nos bailes da vida: kassin

O produtor carioca relembra momentos de sua prolífica trajetória por estúdios e palcos, explica por que não se considera músico e fala dos 20 anos de “Ventura”

Loading

 

A série nos bailes da vida conversa com músicos, musicistas e artistas que, de show em show e de estúdio em estúdio, emprestam seu talento (a músicos, musicistas e artistas) por aí.

 

 

“Ó, esse aqui que tu tinha que entrevistar. Quer falar de músico, músico é isso aqui ó” – Kassin, já nos últimos minutos da entrevista, aponta a câmera em quem havia acabado de chegar, sorrindo, ao estúdio para uma sessão matinal em meados de março: Ivan Conti, o Mamão. Aos 49 anos, o carioca Alexandre Kassin tem uma agenda agitada e estrelada desde, pelo menos, a segunda metade da década de 1990, quando se dividia entre a banda Acabou La Tequila e a produção de trilhas para Você Decide, Zorra Total e outros programas da Globo. E ele define: “eu acho todo dia foda”. Com uma carreira em que mainstream/mercado e underground/alternativo se entrelaçam harmoniosamente, Kassin produziu de Caetano Veloso, Erasmo Carlos e Jorge Mautner a Mallu Magalhães, Vanessa da Mata e Los Hermanos. Clarice Falcão, Adriana Calcanhoto, Gal Costa, Nação Zumbi… “É engraçado que eu nunca tive uma constância em nada na carreira. A única constância é que teve certa inconstância”, brinca. “Cada um encontra o meu trabalho por uma razão diferente”.

Kassin foi fundamental para dar corpo a novas possibilidades pop na MPB durante os anos 2000 e segue uma linhagem de grandes e versáteis produtores da nossa música que remonta a Liminha, Lincoln Olivetti, Chico Neves, Tom Capone, Miranda, entre outros. O brilhante trabalho de Kassin como produtor renderia (e mereceria) um texto à parte, mas com um currículo tão diversificado, você deve imaginar porque ele também deve estar aqui, na série nos bailes da vida. “Eu vou contigo até onde eu conseguir, porque não me considero um músico”, diz ele. Eu mesmo, em novembro do ano passado e abril desse ano, o assisti tocando baixo (só) na banda de Jorge Ben Jor. Nos shows de Jorge Ben, ele substitui, vez ou outra, Guto, baixista oficial da banda, mas a lista de artistas com os quais Kassin já dividiu palco é longa: Los Hermanos, Vanessa da Mata, Lenine, Marcelo Jeneci – e se for para falarmos de dividir estúdios, essa lista triplica. Isso porque nem citamos a Orquestra Imperial e sua imparável porta giratória de talentos ou o trio +2, com Domenico Lancelotti e Moreno Veloso. Ainda assim, Kassin avisa: “Efetivamente, eu sou um artista diletante. Sou um produtor profissional e um artista diletante. Meu instinto como artista é amador, não é industrial”.

Aqui, as experiências no estúdio e no palco chegam misturadas, e o onipresente e discreto Kassin relembra momentos e encontros importantes de sua prolífica trajetória – do prédio em Copacabana onde tudo começou à primeira turnê com Lenine; dos 20 anos de Ventura à nova geração de músicos cariocas.

 

Por que você diz, mesmo brincando, que não se considera músico?

Eu falei na sacanagem [risos]. Não é isso, mas não acho que eu tenho o ímpeto de tocar se não for para fazer uma coisa específica. Um exemplo disso é que lá em casa não tem nenhum instrumento. Não toco em casa. Venho ao estúdio e passo o dia gravando. Obviamente toco muito aqui, mas não tenho aquela coisa assim de “caralho, tô há dois dias sem tocar baixo”, que meus amigos músicos têm. Eu não tenho esse instinto e nunca tive. Não fico obcecado por tocar. Tenho mais necessidade de escutar música do que de tocar. Acho que, se eu me aposentasse hoje, teria mais chances de eu virar DJ do que um músico de bar.

Eu gosto de fazer show, mas o que me dá prazer é quando a coisa tá realizada da maneira que eu tô pensando. Pensar uma coisa e realizar, ter as camadas de arranjo e a função daquilo dentro do que eu tô ouvindo. Acho que nunca fui esse músico usual, embora eu tenha acompanhado muita gente em shows. Tenho prazer de fazer isso, só acho que não sou aquele cara típico. Efetivamente, eu sou um artista diletante. Sou um produtor profissional e um artista diletante. Meu instinto como artista é amador, não é industrial.

Você produziu primeiro para o Lenine, né? E aí já saiu em turnê com ele…

Produzi algumas faixas do Na Pressão (1999), com Tom Capone e Berna, aí o Lenine me chamou para fazer turnê. Foi a primeira vez que o Lenine foi para fora para tocar. Posso tá enganado, mas não sei se foram duas ou três turnês, e a média de tempo era de dois meses. Ficava fora de casa uns dois meses. E ele queria montar uma banda mais jovem, eu tinha acabado de sair da Globo e tava animado. Foi a primeira vez que tive a oportunidade de viver uma coisa mais profissional como músico, tocando baixo.

Eu tô falando isso e parece que fiquei um tempão lá, mas foi talvez 1 ano e meio intenso. De tocar, viajar, voltar pro Brasil, fazer três shows… Aprendi pra caramba com meus companheiros de banda, com o Lenine. Pedro Sá, meu colega de colégio, tava nessa banda. Acho que foi ele que deu o toque no Lenine de que eu toparia e estaria disponível. Porque até então eu era alguém mais produtor, compositor de trilha, do que músico.

(Festival Levada 2018, Teatro Ipanema, Rio de Janeiro. Foto: Rogério von Krüger)

“Baixo e guitarra me atraem igualmente, não tenho uma distinção. Acho que passei por mais situações profissionais, com nível de exigência mais alto do instrumento, como baixista. Mas não me sinto mais um ou outro”

E você se considera baixista?

Olha, comecei tocando violão e, quando tinha uns 10 anos, comecei a tocar baixo. Meu professor foi o Edson Lobo, casado com a Tita Lobo, da época da bossa nova [vizinhos no andar de baixo em um prédio em Copacabana]. Me ensinaram muito. Era uma turma da bossa nova, então tive essa convivência muito cedo. Conheci Donato, Edu Lobo, Paulo Jobim, Wanda Sá… Na casa do Edson. Tenho essa lembrança desde muito cedo, foi parte da minha formação.

Só que depois ficou uma coisa engraçada. Porque a primeira coisa que eu fiz, profissionalmente, foi tocando baixo – e eu não acreditava muito em ser músico profissional. Eu já sentia esse ímpeto de ter o prazer mais de realizar do que fazer a parte de só tocar. Aí, no meio do segundo grau, enchi o saco completamente de tocar baixo e comecei a tocar guitarra. A guitarra foi uma coisa libertadora, dava uma sensação de que aquilo não tinha compromisso profissional e eu fui tocando. Os dois instrumentos me atraem igualmente, não tenho uma distinção. Acho que passei por mais situações profissionais, com nível de exigência mais alto do instrumento, como baixista. Mas não me sinto mais um ou outro. Na cabeça do Mauro, que trabalha aqui no estúdio comigo, eu sou um guitarrista que toca baixo. Tem percepções diferentes. Vai ter gente que vai falar “não, baixo ele toca mesmo e guitarra é uma merda” [risos].

Como tem sido tocar (baixo) com o Jorge Ben Jor? Eu assisti ao show no Rock The Mountain…

Eu tenho substituído o Guto, o baixista oficial. Aquilo [o RTM] foi um dos dias mais incríveis da minha vida, poder acompanhar aquele show. Dá uma alegria descomunal você fazer parte daquilo ali. Vão ter outros shows e eu tô animadíssimo.

Sou fã do Jorge Ben desde criança, então é um negócio inacreditável. E ao mesmo temo, essa medida de “sub” é ótima [risos]. Eu não tenho que estar lá todo fim de semana, substituo o Guto uma vez a cada um ou dois meses.

Como é para dominar o repertório do show do Jorge Ben?

Me mandaram um vídeo de um show recente e a base é mais ou menos aquela, mas não tem set list. Ele vai meio que puxando… A banda toca com ele há muito tempo. Então, o pessoal ficava me ajudando – “ele deve entrar naquela!” –, me dando uma força. Mas não fiz ensaio, só cheguei lá para tocar. Fiquei vendo esse vídeo, ouvindo Jorge Ben, trabalho tão duro [risos], ouvir a discografia do Jorge Ben, que coisa horrível. Fiquei lá sofrendo, ouvindo aqueles discos maravilhosos.

Eu sou tão fã que isso ajudou a não ter que pensar muito sobre a situação, porque, na verdade, sempre que tem show dele, eu vou. É um dos fundadores da música brasileira como a gente conhece. Para mim, é um orixá. Sempre tem que ir lá ver.

“O prazer que eu tenho é que os dias são diferentes. Se fosse só um tipo, eu ficaria entediado. E é o que me anima no estúdio também, os dias são sempre diferentes. Todo dia é do caralho”

(Foto: Paulinho Moska)

Você já produziu muita gente, de muitos gêneros diferentes. Com que frequência você também toca com os artistas que produz?

Como eu trabalho no disco, eu sei as músicas e às vezes, sei lá, a pessoa tem alguma necessidade. Mas, como fico muito no estúdio, é difícil pegar alguma coisa que seja constante. Toquei ao vivo com a Priscila Tossan, que gravei recentemente.

Com a Gal, ao vivo, nunca toquei; com a Zélia, também não, mas já gravei até não estando produzindo. Adoro a Zélia e adoro tocar com ela.

No caso do [Marcelo] Jeneci, era tipo “O Régis não pode ir, você pode?” E eu ia, fiz um ou outro show com ele. Mesma coisa com o Catatau. Com a Vanessa [da Mata], eu toquei mesmo. Dirigia a banda e tocava. Fazia os shows em capitais e festivais, ficava aparando qualquer eventual aresta, mas eu tinha a possibilidade de enviar outra pessoa.

“Tenho mais necessidade de escutar música do que de tocar. Acho que, se eu me aposentasse hoje, teria mais chances de eu virar DJ do que um músico de bar”

E com o Los Hermanos, na época do Bloco do Eu Sozinho (2001)?

Fiz alguns poucos shows. Fiz o do Rock In Rio, mas acho que isso foi antes de o disco sair. Teve esse momento em que o Patrick saiu e a gente ficou lá no sítio, vendo os arranjos, a coisa do disco novo. Então, eu já sabia tocar o disco novo, porque tava ensaiando para gravar. Aí aprendi mais algumas músicas e fui fazer os shows com eles.

Mas não foram muitos. Que eu me lembro bem tem o Rock In Rio, um show em Santos que acabou no meio por conta de uma porradaria coletiva. Uma pena porque o show tava super legal. Devo ter feito uns quatro ou cino, que foram pouco antes do disco sair. Tô chutando…

O Ventura completa 20 anos em 2023. O que você se lembra dessa produção? Você sentia na época que era algo especial?

Tem uma coisa engraçada sobre discos. A dimensão que eles ganham acontece depois que eles acabam. O lado onde eu trabalho, aqui no estúdio, é onde nada é nada ainda. Você pode falar “pô, essa música é legal, tem uma força”, mas a música vira outra. Você tem uma impressão legal de alguma coisa – e não acontece nada. Ou você tem uma impressão ruim de algo e aquilo vira muita coisa. A gente trabalha no lado da roda que é onde as coisas ainda não aconteceram. Tô falando um pouco do ofício, mas acho que isso diz bastante sobre o Ventura também. Gravando, a gente tava só se divertindo e os dias eram como outros quaisquer. A gente acordava, tocava, saía para comer depois, ficava rindo, comentava algo sobre o disco… Como é todo dia de estúdio. Você se diverte na feitura daquilo.

Eu gosto do disco todo e gosto muito do 4 também, que é um disco que as pessoas não comentam tanto. Acho, por exemplo, que o Bloco e o Ventura fazem parte do mesmo assunto. É como se o Ventura fosse um refinamento do Bloco, com instrumentais um pouco mais curtos, com aquela ideia do disco ser velado com poucos agudos. Tudo isso era uma coisa pensada a partir do disco anterior. Tipo “que que aconteceu naquele disco que a gente poderia fazer diferente?”. Muitas coisas do Ventura foram reflexões a respeito do disco anterior. E acho que o 4 não. O 4 aponta para uma coisa diferente, nova. Tem muitas coisas interessantes. Grandes momentos do Los Hermanos e as pessoas comentam pouco. Mas, assim, tenho carinho igual pelos dois. Tenho carinho por todos os discos que eu participei.

Essa década de 2000 foi meio mágica para você? Você produziu também o Eu Não Peço Desculpas (Jorge Mautner e Caetano Veloso) e foi a época da Orquestra Imperial, que reuniu muita gente boa…

Na verdade, eu acho todo dia foda [risos].

O que eu tô gravando aqui hoje eu acho foda. Acho foda tocar com Jorge Ben, ter tocado com o Erasmo. Acho incrível estar na idade que eu tô (acabei de fazer 49) e viver isso. Fazendo coisas todos os dias. Não acho que era melhor ou pior do que é agora ou nos anos 1990. É igual, vai mudando o tipo de apreciação. Vou te falar que teve muita gente boa. A Orquestra tá aí há 20 anos, teve altos e baixos também. A gente teve um primeiro momento que, sei lá, o Seu Jorge era o cantor. Aí ele saiu, foi morar fora. Aí a Talma era a cantora, foi morar fora. O Nelson Jacobina morreu, o Wilson das Neves morreu. Acho que quando tem uma amostragem de muitos anos, fatalmente tem altos e baixos. A Orquestra tá num momento muito bom, todos os shows tão incríveis, me anima muito tocar.

A Orquestra é tanta gente que não é uma coisa para ganhar dinheiro. Você faz para sair de casa e se divertir com os seus amigos. Que é o meu ímpeto até hoje. Eu saio para um show da Orquestra, grande ou pequeno, o cachê é quase o mesmo, porque divide por vinte e tantas pessoas.

Qual foi o show mais mainstream que você já fez? E o mais underground?

Isso é difícil responder. Já toquei no Rock In Rio várias vezes, no Fuji Rock e outros shows ao redor do mundo. E já toquei para três pessoas. Show com gameboy que começou com 50 pessoas e acabou com nenhuma, porque era muito alto. Na segunda música, já não tinha mais ninguém. Eu não tenho esse problema se tem gente ou não. O show do Jorge [Ben] não sei se é mainstream. Essa coisa do mainstream é muito dúbia. Tinha bastante gente, mas não é um show com aquelas exigências de show biz. Já fiz esses mais show biz à beça e vou te falar que tenho prazer igual nas duas coisas. Na verdade, o prazer que eu tenho é que os dias são diferentes. Se fosse só um tipo, eu ficaria entediado. E é o que me anima no estúdio também, os dias são sempre diferentes. Todo dia é do caralho.

Você faz parte de um “underground” carioca muito talentoso, com Pedro Sá, Alberto Continentino, Domenico Lancelotti… E existe uma galera mais nova – Guilherme Lírio, Ana Frango, Antonio Neves –que segue também essa onda de misturar MPB com pop, alternativo, grooves, jazz e tudo mais. O que você acha que o Rio de Janeiro tem a ver com isso?

Cara, não sei. Acho que aqui tem uma cultura local interessante que já acontecia antes de eu nascer. Cada geração tem seu norte. Ana, Guilherme Lírio, Antonio Neves. Acrescentaria também o Thomas Harres, o Negro Leo, o Vovô Bebê, como parte dessa ideia. É uma turma que tem isso em comum. Gosta de MPB, de bossa nova, de jazz, de música experimental… E aqui você tem essa possibilidade. Pô, o Antonio Neves é filho do Eduardo Neves, que tocava com o Hermeto. Ele é musical mesmo, ele até finge que não é. Tem esse lance de você ter a possibilidade de tocar com essas pessoas e estar na área.

Gosto muito dessa turma. Adoro Ana Frango, lembro do primeiro show que eu vi. O meu estúdio é em cima de uma casa de show, Audio Rebel, que é onde essa galera se fez, foi o primeiro lar de muitas dessas pessoas. O Guilherme tinha uma banda chamada Exército de Bebês, tinha a gente do + 2 e a turma que tocava nos discos – Alberto Continentino, Danilo Andrade, Stéphane San Juan, Guilherme Monteiro… A gente tinha o Cometa e, quando eu fazia meus shows, eles me acompanhavam (menos o Guilherme, tinha uma guitarra a menos). Quando vimos eles tocando, deviam ter 18, 19 anos. Eles vinham em todo show, tentavam tocar as músicas. A gente percebeu que eles tinham uma admiração por aquilo. Então, meio que, sei lá, o Stepháne pegou e começou a dar aula pros bateristas. Aí o Guilherme e o Yuri começaram a tocar com o Alberto. Ou quando tinham um show que Alberto não podia ir, indicava um deles para ir no lugar.

Era uma coisa parecida com a Orquestra Imperial, ou parecida com o Du Amor. Uma geração intermediária. O Du Amor era uma galera mais nova que a gente e todos eles começaram a tocar meio que com a gente e fizeram parte desse braço no Rio de Janeiro, entraram pra nossa turma. Isso me dá uma alegria fodida, porque é muito legal ver uma coisa continuando e gerando novas aberturas.

O que você tem ouvido de bom? Coisas recentes ou antigas…

Deixa eu abrir o Tidal aqui, que aí te digo o que tenho ouvido mesmo. Gostei desse Ginger Root. Do Cashmere Cat, o nome do disco é Princess Cat Girl. Gosto do duo 100 gecs e de uma banda chamada Clipping. Gostei do disco novo do Lil Yachty, muito bom. De coisa antiga, eu tenho ouvido muito um jazz russo, chama Melodia Ensemble.

Loading

ARTISTA: Kassin