Lo-Fi BR: uma breve retrospectiva dos últimos 10 anos

Uma lista com produções nacionais recentes que evidenciaram essa estética de múltiplas maneiras

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Fotos: Anderson Mendes

É bom já deixar uma coisa clara: Lo-Fi não é uma coisa só. Podemos entender o termo tanto como estética quanto como característica de determinado registro sonoro. De uma só vez, ele diz respeito a algo que é propositalmente “pobre” em qualidade de áudio e também a sons que se deterioram por uma limitação física da reprodução em questão. Apesar desta confusão de diferentes sentidos para o termo, inevitavelmente sabemos reconhecer aquilo que se aproxima do Lo-Fi. Dessa forma, é interessante pensar que a “baixa fidelidade” abarca não apenas aspectos sonoros, mas também sentimentais, nostálgicos e territoriais.

O que é baixa fidelidade para um ouvinte nos Estados Unidos, por exemplo, certamente não é percebido da mesma forma aqui no Brasil. Sob quais regras a música brasileira se distorce para fundar a sua identidade Lo-Fi? O que é ser Lo-Fi no Brasil?

Essa lista procura lançar um olhar sobre parte da produção fonográfica brasileira que evidenciou esta linguagem durante os últimos 10 anos – seja de forma proposital ou acidental. O intuito não é reconhecer fundadores do Lo-Fi no Brasil, mas entender como a pluralidade da música brasileira incorporou a deterioração como recurso estético.

Dorgas – Dorgas (2013)

Em 2013, o Brasil não estava imune aos encantos do indie rock – e o epicentro alternas era o Rio de Janeiro. De Los Hermanos, passando por Cícero e Clarice Falcão, chegamos a Dorgas, um daqueles discos consagrados silenciosamente. Com balanço típico do indie carioca, o disco abarca uma espécie de Lo-Fi cuja natureza de sua deterioração está no calor da maresia – um som quente, de praia e meio lounge. Um trabalho que veste o Lo-Fi até na forma de distribuição atual, uma vez que o disco só consegue ser ouvido por esse link não oficial do YouTube.

mannequin trees – mannequin trees (2017)

O revival psicodélico tomou conta das estéticas indies na metade da década passada. Entre Boogarins e Tame Impala, a Balaclava Records trouxe em seu catálogo o projeto de rock psicodélico de Ícaro Reis, o mannequin trees. O EP autointitulado de 2017 é ótimo para reconhecer que a baixa fidelidade também se encaixa no rock – na escolha de timbres psicodélicos, quanto mais analógico e impreciso melhor. Assim, as texturas do disco trazem essa sensação de constante imprecisão, contribuindo para uma estética polida da psicodelia brasileira.

niLL – Regina (2018)

Em 2010, ficou muito mais fácil e acessível produzir música e um dos gêneros mais beneficiados nesse sentido foi o rap. O celular virou uma máquina um gravador/sampler e, com este microfone muito mais genérico, a qualidade do registro de áudio foi ficando cada vez mais baixa. Entretanto, a qualidade dos discos dessa época foi inversamente proporcional, trazendo nomes consolidados como Criolo, Emicida, Tássia Reis e Flora Matos. Os registros distorcidos determinaram a estética Lo-Fi e o rapper NiLL compreendeu bem como usar isso a serviço de sua mensagem. Regina é um disco marcado pela memória, com diferentes dados pessoais recortando os versos rimados. Assim, neste disco, o Lo-Fi é uma linguagem da saudade, ao mesmo tempo em que são os próprios registros destas pessoas queridas ao rapper.

GARBO – jovens inseguros vivendo no futuro (2018)

O pop brasileiro tem aberto novos caminhos sonoros conforme novas gerações vão se juntando. Em um meio termo de hyper pop/R&B sentimental, Garbo traz o Lo-Fi como representação estética para letras de investigações emocionais intensas. Isso faz com que as músicas ganhem um aspecto mais acolhedor, como se fosse um diário repleto de fragmentos mentais. Seu primeiro disco, jovens inseguros vivendo no futuro, traz essas referências para o pop contemporâneo, em uma toada melancólica futurista.

Adorável Clichê – O Que Existe Dentro De Mim (2018)

O dream pop é um ótimo exemplo daquilo que era Lo-Fi antes mesmo de existir o sentido que o termo tem hoje. A banda catarinense Adorável Clichê se apoia nas ondulações dos efeitos infinitos para criar uma sonoridade psicodélica na mesma medida em que tem um quê choroso do emo. As músicas da banda usam o calor e o acolhimento do Lo-Fi como o recipiente que entrega os duros pensamentos existenciais em seu disco O Que Existe Dentro De Mim.

VHOOR – Expirado (2023)

Se formos considerar ao pé da letra, o funk nasceu Lo-Fi a partir do momento em que os primeiros samples de batidão foram distorcidos. Mas, para além desta noção, VHOOR acrescenta uma camada mais suave ao funk, complementando todo groove e suingue do gênero com essas texturas. Com o EP Expirado, agora fica evidente que os bailes também podem ocorrer em um fim da tarde, no pôr do sol.

LOQS/Xangrilá – LO-FI OUTRIDERS VOL 1 (2023)

Este registro atual está longe de ser uma mera coleção de batidas. Há uma preocupação dos produtores LOQS/Xangrilá em estabelecer uma narrativa imersiva, cujo sentido é completado na medida em que o ouvinte se entrega aos encantos das referências do duo. O Lo-Fi brasileiro aqui proposto tenta se afastar dos modelos de playlists de “música para trabalhar”, tão vistos pelo YouTube, e foca na atenção do ouvinte, em vez de torná-lo passivo no processo de escuta.

Marina Sena – Vício Inerente (2023)

Figura chave do novo pop brasileiro, Marina Sena entendeu que não deveria ficar apenas nas sonoridades brilhantes e orgânicas de seu excelente disco de estreia. Para o sucessor, ela escolhe aumentar a influência digital em sua sonoridade e, apesar de não se vender como um nome dentro do Lo-Fi, é interessante ver como há nuances disso em seu trabalho. É um disco que está comprometido com as tendências do pop contemporâneo, ao mesmo tempo em que utiliza o Lo-Fi no polimento final.

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Autor:

Produtor, pesquisador musical e entusiasta de um bom lounge chique