Emoção e Música Acústica: Que Tem a Ver?

É possível que a música feita sem a interferência elétrica/eletrônica seja aquela que mais comunica sentimentos

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Mesmo antes de se conhecer o significado do termo, costumamos já valorizar aquilo que vem com o rótulo acústico. Os contextos em que a palavra geralmente aparece trazem essa carga de importância – você sabe que vale a pena ver essa nova versão de uma música que você já conhece ou se admira com a notícia de um disco todo feito no formato. Mas, alguém precisa perguntar, por que será que gostamos tanto de música acústica?

Esse questionamento, na verdade, surgiu de uma outra ideia que eu estava trabalhando pra este artigo. A proposta era investigar por que a música feita de maneira mais orgânica, às vezes até mais simples, parece mover mais as pessoas. Pode não ser o seu caso, mas não é difícil observar isso ao redor, nos mais diversos grupos de pessoas. E, aí nesse meio, a música acústica aparece, seja aquela que é produzida originalmente assim ou uma versão de uma faixa que você já gosta feita por alguém competente.

Somando os raciocínios (e fazendo os devidos ajustes), dá pra dizer que gostamos de música feita com instrumentos acústicos e vozes porque essas mais “orgânicas” tocam mais as pessoas. Pensei bastante, li mais ainda e quero te contar que sim, isso é bem possível. Para me ajudar na argumentação, convidei um pessoal que sabe emocionar muito bem com poucos elementos na música – corações frágeis, cuidado com estas músicas. Me acompanhem.

A música não-acústica é algo muito recente na história da humanidade. Mas muito recente mesmo. O teremim (tido como o primeiro instrumento musical elétrico) foi patenteado em 1928. Ou seja, a humanidade teve alguns bons milênios de música feita com instrumentos “desplugados” e, por mais influente que o Rock tenha sido em todo o mundo, ainda há muitas culturas hoje que continuam a cantar e tocar suas composições sem a guitarra, o baixo elétrico ou sintetizadores, por exemplo (é importante a gente lembrar que grande parte da população é diferente da gente, né?).

O que eu quero dizer com isso é que as gerações mais recentes foram as primeiras a terem um ouvido já muito habituado ao que é elétrico ou eletrônico desde sempre. É possível que seus avós não curtam uma música que não seja acústica, talvez mesmo seus pais não gostem. Daí, por mais que a gente cresça com teclados ou mesmo faixas todas feitas no computador, pode ser que tenhamos sido criados para gostarmos ainda mais do que vem dos instrumentos acústicos.

Mas eu ainda estou longe de onde eu queria chegar (calma, não quer dizer que este vai ser o maior texto da história do site), mas eu queria te lançar essa ideia antes de te contar algumas coisas que descobri recentemente.

A primeira delas é que observei que as músicas mais emocionantes habitam duas esferas bem diferentes. Uma delas é aquela da arte bem feita, com um grau de qualidade que nós não conseguiríamos imitar. Isso mexe com o ser humano, seja estar diante de uma orquestra filarmônica ou um vocal primoroso de Adele, arrepia, sabe? A outra categoria seria de composições com as quais você se identifica. Sei que isso parece óbvio, mas quero levar a ideia um passo adiante.

Não me refiro a letras que você entende porque já se sentiu de uma maneira parecida. Estou falando de interpretações de canções que contemplem de uma maneira mais naturalista uma realidade que eu e você conhecemos, que é a existência por si só. Sei que aí o bicho pega, mas quero facilitar. Pensa assim: Você vê Adele cantando e pensa, mesmo sem querer, que aquele domínio vocal é raro – e você sabe disso justamente por ser uma pessoa dotada de voz – e te dá um frio na barriga por motivos sensoriais. Mas quando alguém canta dotado de emoção (por isso eu falei de “interpretações”) e consegue comunicar aquela verdade, seja ela uma que você já tenha passado ou não, é emocionante.

(E agora, antes de você ouvir Glen Hansard berrando emoção, poucos vídeos explicam tão bem o que estou dizendo quanto este próximo)

O bebê não entende nem as palavras do que a mãe canta, assim como quem não fala inglês não compreende Glan Hansard, mas isso não tira a emoção das performances. Nem todo mundo chora, nem todo mundo se arrepia, mas muita gente sim. E essa comunicação é linda.

Sim, estou falando mais de voz do que de instrumentos acústicos, mas eis onde os dois pontos se encontram: A música feita assim acaba sendo a mais natural possível. É feita pelo impacto da percussão, pela vibração das cordas ou pelas cordas vocais através do fôlego, o mesmo que venta nos instrumentos de sopro. Não há interferência de fora pro som ser como ele é: Sai do jeito que foi feito pra sair.

Em 2014, fica difícil ter essa noção, mas tudo o que tem a ver com eletricidade e eletrônica tem uma carga “tecnológica” atrelada. Isso pode não atrapalhar uma música a comunicar emoção, mas, quando esse aspecto é retirado, parece ficar ainda mais fácil sentir qualquer coisa.

Então, é basicamente isso: A música feita da maneira mais orgânica, ou “direta”, possível é aquela que mais tem capacidade de emocionar.

Porém, eu não me propus a fazer este artigo para concluir, mas para levantar ideias mesmo (daí ele ser categorizado como “discussão” aqui no site). E vou te dizer: Os artistas que hoje sabem usar não só guitarra e baixo, mas artifícios puramente eletrônicos para comunicar emoção em sua arte, fazem isso com louvor. Eles quebram barreiras do que é orgânico ou não e nos dão uma nova (em diversos sentidos) maneira de nos sensibilizarmos.

Fique aí com verdadeiros argumentos a favor da música não-acústica. Não acho que precisamos “escolher um partido” nessa discussão, mas quanto mais pensarmos a respeito, seremos melhores ouvintes.

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MARCADORES: Discussão

Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.