dedeco e a arqueologia sonora dos videogames

Há dois anos, o produtor e DJ mineiro iniciou um trabalho de preservação e apresentação da Video Game Music em sets e tracks que colocam memórias de infância em contato com diferentes vertentes da música eletrônica

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Fotos: Reprodução

Qual foi a primeira música que você se lembra de ter ouvido na vida? No meu caso, talvez não seja necessariamente uma música, mas um jingle: “SEEEEEGA” quando meu pai ligava o Mega Drive para jogarmos Sonic the Hedgehog. A trilha do menu inicial e o sons daquele jogo ficaram permanentemente na minha memória – e o mesmo, a partir de uma infinidade de jogos, aconteceu com milhões de crianças. Como dedeco, produtor musical e DJ mineiro.

“Foi a trilha sonora do Bomberman Hero e do Buck Bumble, dois jogos do Nintendo 64 que trazem o drum n bass e o jungle”, lembra. Frenéticos, são dois estilos musicais que, além de abrirem um universo de possibilidades sonoras em uma criança, foram ideais para que o jogador não largasse o controle e permanecesse vidrado no televisor de tubo. Este universo, mais tarde, serviria de inspiração para a produção autoral de dedeco e também para um projetos dos mais interessantes no YouTube, o canal dedeco /// VGM DJ.

No meio da pandemia, lá nos primórdios de 2021, dedeco iniciou um projeto quase arqueológico de preservação da Video Game Music, em sets tocados na controladora somente com música de videogames, explorando ritmos, gêneros e jogos. O intuito foi apresentar uma vertente da música de um nicho específico para mais pessoas.

Seus sets, em um primeiro momento, podem atrair quem está buscando ouvir os temas de Wipeout, Bomberman Hero ou Ape Escape – três programas especiais dedicados aos jogos que ele fez –, mas basta um simples scroll pelo seu canal para que se encontre uma variedade de gêneros presentes em qualquer festa de música eletrônica: house, techno, jungle, ambiente, drum n bass, jazz fusion, entre outros. Com mixagem afiada, seus sets dão outro sentido para a VGM, normalmente tão hermética e proibitiva. Uma pessoa pode se lembrar de algum game por conta da trilha, mas criar uma lista de momentos musicais semelhantes a partir de outras trilhas é complexo – especialmente já que jogar todos os jogos do mundo é impossível.

“Quero mostrar aos entusiastas da música eletrônica quão incrível é a história da dance music em trilhas sonoras de games”

Décadas de produção de games se misturam por entre um amplo leque de estilos de jogos (corrida, RPG, esportes, etc), como um fio que carrega ainda dois interessantes elementos nos vídeos de dedeco: enquanto o chroma ao fundo dá o contexto visual com recortes e loops dos jogos que ele homenageia, as legendas ministram uma verdadeira aula sobre os compositores das trilhas, além de indicarem outras obras.

Se hoje em dia é normal ouvir samples de jogos em músicas de grandes artistas do pop (a entrada do Playstation 1 em Channel Orange, de Frank Ocean, sons de socos de Street Fighter em The Life of Pablo, do Kanye West, ou a voz de Navi, a fadinha de Legend of Zelda Ocarina of Time em Azul Moderno, de Luiza Lian), isso ganhou forma por meio de uma pesquisa quase nostálgica realizada por produtores que cresceram ouvindo música em videogames.

No entanto, entrar nesse universo parece algo quase inacessível para quem não tem contato histórico com games, e dedeco consegue fazer esse trabalho de apresentação com maestria – como quando uma criança ouviu drum n bass pela primeira vez em um jogo do Playstation 2. Como o próprio cita em um dos seus sets, “mixar VGM não é muito amigável para um DJ”, especialmente devido à natureza dos loops infinitos (a faixa recomeça sem que o ouvinte se dê conta disso, para manter o foco na jogatina). Mas, ainda assim, os sets de dedeco são capazes energizar qualquer pista no mundo a partir da mixagem de alguns de seus jogos favoritos, como Sonic R, Silent Hil 2, Ace Combat 3 e Jet Set Radio.

Esse artigo do Lucas Cassoli aponta uma série de especificidades sobre a VGM, da forma com que um som poderia ser criado dentro de um cartucho com pouca memória – e que, posteriormente, ganharia espaço infinito no CD-DVD – aos próprios criadores, normalmente produtores que não teriam espaço dentro da indústria usual e que expandiram seu trabalho para o mundo. Casos de Soichi Terada (Ape Escape, entre vários outros), Hiroshi Okubo (de jogos da Namco) e Yuji Takenouchi (Konami e depois Sony) – para citar alguns dos compositores favoritos de dedeco. Ryuichi Sakamoto, por exemplo, compôs o famoso som de entrada do Dreamcast, mais uma amostra de como esse universo é repleto de conhecimento escondido e habilidades discretas. Nesse lugar, dedeco funciona, ao mesmo tempo, como artista, apresentador e professor.

Com a arqueologia da sua biblioteca com músicas, compositores e jogos, o produtor mineiro cumpre o papel ao qual ele se propõe: “mostrar aos entusiastas da música eletrônica quão incrível é a história da dance music em trilhas sonoras de games”.

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ARTISTA: dedeco VGM

Autor:

Economista musical, viciado em games, filmes, astrofísica e arte em geral.