vivo que levou a cantora a um novo patamar no mainstream, Público, de 2000) ou Paulo Miklos (em seu primeiro disco solo – Vou Ser Feliz e Já Volto, de 2001).

Dudu explica que parte do que mais o motiva trabalhar é o “momento mágico quando o artista nasce”. “Ele chega a um lugar que nem sabe que poderia”, conta o produtor. “E isso não é só com os mais novos, acontece na maturidade também, porque você vai descobrindo outras coisas. Você dá a uma pessoa uma situação em que ela fale ‘eu sou isso’ e, durante o processo, o artista nasce. É incrível, um momento tão mágico que eu preciso falar ‘vamos parar um pouco e respirar’, para deixar a felicidade passar um pouco e conseguirmos ter um olhar crítico. É um nascimento, eu sou quase uma doula (risos)”.

“Estamos diante de uma geração muito boa”, comenta Dudu, “como ela teve muito acesso a todas as informações possíveis, as pessoas estão vindo muito mais completas. Meu trabalho passa a ser mais de mentoria, ajudar a encontrar o caminho. É uma frase meio besta, mas é entender que o objetivo é muito importante, mas o caminho é mais ainda. Não se tem bons objetivos sem a beleza dos caminhos que você percorre todo dia. Isso é importante porque eles podem ter uma carreira ativa muito bem por ainda muitos anos. Emicida me ensinou um pouco isso sem falar nada, sobre trabalhar sempre pelo de cada dia para que esse caminho se estenda por 50 ou 60 anos, no mínimo”.

É interessante notar como ele mesmo percebe a passagem do tempo depois de mais de três décadas em atividade e como as transformações nunca terminam. Por exemplo: anos antes de ser um dos grandes fomentadores da música Eletrônica brasileira, em meio àquela cena na virada do milênio, Dudu acompanhou a estruturação de um espaço no mainstream para um som que conseguia atingir os milhões de ouvintes com um espírito alternativo – caso de Planet Hemp, Chico Science e Nação Zumbi e, é claro, seu trabalho com aquele Skank de “Jackie Tequila” e “Garota Nacional”.

“Nosso comportamento já foi o de sentar ao lado de um aparelho e admirar aquela música sem imagem, no máximo com a capa do vinil. Depois, o clipe começou a ter vida própria e hoje, na Internet, a música não precisa mais tanto da imagem do artista. Ela volta a ser um pouco o que ela antes. Isso começa a fazer com que as músicas tenham seus próprios caminhos, independente da vontade do artista”

“Não peguei o Skank já mainstream”, relembra Dudu. “A banda tinha feito um pequeno álbum independente, tinha acabado de assinar com a Sony e era uma possível grande promessa. Comecei na cena mais independente, mas dei sorte de pegar bandas que eram iniciantes e logo foram absorvidas por gravadoras”. É o caso também de Pato Fu na gravadora BMG, com quem seu trabalho foi ‘viabilizar’ como uma banda que não era lá muito mainstream poderia ter um trabalho de muitos anos no mainstream”. É um cenário bastante irreal para quem trabalha com música em 2020, após crises e inevitáveis mudanças nas formas de consumo de música – as quais, é claro, demandam que os profissionais estejam sempre se reinventando

O principal aprendizado construído por Dudu ao longo desses anos é o de que “as músicas são seres vivos. Isso significa que ela é um avatar que tem uma vida própria independente do artista. Se você pensar em TikTok, a gente está na fase em que as pessoas, ao invés de só verem o clipe, colocam a própria imagem na música. Isso é um compromisso muito interessante da música com quem curte. Nosso comportamento já foi o de sentar ao lado de um aparelho e admirar aquela música sem imagem, no máximo com a capa do vinil. Depois, o clipe começou a ter vida própria e hoje, na Internet, a música não precisa mais tanto da imagem do artista. Ela volta a ser um pouco o que ela antes. Isso começa a fazer com que as músicas tenham seus próprios caminhos, independente da vontade do artista. É uma situação que muita gente ainda não está acostumada”.

A adaptabilidade está nas entrelinhas do fato de que Dudu segue hoje em plena atividade – seja produzindo gente como francisco, el hombre ou trabalhando em seu projeto autoral XAXIM ao lado do DJ Fabião Soares. Mas, além disso, ela se mostra em uma das maiores qualidades do produtor como profissional, ou mesmo como pessoa. “Tem que ser desafiador para mim”, ele responde ao ser perguntado sobre como escolhe os projetos: “Se eu não tiver que estudar para fazer a música, se for muito fácil, eu acho que o artista nem precisa de mim. Seja ele pequeno, grande ou médio, se vai ser sucesso ou underground. O importante é se eu me apaixono pelo projeto”.

E paixão é o que inegavelmente move o músico e o faz ser uma figura tão ativa na produção fonográfica do nosso tempo. “Minha relação com música é quase uma doença crônica”, brinca Dudu.“ Eu adoro o que eu faço e adoro ser desafiado. Gosto de ouvir música e falar ‘caralho, como é que foi feito isso?’”. Como ouvinte, ele é tanto “técnico” quanto entusiasmado, citando Kaytranada, Anderson .Paak, Caribou e Tame Impala como alguns de seus favoritos dos últimos anos. “Jessie Ware é interessante, uma independente semi-Pop que se aproximou mais do mainstream agora”, comenta. “E Childish Gambino eu sou fã de joelhos”. Ele conta ter ficado admirado com a mixagem de Future Nostalgia (Dua Lipa) e que está de olho no álbum que Drake lançará em breve.

Conhecer Dudu Marote é mais do que observar a história viva, é notar como sua carreira é prova do que ele diz sobre a música como um ser vivo imprevisível. “A gente trabalhava em álbum, que era o formato comercial. O faturamento vinha da venda de um pedaço de plástico que tocava música, e ele tinha que ter uma hora de música”, relembra o produtor. “Hoje, a arte se mistura com as redes e tem coisa boa sendo produzida por todos os lados”. Sua voz entusiasmada ao dizer isso carrega não só satisfação, mas a inquietude que o levará a acompanhar as próximas mudanças, ferramentas e tendências na música não só de perto, mas do lado de dentro.

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Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.