Monstros e fantasia com Oliver Sim

Baixista do The xx lançou hoje (09/09) seu primeiro disco solo, “Hideous Bastard”, em que fala sobre temas como sexualidade, a vida com HIV e sua paixão por filmes de terror

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Fotos: Casper Sejersen

Oliver Sim foi o último dos xx a se aventurar em um lançamento solo. Jamie xx abriu a porta lá em 2015, com seu disco de estreia In Colour, já Romy lançou o primeiro single em 2020. Oliver só mostrou sua primeira canção solo agora em 2022 e isso tem suas razões, uma vez que sua maior preocupação era: o que acontece com a banda se cada um de nós tem suas carreiras solo?

“Não era algo que eu pensava em fazer durante muito tempo, pois eu amo estar no xx, uma das minhas bandas favoritas, com meus dois melhores amigos, nunca quis pôr em risco isso. Eu penso que a ideia de ter uma carreira solo, pelo menos para mim, significaria deixar isso para trás. Mas Jamie fez seu disco solo, aí depois a gente fez o I See You como banda, e Jamie aprendeu tanto, ele teve tantas novas ideias, novos meios de trabalhar, apenas fez o xx muito melhor. Acho que foi aí a primeira vez que eu e a Romy pensamos ‘ok, talvez isso seja algo que nós devemos fazer, talvez seja importante que a gente tenha dates fora do nosso relacionamento, para que a gente seja amantes melhores da nossa música como banda’”, conta Oliver entre gargalhadas.

Esse processo de sair por aí em outros romances não foi assim tão simples, na verdade para Oliver foi até assustador. “Eu quase tive uma crise de identidade ‘quem sou eu? Eu estou nessa banda desde que eu tenho 15 anos, como eu sou sem Romy e Jamie?’”, explica Sim. “Então eu decidi experimentar e tentar tudo, tanto que as primeiras músicas que eu fiz são uma droga, são terríveis, eu nunca vou compartilhar elas com o mundo, mas, aos poucos, eu fui cometendo erros, aprendendo, e cometendo outros erros. E é meio como o xx começou, com erros positivos e limitações”.

Todo esse percurso de descobrir sua própria voz acabaria desembocando em Hideous Bastard, seu disco de estreia, lançado hoje, e também no curta Hideous, dirigido por Yann Gonzalez, que chegou essa semana ao catálogo da MUBI Brasil. Tanto o disco quanto o filme passam por temas completamente íntimos para Oliver, como a sua sexualidade, a sua forma de lidar com o medo e com a vergonha e o seu status de HIV positivo, tema sobre o qual ele falou pela primeira vez neste ano.

 

A vida com HIV: deixando de lado a vergonha

“Minha razão inicial para falar sobre o meu status do HIV foi meio ‘foda-se’, foi bem impulsivo”, explica Oliver. A divulgação de seu status sorológico veio junto do lançamento do single “Hideous”, em que ele fala abertamente sobre o tópico. E ele começou a trabalhar nessa música numa fase em que essencialmente as principais pessoas de sua vida já sabiam de seu status. Mesmo assim, ele explica que contava às pessoas uma vez e pensava “ok, está feito e não falamos mais disso agora”. “Havia uma força invisível em torno desse tema”.

O ponto crucial veio em uma conversa com sua mãe logo após ele lhe mostrar a versão inicial da música. Ela questionou que ele deveria dar passos mais curtos e que deveria conversar com mais pessoas e de forma mais profunda sobre o HIV, sobre como é viver com esse status atualmente, e aí só depois pensar no lançamento dessa faixa. “Eu segui o conselho da minha mãe e tive essas conversas, e acabei conversando com mais e mais pessoas fora do meu círculo de amizades, então quando vi, eu estava colaborando com pessoas, conversando com jornalistas, por isso quando eu lancei a música não foi tão dramático quanto poderia ter sido”, explica Oliver.

“E agora eu me sinto muito mais livre do que era antes. Eu ainda tenho vergonha, medo e segue sendo bastante desconfortável em determinados momentos, mas eu não me sinto mais sobrecarregado com isso. E o fato de que eu e você estamos aqui, tendo essa conversa, eu reconheço que há quatro anos eu não poderia fazer isso”, explica o músico.

(Abrimos um parênteses aqui pra explicar que viver com HIV hoje em dia é, basicamente, levar uma vida bem mais comum do que já foi em outros tempos. Uma pessoa vivendo com HIV precisa fazer um tratamento constante, porém esse tratamento quase não tem efeitos colaterais e possibilita uma boa qualidade de vida. Com o tratamento em dia, essa pessoa pode chegar ao que chamamos de status indetectável, que é quando o HIV está controlado. Nisso se chega a um outro termo que é “indetectável = intransmissível”, pessoa com HIV indetectável não transmite HIV para outras pessoas por vias sexuais. As principais discussões hoje em dia em torno do HIV/AIDS estão relacionadas aos estigmas e ao preconceito, por isso é extremamente importante pesquisar sobre o tema e ouvir outras pessoas que vivem com HIV.)

Durante sua conversa com o Monkeybuzz e em outras entrevistas, Oliver sempre repete algumas palavras como “medo” e “vergonha”, pois esses são tópicos importantes no processo de autoconhecimento do artista. Oliver descobriu ser HIV positivo aos 17 anos, depois ele passou por um processo de rever a sua relação com o álcool e hoje está sóbrio há mais de cinco anos, por isso há um caminho até que essas canções cheguem aos ouvintes. No final das contas, elas tensionam esses tópicos, mas acabam falando sobre liberdade, sobre autoaceitação e sobre se entender no seu próprio corpo.

“A vergonha, para mim, seria como aquela sensação de usar uma máscara para se esconder. E fazer esse disco não tem a ver com se esconder, é o oposto do que a vergonha era para mim, por isso eu vejo esse álbum como algo alegre e celebratório”, explica Oliver. E isso fica latente na forma com que as canções emotivas e sinceras de Oliver ganham delicadas camadas de som junto da linguagem de Jamie xx, que assina a produção completa do disco. Há em Hideous Bastard alguns sinais daquilo que já conhecemos do xx, mas há também uma festividade pop, um acenar aos anos 80, um outro olhar que mostra a personalidade do trabalho solo de Oliver.

Entre monstros e final girls

Além do disco em si, o trabalho audiovisual atrelado a Hideous Bastard é um capítulo à parte, especialmente pela parceria de Oliver com o cineasta francês Yann Gonzalez, diretor de longas como Os encontros da meia-noite (2013) e Faca no coração (2018). Desse encontro saiu Hideous, curta-metragem lançado esse ano no Festival de Cannes e que serviu de base para alguns dos videoclipes do disco. O filme apresenta Oliver como o convidado principal de um programa de entrevistas que acaba se transformando em uma sequência surrealista de terror queer.

E tudo começou porque Oliver é simplesmente um fã de filmes de terror e um fã de Gonzalez. “Eu comecei a conversar com o Yann não num sentido de ‘vamos trabalhar juntos’, mas sim como fanboy mesmo”, conta Oliver. “Eu consegui o contato dele e mandei um e-mail dizendo ‘Hi Mr. Gonzalez, my name is Oliver, eu sou muito seu fã, como você vai?’, essa foi a nossa relação durante um ano até que a gente começou a falar sobre trabalhar juntos”.

“Decidi experimentar e tentar tudo, tanto que as primeiras músicas que eu fiz são uma droga, são terríveis, nunca vou compartilhar elas com o mundo, mas, aos poucos, eu fui cometendo erros, aprendendo, e cometendo outros erros. E é meio como o xx começou, com erros positivos e limitações”

Essa parceria foi importante para a construção desse universo imagético do disco e também para o aprofundamento desses tópicos que Oliver traz dentro das canções. A metáfora, o surrealismo e a nonsense do horror podem ser possibilidades interessantes de se olhar para questões tão densas e tensas quanto o HIV, a solidão, o medo e a vergonha. “Eu fiz um disco que tem muitos significados para mim, mas eu não queria vender isso em uma embalagem que grita isso, não precisava ser algo cru”, explica Oliver.

“Eu amo o horror pelo fato de que ele pode ser obscuro e assustador, mas não é tudo no branco e no preto, ele pode ser absurdo, engraçado e cheio de significados, e eu queria apresentar esse disco com alguma fantasia, porque se eu pensar no cinema, a ficção pode ser tão rica em significados quanto um documentário, ela pode me ensinar tanto sobre o mundo lá fora. Eu acho que é importante a gente ter um pouco de fantasia, mais do que nunca, depois que passamos tanto tempo em nossas camas nos últimos anos, era o que eu queria”, finaliza.

“Eu acho que é importante a gente ter um pouco de fantasia, mais do que nunca, depois que passamos tanto tempo em nossas camas nos últimos anos, era o que eu queria apresentar no disco”

Para tentar entender um pouco mais do que encanta Oliver no cinema de terror, perguntamos quais seus filmes de horror preferidos. De cara, ele levantou seu computador e mostrou um cartaz de Carrie, a Estranha (Brian de Palma, 1976) em sua parede. “Carrie tem todos os elementos que eu amo: tem a raiva feminina, a final girl, a fantasia e realmente me assusta. Filmes de horror nem sempre me assustam, mas a mãe de Carrie eu acredito que é uma das personagens mais assustadoras já escritas”.

Oliver já deixou claro seu amor pelo cinema de terror e pelas final girls, por isso é ainda mais curioso que ele diga na faixa de encerramento do disco, “Run The Credits”, que ele odeia as princesas da Disney (“Disney princess, my God I hate them”). Mas ele explica o motivo: “eu não me via naqueles filmes, mais importante que isso, eu não queria me ver naqueles filmes, eles são chatos”.

“Uma das coisas que me levaram para os filmes de horror foram os personagens, por que os monstros são muito mais complexos e interessantes, bem como as final girls, como a Jamie Lee Curtis em Halloween ou Sigourney Weaver em Alien ou ainda Buffy, a Caça-Vampiros, essas personagens tem aquela feminilidade, aquela beleza, elas são sexys, mas elas também são poderosas e botam pra fuder. Elas têm atributos que talvez eu pensasse que tinha dentro de mim e que gostaria de usá-los. E agora se você olhar pro cinema atual, tem uma tendência de fazer filmes sobre as origens de vilões, por que eles se tornaram daquele jeito, eles não estão fazendo isso para as princesas da Disney, por que quem se importa como elas se tornaram aquilo? Chatas!”, finaliza Oliver.

Horrível, medonho, terrível: a face fofa de Oliver

O sangue, os monstros e as final girls são parte desse componente fantástico que envolve Hideous Bastard, mas fundamentalmente é um trabalho de um artista extremamente delicado e atento a seu mundo, suas fragilidades e seus medos. Oliver fala com carinho sobre Jamie, sobre Romy, o xx e todos que lhe cercam, bem como fala com brilho nos olhos sobre cinema, música e tudo que lhe apaixona.

É curioso que o medo e a vergonha o façam se sentir nesse universo do horrível, do tenebroso, por isso é tão belo ver sua arte desabrochar suas perspectivas mais delicadas sobre o mundo. No final das contas, Hideous Bastard nos transforma em interlocutores das histórias de Oliver, é como se nós fôssemos mais uma daquelas pessoas que a mãe dele disse “conversa com elas sobre isso antes”, e aí a gente escuta as coisas mais íntimas dele e nos deixamos levar pelas canções, como ouvintes confessionais.

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ARTISTA: Oliver Sim, The xx

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