DJ Gigola e os caminhos do imprevisível

Seja em seus sets ou nas produções de seus discos, a artista alemã sobrepõe estéticas e sugere novos sentidos dentro da música eletrônica

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Fotos: Rita Lino / Iga Drobisz

Não é incomum pensar na música como uma forma de expressão que parte do indivíduo para o coletivo – algo como uma inspiração introspectiva que comunica diferentes perspectivas ao público. Ainda assim, essa noção por vezes ignora o sentido oposto da dinâmica: o mundo influenciando a síntese musical. Temos assim, uma rede de significados e significantes em constante transformação – algo que acontece cada vez mais dada a velocidade das transformações na cultura contemporânea. A crescente popularização e ramificação da música eletrônica podem ser encaradas como forma de dar conta a esses múltiplos significados e, no caso particular de DJ Gigola, isso transcende o aspecto sonoro. Ela seria uma das atrações do festival Gop Tun, realizado no último sábado, em São Paulo, mas, por conta de problemas de saúde, Gigola foi obrigada a cancelar a turnê que também incluía uma apresentação no Chile.

Natural de Berlim e integrante do coletivo Live From Earth (Horseygirl, Brutalismus3000), Gigola traz em sua obra uma percepção da música eletrônica menos pautada na categorização de gêneros específicos e mais interessada na perspectiva de como diferentes expressões se sobrepõem e criam múltiplos significados. Mas suas ideias não estão à deriva, de maneira puramente aleatória. “Para mim, é preciso saber o contexto das coisas”, explica Gigola. “Se não, como posso desafiar a percepção de algo, se não sei de onde ela veio?”. Em sua obra, fica evidente que não se trata de misturar elementos ao acaso – e muito menos de mirar um objetivo a partir da resultante dessas fusões. O que está em jogo, tanto em sua produção musical como em suas performances como DJ, é a criação de novos significados, com os quais muitas vezes a própria Gigola se surpreende. “Não quero apenas criar intersecções entre músicas, mas criar novos sentidos”.

“Eu amei que algumas pessoas categorizaram esse disco [Fluid Meditations] como new age, porque faz todo sentido! É uma das coisas mais lindas e mágicas na produção musical: como um gênero é percebido por diferentes públicos”

Gigola permanece atenta às maneiras como sua música é percebida pelos diferentes ouvintes. Como produtora, além de se interessar, ela fica surpresa com as categorizações que seus sons recebem. Exemplo desta dinâmica está em seu disco Fluid Meditations (2023), no qual ela mistura elementos de meditação guiada e ambiente music, mas os remodela sob a luz de batidas de techno e house – uma contradição aparente e que desafia uma sistematização precisa. “Eu amei que algumas pessoas categorizaram esse disco como new age porque faz todo sentido! É uma das coisas mais lindas e mágicas na produção musical: como um gênero é percebido por diferentes públicos”.

“Minha ideia não era criar um trabalho puramente de meditação guiada, mas colocar uma pergunta a respeito de como todos estão ‘sem corpos’ pela experiência digital, mas ao mesmo tempo procurando retiros de yoga”. A partir dessas contradições, Gigola constrói um trabalho que causa estranhamento como forma de personificar esses paradoxos – estranhos à primeira vista, mas parte natural do mundo contemporâneo. Durante as oito faixas do registro, Gigola essa experiência de “desmembramento” por conta das telas, sensação que, ao longo do disco, se torna mais e mais abstrata. “Eu venho de um contexto club e pop, com músicas rápidas – então fazer um disco de uma hora com apenas oito faixas soou como uma ótima ideia”, reflete.

“É sobre essa relação entre comunicação e dança – que sinto falta na Alemanha. A arte de conectar seu corpo com a música é o que mais admiro na música brasileira”

Como DJ, Gigola enxerga a vantagem de poder testar suas músicas nas pistas antes de lançá-las, mas considera que ainda há espaço para se surpreender com a forma como suas narrativas são transformadas pelas experiências do ouvinte. “Em Nova York, uma garota veio disse que escutou meu disco logo após ter sido demitida e que ele a ajudou a passar por esta fase. É um cenário que eu não poderia imaginar que minha música chegaria”. Nesta perspectiva, Gigola comenta que tenta trazer uma personalidade mais artística ao invés de pensar em termos de “o que vai bombar nas pistas”. Quando as músicas de Gigola estão no mundo, adquirem vida própria – e distante do controle da estime alheia, sua magia é capaz de fluir e sobrepor, livremente, diferentes estéticas.

Sua relação com o Brasil vem desde o fascínio pela bossa nova dos anos 1960, mas, além disso, Gigola destaca um vínculo entre corpo e ritmo que a encanta na produção musical do país. “É sobre essa relação entre comunicação e dança – que sinto falta na Alemanha. A arte de conectar seu corpo com a música é o que mais admiro na música brasileira”. Ela aponta que um dos gêneros em que isso é mais observável é o funk, trazendo o nome de Anitta e a crescente presença do estilo em sets internacionais. Nesse sentido, é possível observar que Gigola (dos sets e dos discos) e a música brasileira têm muito em comum – criações que emergem de diferentes estilos se combinando de forma contagiante.

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ARTISTA: DJ Gigola
MARCADORES: Gop Tun Festival

Autor:

Produtor, pesquisador musical e entusiasta de um bom lounge chique