nos bailes da vida: thaís andrade

A musicista paulista relembra sua trajetória que foi do piano à sanfona, do sertanejo ao pop e de palcos improvisados em mesas de bilhar ao Rock In Rio

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Fotos: Marina Dias/Programa Quarta Show

A série nos bailes da vida conversa com músicos, musicistas e artistas que, de show em show e de estúdio em estúdio, emprestam seu talento (a músicos, musicistas e artistas) por aí.

 

Quando Thaís Andrade, de 38 anos, ia para a igreja católica com seus pais, seu olhar ia direto e pousava na banda. Em especial, em um instrumento imponente, dramático e diferente dos demais. Nem cordas, nem percussão, mas um pouco dos dois: o piano. Logo, seus pais perceberam o fascínio e compraram um teclado de brinquedo para que ela pudesse explorar mais essa diversão. Thaís chegava da missa e, como numa brincadeira de mímica, tentava tocar o repertório que ouvira minutos antes, mas não só. Suas grandes companheiras de aventura à tarde eram as fitas cassete do Elton John que ela pegava para ouvir no carro do pai por horas. E parecia que tudo voltava para este instrumento enigmático, tanto na sua imponência sagrada, eclesiástica, quanto na sua rebeldia profana do pop. Com 11 anos, Thaís começou as aulas de teclado e, hoje, ela completa um ano em turnê com a Luísa Sonza. Parece que, no fim, a rebeldia venceu.

Thaís tinha uma determinação para ser musicista. Tocou em sua festa de 15 anos e, no ano seguinte, se juntou a uma dupla sertaneja que acompanharia por mais quatro anos. Até que uma nova paixão surgiu, com toda uma sorte de novos desafios: a sanfona. Enquanto a mão direita de Thaís continua sendo o teclado, a esquerda teve que correr atrás de novos timbres, movimentos e sincronizar o abre e fecha da sanfona junto com tudo isso. A tecladista foi da banda oficial do Villa Country por 10 anos, acompanhando os músicos da casa, antes de começar a acompanhar artistas grandes como Wanessa Camargo e Luísa Sonza.

Ouve de tudo — de bandas de metal melódico ao pop mais mainstream que você conseguir imaginar, Liniker pelo coração e Dua Lipa pelo trabalho, além de muito César Camargo Mariano e Elis Regina como herança do seu tempo no conservatório. Seja para absorver referências do mercado musical em que trabalha, seja para aprofundar seus estudos sobre timbres, Thaís é aquela pessoa que está sempre buscando mais do que não ainda não sabe, o que é quase um estado constante de estar prestes a descobrir algo novo. Como a agenda de Sonza é cheia, tem sido difícil acompanhar outros artistas, mas Thaís se divide entre as turnês e um programa musical chamado Quarta Show, no qual ela é co-apresentadora e DJ. Em abril, a tecladista e sanfoneira terá sua estreia como produtora musical de uma banda de queernejo, Mel & Kaleb.

 

Então, você já tocava teclado desde a infância, mas como a sanfona chegou para você?

Eu toquei por algum tempo com uma dupla sertaneja. E essa dupla uma vez chegou com uma sanfona velha, toda arregaçada, e deram pra mim, falaram: ó, a gente comprou aqui de um cara, tenta aprender isso daí porque se virar vai ser muito bom pra você e vai ser bom pra gente. ‘Se você aprender a tocar, não vai faltar trabalho pra você.’ E aí eu fui aprender. Fiz umas aulas e fiquei tentando aprender sozinha também, já levando no show, sem nem saber muito bem tocar. Assim eu fui me apaixonando pelo instrumento e estou apaixonada até hoje. A sanfona é um instrumento bem completo porque tem esse lance físico, é pesado, tem 13 kg, 14 kg, às vezes. E assim: a mão direita é uma coisa conhecida, você toca ali igual você toca no teclado, só que você tem uma visão diferente. Já a mão esquerda é completamente diferente. São os baixos, né? Além disso, coordenar a mão direita, a mão esquerda, o peso e abrir e fechar o instrumento é uma coordenação que leva um tempo para aprender, se adaptar.

É engraçado que meus pais sempre me incentivaram, me colocaram na aula de teclado, mas quando começou essa história das sanfonas, eles foram contra, por conta do peso. Minha mãe falou que eu ia arregaçar minha coluna, o que seria muito ruim para mim. Depois ela foi se acostumando e hoje ela ama, né? E, de fato, minha coluna não é muito boa demais.

Tem um músico ou uma musicista que te inspirou a começar a tocar?

Cara, sim. Muito por influência dos meus pais porque eles ouviam muito música. Então, meus pais tinham fitas do Elton John, do Richard Clayderman, que hoje em dia eu acho super brega, mas eu achava o máximo né? Aquele som de piano, aquela coisa, então eu cresci ouvindo Elton John e queria aprender a tocar aquilo. Lembro de pegar as fitas dos meus pais e ficar dentro do carro pra ouvir, ficava ouvindo um tempão assim ó, curtindo um barato. Claro que, ao longo do tempo, as referências vão virando outras, a gente vai conhecendo mais coisas e até por conta dos clássicos dos instrumentos que você toca também. Então, hoje, eu gosto desde Elton John até Dominguinhos, Luiz Gonzaga, Oswaldinho do Acordeon, César Camargo Mariano, Chick Corea.

“Já toquei em cima de mesa de bilhar. Não tinha palco. O palco era a mesa de bilhar. Botecão mesmo, com bolovo e torresmo e sem palco. E, no final, o cara ainda virou e falou para desmontar as coisas rapidinho porque a região era perigosa e podiam roubar o equipamento”

Quais músicos você acompanha?

Eu estou em turnê com a Luísa Sonza faz um ano, inclusive fez um ano ontem, risos. Mas eu já acompanhei a Giulia Be, Wanessa Camargo e BFF Girls, que é um grupo de adolescentes bem legal. Fiz bastante coisa de pop e já toquei algumas em alguns eventos, né? Na Festa da Música, por exemplo, já aconteceu de eu tocar com a Marina Lima, Sandra de Sá, e tem o WME, que proporciona um espaço para a gente tocar com artistas fodas, já toquei com Margareth Menezes, Bia Ferreira, Majur, Ana Canhas…Nossa, tá louco, não tem nem o que falar.

E me fala uma música especial do repertório dos artistas que você acompanha hoje?

Da Luísa, eu gosto muito da “Melhor Sozinha”, que é uma música em que eu toco sanfona. Ela é uma música muito bonita, tem uma letra muito bonita, uma melodia, uma harmonia que mexe bastante comigo. Da Wanessa tem várias músicas legais, mas eu acho que o maior lance de tocar com ela era que eu tinha esse trabalho de buscar timbres e estudar mesmo, o que eu gostava muito. Acho que “Não Resisto a Nós Dois” era minha favorita do show. Das BFF Girls, acho que “Com Você” e da Giulia Be é “Too Bad”.

Qual foi seu show mais underground, mais mocado, com pouca gente ou perrengue?

Nossa, tenho várias história engraçadas, várias. Eu já toquei em cima de mesa de bilhar. Não tinha palco. O palco era a mesa de bilhar. Foi em um botecão mesmo, um botecão com bolovo e torresmo e sem palco. E, no final, o cara ainda virou pra mim e falou para desmontar as coisas rapidinho porque a região era perigosa e podiam roubar o equipamento da dupla.

Já toquei em lugar que não tinha ninguém. Ninguém. Só os funcionários. Eu cheguei, jantei, passei o som e fui embora porque não chegou ninguém. Já toquei também — e isso não faz tanto tempo, faz cinco ou seis anos — em boteco com o ar condicionado pingando na minha cabeça e no meio da minha sanfona. Eu tocava uma nota, pegava uma toalhinha, enxugava a sanfona e continuava tocando.

Aconteceu uma coisa com a Wanessa também quando a gente foi tocar no festival Milkshake. Festival massa, com um monte de artista legal no line-up, o show estava incrível, com bailarino, sonzaço. Só que o evento atrasou, então tudo estava atrasado. Nossa entrada já foi muito atrasada e quando faltavam tipo dez músicas para o show acabar, pediram para a gente parar pra entrar outro artista. A Wanessa não queria parar porque estava massa, todo mundo curtindo. Os caras ficaram fazendo sinal para a gente parar, tem que parar, tem que parar, e ela não parou. Cortaram o som e desligaram as luzes. Cortaram o microfone dela. Tiraram os cabos. A gente estava em cima do palco e começaram a empurrar a gente para fora. Foi muito desrespeitoso.

Esses dias mesmo a Luísa ficou horas no aeroporto porque teve um problema no voo, ela ficou oito horas no aeroporto esperando, sabe? A gente já dormiu no chão do aeroporto. Mas isso são coisas que não tem como controlar e acontecem independentemente do tamanho do artista.

“É óbvio que tem que ser esforçado e tocar bem, mas se você não for gente boa, não vai se manter. Cumprir com as coisas, respeitar seus colegas… Chegar no horário, sabe? E tem que ter um bom psicológico porque você acaba se abstendo de muita coisa da sua vida. Perde festas, aniversários, ano novo, e manter relacionamentos se torna mais complicado. Então, basicamente, seja gente boa, toque bem e faça terapia”

E qual que foi o seu maior show?

Tem dois que me vem logo à cabeça. O primeiro foi no Vale do Anhangabaú com a Luísa na Virada Cultural, que foi um show para 120 mil pessoas. Show gigante e a galera muito animada. Outro showzão foi o Rock in Rio do ano passado, simplesmente incrível. E recentemente teve o trio elétrico com a Luísa Sonza também. Teve sei lá quantas mil pessoas, tinha muita gente, e esse dia foi meio perrengue também porque estava uma chuva do caramba e começou a pingar dentro do trio, molhar a mesa de som, a gente puxando água e o show rolando. A Luísa toda molhada e o microfone parando, uma loucura.

E, para você, o que uma pessoa tem que ter pra ser um músico de gig?

Acho que ser gente boa né? Tocar bem é o mínimo. É óbvio que você tem que ser esforçado, tocar bem, ter um bom instrumento, mas se você não for gente boa, você não vai se manter. As pessoas não vão conseguir trabalhar com você. Então, não adianta você ser bom pra caramba, tocar pra caramba, ter instrumento top, ter estudado em Berkeley — não importa. Você precisa ser gente boa, que cumpre com as coisas, que respeita seus colegas, que chega no horário, sabe? E, assim, tem que ter um bom psicológico porque você acaba se abstendo de muita coisa da sua vida. Você perde festas, aniversários, ano novo e manter relacionamentos se torna mais complicado. Então, basicamente, seja gente boa, toque bem e faça terapia.

Qual foi a última música ou o último artista que te deixou completamente obcecada?

Ai! Vou falar de brasileiro aqui. Acho que Liniker. Acho ela uma artista muito talentosa com um repertório incrível. Eu já fui a alguns shows, a banda incrível e é o tipo de sonoridade que acho foda. Eu conheci de verdade em 2019 quando eu fui tocar no Rock in Rio também com outra banda, que era uma Big Band, e nessa Big Band eu conheci a minha atual noiva, que é apaixonada pela Liniker. Ela que me apresentou e a gente ouviu muito nessa época, então acabou sendo uma coisa muito marcante pessoalmente também, além do lado musical. Inclusive, nesse Rock in Rio do ano passado, eu comprei ingresso pra ver a Liniker e, quando começou a tocar “Intimidade”, eu pedi minha namorada em casamento.

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