Desejo, confusão e humor com Getúlio Abelha

Encerrando o ciclo de seu primeiro disco, “Marmota”, o artista teresinense vive um momento de ebulição, produzindo novas canções e pensando em próximos passos – e no que tem atrás das próximas portas

Loading

Fotos: Sillas h

Em seu mais recente clipe, para a faixa “Voguebike”, Getúlio Abelha fala a seguinte frase “às vezes eu gostaria muito que as pessoas entendessem como é que funcionam as coisas dentro da minha cabeça”, ao que uma outra personagem surge e diz “Só toma cuidado, tem coisa que é melhor não mostrar”. Mesmo assim essa matéria é uma tentativa investigativa de descobrir o que move a mente inquieta do artista que nasceu em Teresina (PI), desenvolveu sua carreira artística em Fortaleza (CE) e que agora transita entre o mundo e outros pontos do cosmos. Sobre os mistérios de sua mente, ele titubeia um pouco, mas resume dizendo que tem “uma cabecinha um pouco ansiosa como o resto do mundo, mas uma cabeça com expectativa de coisas boas para o futuro”.

E o futuro de Getúlio Abelha está relacionado ao encerramento de um ciclo. O clipe de “Voguebike” marca o fechamento de seu primeiro disco, Marmota, que saiu em 2021 pelo selo Rec-Beat, de Recife. Esse processo de trabalhar o disco ao máximo é como uma faca de dois gumes: há uma demanda artística do próprio Getúlio e há todos os outros pontos de uma carreira artística independente no Brasil. “Acho que eu tive a sorte de criar músicas que acabaram não envelhecendo mesmo com o tempo, porque desde a primeira música até a última que eu lancei, ainda trabalho elas nos shows, as pessoas ainda estão conhecendo, ainda estou apresentando-as”, explica o artista. “De qualquer forma ainda continua sendo difícil ser artista independente nesse contexto, pois o mercado cobra toda uma velocidade que eu nunca estive pronto pra entregar. Como sou multiartista, não pude estar entregando várias músicas por ano ou um álbum a cada dois, mas em compensação eu trabalhei mais profundamente nas imagens, nos vídeos e nos shows, que é a grande coisa assim”.

De todo modo, ele tem um olhar bem pragmático sobre o tempo em sua carreira e entende que se “for colocar na balança, foi mais uma consequência do tempo de pandemia e todas as questões financeiras mesmo”. “Agora eu pretendo fazer diferente e lançar mais músicas com certa frequência, quero experimentar como isso vai funcionar para mim”. Para essa nova fase, ele próprio tenta se fazer menos cobranças e pretende se abrir mais as trocas e possibilidades artísticas. “Eu estou me cobrando menos a ser a pessoa que escreve tudo, a pessoa que está envolvida em cada segundo da produção da música, estou me abrindo a gravar composições de outras pessoas, a receber produções mais prontas, pra eu só dar uma ajustada no que eu quero”.

“O ‘Marmota’, de alguma maneira, se tratava de trazer ritmos que estavam meio engavetados, e agora é menos sobre abrir uma gaveta antiga e mais sobre o que está circulando na música ao meu redor que eu posso pegar aqui pra jogar”

Nesse processo, a ideia de Getúlio é ir trabalhando em singles até entender qual é a estrutura do álbum, pois para ele, nesse segundo momento, ainda está nebuloso o que é formativo de um novo álbum, o que seria esse fio condutor de um novo trabalho. “Eu falo que o Marmota é um disco de forró não exatamente pelo estilo forró de maneira mais pura, mas porque eu considero que o forró sempre foi para mim mais um lugar, um fazer, do que um estilo musical em si – apesar do estilo também existir. Quando a gente fala de ‘vamos para o forró’, a gente fala de um acontecimento, de dançar junto”, conta Getúlio. “Então o Marmota, para mim, é isso, é reunir uma série de estilos que foram referência na minha vida toda e fazer esse baile mesmo. E agora eu continuo querendo trabalhar nesses estilos, mas com muito menos pressão e menos argumentos em cima do forró e provavelmente trazendo mais elementos de músicas que são produzidas eletronicamente, pois o Marmota foi todo gravado tudo de verdade. Agora eu acho que, não sei, sinto que eu esteja querendo correr atrás do tempo eu gastei produzindo o Marmota artesanalmente e acredito que vou acabar trazendo mais elementos da música eletrônica e do funk, mas ainda inserindo dentro do universo do brega e do forró”.

Segundo o artista, a ideia aqui de se falar em uma música mais eletrônica está relacionada menos a beats e BPMs e mais num sentido de músicas que são produzidas num computador, com uma adaptabilidade e simplicidade maiores. A ideia de Getúlio é nesse momento experimentar essas sonoridades, essas possibilidades de produção e aí deixar fluir as novas criações. “O Marmota, de alguma maneira, se tratava de eu trazer ali ritmos que estavam meio engavetados – apesar de que o forró veio ganhando força recentemente também – e agora é menos sobre abrir uma gaveta antiga e mais sobre o que está circulando na música ao meu redor que eu posso pegar aqui pra jogar”.

“Eu falava ‘cara, eu entrei na música para invadir todos os lugares como um furacão, então vamos de surpreender a galera’”

Em meio a essas trocas sonoras, perguntamos para Getúlio como foi tocar no palco da Mamba Negra, em São Paulo – e para ele foi uma experiência bastante desafiadora. “Eu fiquei bem nervoso, fiquei apreensivo, vão me chutar, vão dizer que queriam ouvir techno e estão ouvindo essa porcaria, mas na verdade não, eu fui muito acolhido. Eu tirei várias músicas do álbum pensando ‘não, isso aqui não dá, o povo não vai gostar’, mas aí quando eu vi que o povo já estava na minha mão, aí eu virava para o Gui, que é meu baterista que controla as músicas que vão entrar em jogo, aí eu falava “vai Gui, toca aí, sem medo não, bota tudo logo”, botei todo mundo no palco, botei as clubbers para baforar com forró, deu tudo certo”.

E ocupar espaços e surpreender pessoas está no cerne do que ele sempre pensou para sua carreira. No clipe de “Voguebike” podemos ver logo no início um trecho de uma apresentação de Getúlio Abelha no Cidade Viva, programa popular que ficou no ar durante mais de 20 anos na TV local do Piauí. “Eu sempre fiz questão de quando eu vou a Teresina, que é a minha cidade, de frequentar aquele programa”, conta Getúlio, “pois fazia parte da minha sede grandiosa de ocupar lugares mostrando aquilo que eu queria falar, mostrando aquela loucura que eu queria mostrar. Hoje em dia estou bem mais tranquilo, mas aquilo foi bem importante para eu executar o que eu planejava enquanto artista. Eu falava ‘cara, eu entrei na música para invadir todos os lugares como um furacão, então vamos de programa local, vamos de TV, vamos de surpreender a galera’. E era importante porque eu cresci vendo aquele apresentador”.

Com essas experiências, Getúlio acredita que esse público comum (entre várias aspas aqui do seria um público comum) abraça muito mais do que parece o trabalho dele. “Uma parte desse público não deve entender tudo que está acontecendo, mas eu acredito que a performance por ela mesmo ou o tom de humor que existe no trabalho que eu faço ou até mesmo o estilo musical criem essa identificação imediata, e aí quando a pessoa vai achar ruim algo que foi dito ali, já passou e ela já está entregue”, explica. “Acredito que o Ceará e o Piauí, especificamente, têm certa abertura para o humor e para esse tom de coisa, o que facilita muito pra mim, e acredito até que esse público entende muito mais até do que pessoas que estão aí super desenroladas da cabeça e do discurso, por exemplo, no sul ou aqui no sudeste”.

Esse humor, essa mistura de ritmos e essa catalização de tantas coisas em um único artista vem do mar de referências que move Getúlio Abelha. “Eu tenho uma tendência a gostar de tudo que é meio desesperador, meio gritante, o que me chama atenção é aquilo que está meio aberto, meio ferido, meio frágil, eu não tenho uma conexão muito grande com coisas muito perfeitas e que tem medo de se expor ali minimamente. No geral é isso, os artistas que eu gosto são mais picantes, mais elétricos ou então abertos mesmo, isso é o que me inspira”. Parece meio complexo, mas faz todo sentido com o trabalho final de Getúlio, de todo modo, para ir mais além e tentar desvendar um pouco mais as coisas que pulsam no imaginário do artista, nós demos uma de Marilia Gabriela e fizemos um bate-bola com algumas perguntas que fazem sentido nesse momento.

“Tenho uma tendência a gostar de tudo que é meio desesperador, meio gritante, o que me chama atenção é aquilo que está meio aberto, meio ferido, meio frágil. Não tenho uma conexão muito grande com coisas muito perfeitas e que têm medo de se expor ali minimamente”

 

Bate-Bola com Getúlio Abelha

Qual foi o filme que você mais assistiu na sua vida?

A Fantástica Fábrica de Chocolate, de 1972. Aquilo explodiu minha cabeça, eu peguei a fita e pensei “é isso que eu quero, meu deus”, eu fiquei obcecado e aquele cara era doentio de verdade. Eu gostava dessa sensação de não saber o que vai vir pela frente, de não saber o que tem na próxima porta, o que tem para frente, eu amo isso até hoje, às vezes eu mudo de cidade, mudo de casa, mudo as coisas no meu quarto, exatamente pra isso: o que tem depois daqui? O que tem na próxima porta?

Qual artista, de qualquer área, que seria o seu sonho de colaboração?

Pode ser algum artista gastronômico que faça comidas maravilhosas que eu não provei ainda e que ela vai fazer para mim, esse feat ainda vem.

Falando em comida, qual seria a sua larica favorita?

Strogonoff é meu vício atual, ainda bem que é fácil de fazer, mas eu estou gastando todos os meus cachês só com strogonoff, eu acordo, durmo e tomo banho pensando em strogonoff de frango.

Quais seriam as suas drag queens preferidas?

Ai, tudo! Meu deus, tá eu vou jogar a Frimes, óbvio, acho que eu vou jogar a Jiggly Caliente. Ai, vou jogar umas perfeitas também, tá, vou jogar uma Jinkx Monsoon, uma Shea Couleé, só pra ser bem fodona. Ai, todas, várias, mas está bom essas quatro por enquanto.

Qual seu drink favorito?

Eu acho que uma caipirinhazinha, um mojito, está bom.

Quais são seus musos e/ou musas quando o quesito é cabelo?

Pode ser a Joelma, que ela bate ele pencas, eu acho que ela é quem melhor usa o cabelo, então fico com ela.

Getúlio Abelha por Getúlio Abelha.

Confusão & desejo!

Loading

Autor: