Ítallo e o estado de espírito do Walkiria

“É um disco que me remete a Maceió não só artisticamente, mas no campo dos afetos”; o músico arapiraquense fala sobre as inspirações de “Tarde no Walkiria”, seu terceiro álbum

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Fotos: Nathalia Bezerra

A capital do Alagoas é o ponto de partida do terceiro disco solo de Ítallo França, Tarde no Walkiria. Lançado em maio, o disco apresenta cenários frescos, vívidos e poéticos – resultado de uma construção madura, que vem na sequência de álbuns lançados em 2016 e 2020 e que se iniciou quando o arapiraquense passou a residir em Maceió, em 2015.

Trazendo na faixa de abertura o nome da rua situada no bairro de Pajuçara, “Jangadeiros Alagoanos” mescla instrumentais que despontam no decorrer do disco, em conjunto à frase “Já não existe medo”, presente na canção “Depois”. As minúcias se harmonizam a atabaques, sanfona, piano, sintetizador, bateria, além de toques orquestrais.

“Sou muito convencido pelas minhas impressões, acima de tudo, então às vezes uma coisa que eu nem consigo explicar me convence pelo que repercute dentro de mim e ativa a minha sensibilidade. O disco estava todo pronto e não existia a música ‘Jangadeiros Alagoanos’. Na fase final do disco fui fazer um teaser de vídeo, e eu queria que a sonoridade do vídeo tivesse trechos de cada faixa, não desejando fazer uma música nova, mas com trechos de pistas de instrumentos que eu toquei, ou que alguém tocou no disco, quase que aleatoriamente. Quando fui criando, vi que se tornaria uma música. Respondendo racionalmente, uma das minhas referências estéticas para colocar esta canção no disco foi primeiro ter achado uma música assim em um dos discos do Chico Buarque. Tudo para mim se explica na sonoridade”, reflete Ítallo.

“Sou muito convencido pelas minhas impressões. Às vezes, uma coisa que eu nem consigo explicar me convence pelo que repercute dentro de mim e ativa a minha sensibilidade”

Assinando a produção musical ao lado de Paulo Franco, que também assume a frente de as guitarras elétricas de Tarde no Walkiria, Ítallo diz que a obra é parte de uma trilogia involuntária, que se junta aos álbuns Casa (2016) e O Time da Mooca (2020). “Esse disco marca o Ítallo da maturidade, dessa fase de jovem adulto”. O disco também consolida um período de mais colaborações e parcerias do artista, reunindo nomes de destaque das cenas carioca e alagoana – Marina Nemésio, Bruno Berle, Tori, Pedro Fontes, Bruno Di Lullo e Nyron Higor.

Financiado pelo edital da Lei Aldir Blanc, o disco, em pouco mais de 37 minutos, convida o público a adentrar em composições que exploram relações com o cotidiano e o amor e, fundamentalmente, as percepções de Ítallo sobre a cidade e o mundo. Ainda que boa parte das canções tenha sido composta quando ele residia em Maceió, também há faixas originadas em sua cidade natal. “O movimento de fazer as seleções das canções até a [última] música de 2022 e depois fazer ‘Jangadeiros Alagoanos’ de última hora, foi um movimento muito consciente. Existe um lado muito cerebral, e é justamente por ser um pouco mais cerebral, que eu me permito criar essas canções em um momento muito diferente do outro. Hoje posso falar que foi uma obra feita para Maceió, mas não pensava nisso enquanto criava. Eu fiz um disco que tem alguma coisa ali no que eu escolhi para falar, de tema, na urbanidade, que me remete a Maceió e não só artisticamente, mas também no campo dos afetos. Então eu me permito ser subjetivo até certo ponto, mas depois eu sou mais profissional”.

“Esse disco marca o Ítallo da maturidade, dessa fase de jovem adulto”

Entre uma das canções de destaque do disco está “Dr. Manoel”, em que o compositor expressa o seu sentimento de prostração perante o que estava vivendo em 2019. “Venho notado nas caras das pessoas / Um ar de tristeza presente em minha geração”, canta em um dos versos. “Alguma coisa acontecia no país, evidentemente. Eu fiz essa música no segundo semestre de 2019, era o primeiro ano do mandato do Bolsonaro. Não sei se foi uma impressão que todo mundo compartilha, pelo menos na minha bolha, mas eu senti que o Brasil estava triste, sem viço, sem perspectiva, e isso repercutiu dentro de mim. Foi um mês em que eu fiz quase 10 músicas depois de muito tempo travado. Posso dizer que as sessões de terapia me ajudaram. Eu costumava dizer que ‘Dr. Manoel’ foi uma conquista para mim, porque ela é uma música pouco lapidada, quem ouve vê isso claramente, ela não tem muita métrica, tem muitas palavras. Foi uma música quase que psicografada porque foi feita em 15 minutos, mesmo sendo extensa. Ela também já veio com harmonia e melodia, a única coisa que mudei, do dia da letra para a canção do disco pronto, foi o nome da minha analista, Renata”.

Na época cursando direito e residindo no edifício Walkiria, França conta que sempre pensou que algum projeto futuro iria ter no título o nome do prédio, local em que morou por mais de um ano. “Nem todo o meu tempo em Maceió foi residindo neste edifício, mas, assim, foi um período muito especial, talvez o mais feliz destes cinco anos. Eu gosto muito da flexão do artigo mais a preposição, do, no masculino, unido a o nome Walkiria, no feminino. Tudo isso é mais um estado de espírito. Era muito bom passar as tardes no Walkíria, era o momento depois do estágio e antes da universidade.”

Hoje, prestes a se mudar para São Paulo neste segundo semestre de 2023, o artista independente se queixa de ter que se mudar para seu trabalho ter mais chances de tomar uma proporção nacional. “A minha motivação de ir para São Paulo é profissional, é meio óbvio isso. Sinto que tanto eu, quanto meus colegas que fazem artes, em várias áreas, no nosso tempo a gente está fazendo com que nossa identidade se apresente ao país. É difícil viver de arte em qualquer lugar, mas em Alagoas é mais, devido a essa dificuldade de se manter e trabalhar. Zé Ramalho, Alceu Valença, Elba Ramalho, todos esses gigantes foram para o Sudeste em algum momento para se apresentar nacionalmente – e infelizmente eu ainda tenho que repetir essa história em 2023”.

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ARTISTA: Ítallo