“Miolo do Oxente” traz um Janu melodicamente político

Feito no isolamento da pandemia, disco do artista alagoano foi moldado conceitualmente pelo período

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Fotos: Divulgação

Janu tinha a ideia de fazer um álbum carregado de letras políticas quando leu, há cerca de cinco anos, a frase Miolo do Oxente – na ocasião, era um texto publicado em rede social por um professor também alagoano que fazia críticas à política local. “Ele falava ‘nós somos o miolo do oxente’ e isso ficou na minha cabeça”, contou o músico ao Monkeybuzz, “por isso, seria um disco político”.

Quem escuta a obra, lançada em setembro, logo percebe que as letras vão em outra direção. “Ele foi por um caminho mais pessoal tanto por conta da pandemia, quanto pela maneira com que ele foi feito”, explica Janu. “Produzido à distância, durante o isolamento, por mim e Paulo Franco. Eu fazia um teclado, mandava para ele, que botava um baixo e mandava pra mim, daí eu botava um beatzinho aqui… em 2021, foi quando a gente se encontrou pessoalmente pra ir pro estúdio e acrescentar algumas coisas mais aprimoradas, mas é um trabalho pandêmico. Por isso, [o álbum] fala de coisas mais pessoais. Acho que a pandemia fez com que a gente olhasse um pouquinho mais pro ego, né?”.

Esse processo é muito diferente de Lindeza, disco lançado em 2015 com uma segunda parte em 2017. “Lindeza eu fiz com muitos músicos de Alagoas, cada faixa tem uns cinco ou seis convidados (entre instrumentistas e vocalistas)”, conta ele, que avalia a nova dinâmica de trabalho a dois como sendo bastante positiva pelas possibilidades que o formato mais enxuto permite. “No primeiro, como tinha várias pessoas envolvidas, gravávamos uma coisa que depois não tinha mais como regravar”, diz o músico. “Desta vez, tínhamos uma liberdade maior”.

Janu conta que bandas como MGMT e Metronomy foram as primeiras referências para o Miolo do Oxente, que, em determinado momento, estava “mais pop do que popular”, em suas palavras. Foi quando Janu realizou uma visita a uma comunidade litorânea no Alagoas e, ao aprender sobre a cultura local, viu que “faltava pertencimento no disco”, e foi aí que “as músicas pegaram esse beat mais nordestino”.

“É um trabalho pandêmico. Por isso, fala de coisas mais pessoais. Acho que a pandemia fez com que a gente olhasse um pouquinho mais pro ego, né? E, já que não fui político nas letras, fui nas melodias. Acho que é sempre bom reafirmar, porque é 2022 e ainda estamos discutindo o Nordeste e uma ‘xenofobia enrustida’”

Para dialogar com essa sonoridade referencialmente nordestina, Janu reuniu seu repertório adquirido ao trabalhar em eventos junto à secretaria da cultura de sua cidade – Arapiraca, nominada a “capital do agreste alagoano” –, que lhe permitiram observar bem de perto o trabalho de artistas do arrocha e do piseiro, como João Gomes. Fui absorvendo muito e vendo o poder que esse tipo de música tem nas pessoas”, explica ele, que teve a oportunidade de trabalhar também com Afrisio Acácio, mestre sanfoneiro que esteve à frente da Orquestra Sanfônica de Arapiraca. Seu falecimento, por conta do covid-19, influenciou músicas como “Viver É Massa”.

“O conceito ficou mais existencialista, falando sobre ego”, explica Janu, “‘Vey’ mesmo, que, por mais que diga ‘segue em frente e vai’, no decorrer dela, é uma pancada, dizendo que você não é o centro do universo. E, já que não fui político nas letras, fui nas melodias”. Há grande intencionalidade para que o “oxente” seja percebido por todo o Miolo: “Acho que é sempre bom reafirmar, porque é 2022 e ainda estamos discutindo o Nordeste e uma ‘xenofobia enrustida’”. E a mistura do indie com o popular, do novo com o ancestral, é algo que Janu faz com naturalidade porque reflete todas essas suas vivências na música. Como ele exemplifica, “ouço Luedji Luna e me bate tanto quanto quando eu ouço Brisa Star”.

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ARTISTA: Janu

Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.