Lealdade, sonhos e boom bap com pumapjl

“Autodomínio”, mais recente EP do MC carioca, é outra colaboração afiada com o beatmaker SonoTWS

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Fotos: Divulgação

Com o rosto escondido e identificado pelo vulgo – é assim que o MC carioca pumapjl pretende seguir sua carreira. Em julho, o artista de 24 anos lançou seu segundo EP, com sete faixas, intitulado Autodomínio (2023), acompanhado do beatmaker e produtor SonoTWS. O rapper está representado na capa em uma ilustração, criada pela artista Nihao, que faz referência ao disco clássico de Arthur Verocai, de 1972. A direção criativa foi feita pelo Cegocreative.

O uso de balaclavas e as personalidades reservadas refletem também a experiência urbana do beatmaker, que desde os 15 anos vivencia o círculo da pichação e do grafite: “Para a gente, é comum ser chamado pelo vulgo. Tenho 38 anos e existem grandes amigos meus que eu não sei nem o nome, tá ligado? Não quero que as pessoas conheçam a minha cara, gosto de estar mais reservado. O que importa é minha arte e não como eu sou fisicamente”. A aliança que nasceu por meio de conversas nas redes sociais, hoje em dia também se estende para o selo Tired of People e para o projeto Febre90’s, que divulga singles desde 2021 e acumula mais de 400 mil ouvintes mensais somente no Spotify.

Ainda que os integrantes sejam os mesmos e o projeto também tenha seu alicerce no boom bap, o som é diferente – mais intenso e com samples mais clássicos. “Eu, como produtor do grupo [Febre90’s], não sei explicar exatamente, mas eu já sei e conheço a sonoridade que a gente busca no Febre90’s e para o trabalho solo. Acredito que no solo é uma parada mais pessoal do pumapjl – e eu já sei mais ou menos o estilo de beat que dá para chegar, como se fosse a trilha sonora desta parte mais pessoal da vida dele. Agora, por exemplo, a gente está trabalhando no álbum do Febre90’s, e eu consigo entender exatamente qual é o beat que se encaixa no projeto. Na minha cabeça, eu já tenho essa divisão, acredito que o puma também já tenha, porque nós trocamos muita ideia a respeito disso”, explica Sono.

Sem amarras quanto a regras musicais, pumapjl afirma que sua rima sempre é conduzida pela melodia e que não existe uma fórmula para escrever as canções, em sua maioria, baseadas em suas ambições e sua rotina. Há seis anos, o MC começou na música de maneira experimental, divulgando suas criações no Soundcloud: “Em 2017, eu rimava umas paradas tipo ‘cria’ em Lo-Fi. O Lo-Fi, quando veio para o Brasil, sempre foi algo muito melancólico, enquanto eu gostava de rimar umas coisas mais sujas. Não conhecia ninguém que fazia essas paradas assim, nessa pegada. Vou rimando e, quando vejo que a música ficou da hora, eu paro naturalmente, porque eu não penso: ‘eu vou fazer uma faixa de um minuto’. Se ficou da hora, eu vou para a próxima”.

“Sempre foi meu intuito falar sobre essa realidade nua e crua, de forma que todo mundo entenda. Reta, sem curva, com as palavras mais claras possíveis” – pumapjl

Logo nos primeiros segundos de “Solta Minha Blusa”, surge o sample de “Speak Low”, de Sarah Vaughan. É uma das demonstrações dessa união entre o garimpo do beatmaker e as rimas afiadas e carismáticas de pumapjl. São canções fáceis de dançar, que fluem com naturalidade entre a realidade das rimas e o balanço dos beats – aliás, para quem estiver interessado em soltar suas rimas, foi lançado em setembro um disco com os instrumentais das sete faixas.

Naturalidade, EP que precede o novo trabalho, já bateu mais de 50 milhões de plays nos streamings, mas a intenção de puma, desde o início, foi elevar seu material e, de certa forma, se distanciar do que foi apresentado no trabalho de 2020. “O intuito inicial foi destravar a rapaziada do Naturalidade. Dar um passo a mais, uma elevada no game. Sair de perto desta ideia de que o underground é largado, associado à má qualidade. Quis mudar isso. Se quiser, a gente está de Gucci, de carro importado, conversível, com os melhores perfumes, as melhores roupas, os melhores tênis. Acabou. Já foi esta fase de andar largado, de andar de chinelo. Se quiser, claro, tudo tem seu momento, mas eu quis elevar o bagulho”, reflete.

Contemplando sua cidade de natal de cima, para além das alturas do grafite e da pichação, o artista expressa os triunfos alcançados como vitórias advindas da música e da dedicação. “Camisa branca da Supreme pra mijar na cara / Air Force branco e o boné cravado dentro da cara / De Corolla blindado rasgando a praia da Barra / Destino é Zona Sul, as lojas de grife mais cara E eu quero um cinto da Versace, uma bolsa da Prada”, ele canta em “Zona Sul”.

“A concepção desse disco, se você analisar, ele sobe e desce. Em uma das últimas faixas, eu estou mais para baixo, até por conta de umas coisas que eu estava vivendo no pessoal. Acho que é meio que isso: as faixas condizem com o que eu estava vivendo na época. Eu escrevo muito, é algo pessoal, sobre o que eu estou sentindo, sobre as coisas que eu estou passando. Sobre, por exemplo, as roupas caras que eu consigo comprar ou os pratos finos que eu consigo comer – antes era essa parada de almejar, hoje em dia, graças a deus, estou usufruindo de algumas coisas e consigo falar com mais propriedade”, resume pumapjl.

Com canetadas versáteis, pumapjl não se esquece também de narrar vivências mais duras e íntimas como nas canções “Cega Eles Vovó” e “Transição (mensagem)”. “O processo de escrever as canções deste disco foi muito fácil. Para mim, é uma facilidade dura, para quem vive aqui em uma comunidade aqui no Rio de Janeiro e sente isso na pele. Acho que isso sempre esteve dentro de mim, até no meu trampo experimental. Sempre foi meu intuito falar sobre essa realidade nua e crua, de forma que todo mundo entenda. Reta e clara, sem curva, com as palavras mais claras possíveis”, prossegue.

A trajetória do artista neste disco realça sua evolução pessoal, trazendo para perto do ouvinte a reflexão de seus aprendizados e da força do autocontrole – agora, com uma profundidade artística maior e com mais autonomia, como aponta Sono. “Em uma ideia que a gente trocou eu disse que não queria ter feat nenhum, porque é interessante as pessoas ouvirem o que o puma tem para falar. É muito mais fácil você colocar um feat, com um artista grande, é claro que o EP vai chegar numa proporção maior. Mas acredito que mais importante do que os números é as pessoas escutarem o que o puma tem para falar. E isso eu digo também na minha posição de ouvinte, como um amante da cultura hip hop, como um mano que pesquisa o que vem aí, de muito tempo ouvindo. Quando dou um play em um álbum, espero ouvir o que um MC tem para me falar, tá ligado? Não um álbum cheio de feats que às vezes não tem uma parte a ver com a outra”, finaliza Sono.

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