O inferno e o renascimento de Bully

Em entrevista ao Monkeybuzz, Alicia Bognanno reflete sobre a trajetória que a levou até “SUGAREGG”, terceiro disco de seu projeto autoral

Loading

Fotos: Angelina Castillo

Antes de se debruçar nas faixas de SUGAREGG, lançado em agosto, Alicia Bognanno sabia que queria experienciar um processo de gravação diferente do que fez nos dois primeiros trabalhos de seu projeto Bully. A artista norte-americana escreveu, produziu e foi responsável pela engenharia de som em Feels Like (2015) e Losing (2017). No novo registro, gestado há três anos, o experiente produtor John Congleton cuidou da parte técnica e, assim, Bognanno conseguiu se dedicar aos detalhes criativos. Há mais de 30 anos produzindo por aí, Congleton já trabalhou com todo mundo, de St Vincent, Angel Olsen, Vagabon, Sharon Van Etten, a até mesmo Modest Mouse, War on Drugs e Explosions in the sky.

A conexão entre eles foi instantânea, como Bognanno diz em entrevista ao Monkeybuzz: “Assim que a gente conversou no telefone já fiquei mais tranquila. A gente tem algumas coisas em comum e me senti confortável para dizer o que estava buscando”. Com quase 30 faixas gravadas em fita, entre sessões nos estúdios Pachyderm (Minnesota) e Palace (Toronto), a frontwoman passou por um extenso processo de edição para entender o que realmente caberia no disco.

O maior medo da artista era mudar como o seu projeto seria visto. “Sentia que a engenharia era uma grande parte da história da Bully e que não soaria bem com os fãs – o que não foi o caso. O que aconteceu foi que tive um processo muito mais prazeroso, ao conseguir focar na música e não me preocupar tanto com os detalhes da gravação”, conta a guitarrista. Para contextualizar: Bognanno nasceu no subúrbio da cidade de Minneapolis, capital do estado do Minnesota, onde começou a dar os primeiros passos no mundo dos estúdios. Entrou em uma faculdade no Tennessee para continuar estudando áudio, além de começar a dar os primeiros passos na guitarra.

Depois desses experimentos iniciais, estagiou no Electrical Audio, o estúdio do produtor Steve Albini, em Chicago. Bom, Albini é velho de guerra, figura carimbada dos anos 1990, trabalhou com Nirvana, Pixies, PJ Harvey, entre muitos outros, e é também conhecido por ajudar a moldar a sonoridade do Rock Alternativo. Albini disse à NME em 2015 que não existia ninguém mais esforçada do que Alicia: “Ela foi a melhor estagiária que a gente já teve, uma alegria de ter no estúdio. Se todo mundo trabalhasse duro como ela, todo mundo teria hits”.

“Sentia que a engenharia era uma grande parte da história da Bully e que uma mudança não soaria bem com os fãs – o que não foi o caso. O que aconteceu foi que tive um processo muito mais prazeroso, ao conseguir focar na música e não me preocupar tanto com os detalhes da gravação”

Ou seja, desde o primeiro disco, Bully é onde Alicia consegue extravasar suas angústias e testar o que aprendeu com um dos caras mais prestigiados da música americana – os dois primeiros discos foram gravados em Chicago. Então, por mais que a cantora tente fugir das comparações com as bandas dos anos 1990, esse legado acaba sendo bem real em seu trabalho. Não só pela sonoridade, muito influenciada pelo som de bandas como The Breeders, mas também por preferir optar pelo processo analógico de gravação, lançar pelo selo Sub Pop, entre outras coincidências.

Por exemplo, o estúdio Pachyderm foi espaço de criação para discos como In Utero e Rid of Me, ambos lançados em 1993 por Nirvana e PJ Harvey, respectivamente. “Cresci em Minnesota então amei a ideia de voltar para fazer um álbum. Essa foi a razão principal, e também porque o estúdio fica no meio da natureza, um lugar lindo. Não teve muito a ver com o histórico, descobri a maior parte disso quando já estava lá”, explica sobre a mudança.

Em diversas ocasiões, essas ligações acabam rendendo analogias entre Bully e o Grunge – paralelos sem muito sentido, segundo a própria artista. Ela cita Mannequin Pussy como uma das bandas com as quais consegue relacionar o seu próprio som, algo que transita entre o Rock Alternativo e o Pós Punk. As comparações com Courtney Love pipocam na imprensa americana desde o primeiro lançamento, levando Alicia até o Hole, grupo que, como ela disse no passado, não escutava: “acho que eles falam isso porque sou loira e grito, mas vejo apenas sexismo”.

Menos interessada no que já foi feito, Alicia propõe um registro honesto sobre suas experiências, se tornando uma das vozes mais potentes da nova geração de compositoras americanas. Inclusive, assinou as músicas do filme Her Smell (2019), obra do diretor Alex Ross sobre uma banda fictícia chamada Something She, com a atriz Elisabeth Moss interpretando a vocalista. O projeto paralelo deu fôlego extra para a guitarrista pensar em seu terceiro disco como Bully.

O reconhecimento pelo mercado e o apoio dos fãs, somados ao tratamento apropriado para o transtorno bipolar 2, foram fatores cruciais para seu “renascimento” artístico. Longe dos ciclos de paranoia e insegurança, ela se sentiu livre para compor as novas músicas. A confusão de sentimentos ainda existe, mas vem acompanhada de algumas certezas. Na faixa acelerada “Not Ashamed”, Alicia diz que está satisfeita com a pessoa que acabou se tornando.

Já o título do disco surgiu antes das próprias músicas, quando viajava no arquivo da NPR e descobriu uma matéria sobre um homem que guardou um ovo de açúcar durante décadas até ele se desfazer. “Gostei da história do sugar egg, porque o objeto durou uma vida toda, além de que as palavras soam bem juntas e também causam confusão, muitas pessoas nunca viram um”, diz sobre a escolha. Afinal, as incertezas também fazem parte da vida e a artista está em paz com todas as fases desses processos.

Loading

Autor: