Premeditando o Premê

Grupo fundamental da Vanguarda Paulista tem seus discos relançados em box especial. Aqui, um guia para que você redescubra essas obras

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Fotos: Capa do disco Premeditando o Breque/Alexandre Nunis

Um dos primeiros compactos do Premeditando o Breque trazia na capa: “obs: o Premeditando o Breque tá virando o Premê”, previsão que se confirmou: seus cinco discos chegaram agora aos sistemas de streaming com o apelido que virou nome. Essa chegada da banda aos meios digitais é uma parte do projeto “Caixinha do Premê”, em que o Selo Sesc resgatou os 6 discos da banda e mais um disco de raridades, em edição luxuosa, que remonta a história do grupo que é uma lição fundamental de independência e criatividade.

Surgido em 1976, entre amigos estudantes de música na ECA, o Premê acabou se filiando ao universo independente da Vanguarda Paulista, movimento que misturou artistas diversos como Arrigo Barnabé, Itamar Assumpção, Tetê Espíndola, Grupo Rumo, Língua de Trapo e Ná Ozzetti. Eles passaram por diferentes formações, mas seu núcleo central é formado pelo quarteto: A. Marcelo Galbetti, Claus Petersen, Mário Manga e Wandi Doratiotto – esse último é conhecido por ter apresentado, durante anos, o excelente “Bem Brasil”, na TV Cultura.

O Premê teve o apoio de artistas como Lulu Santos, Arrigo Barnabé e Caetano Veloso, mas, mesmo assim nunca conseguiu furar a bolha do underground: a clássica “São Paulo, São Paulo” se tornou hit, mas foi filha única. Já a debochada “Rubens”, censurada nos anos 1980, ganhou sobrevida com regravação de Cássia Eller nos anos 1990. De todo modo, a repercussão da banda sempre parece inferior a sua capacidade. Com uma qualidade primorosa em misturar gêneros, indo do Rock ao Samba (o que comprova o tal “breque” do nome original da banda), passando por desconstruções em torno da música clássica e canções populares icônicas ou mesmo experimentações instrumentais, o Premê se destaca por um humor ácido, de fina ironia sobre temas diversos da sociedade.

O lançamento da “Caixinha do Premê” é mais um importante passo do Selo Sesc em torno da Vanguarda Paulista, visto que esses artistas atravessam a história do próprio Sesc em São Paulo. Neste ano, o selo lançou um disco de inéditas do Grupo Rumo e, em 2010, haviam criado a “Caixa Preta”, com toda a discografia de Itamar Assumpção. Esse especial do Premê, evidentemente, faz parte desse projeto de resgate e mediação histórica. Ricardo Tifona, produtor do selo, ressalta que há neste lançamento “uma preocupação gráfica grande, contando com material impresso com as letras, as informações dos trabalhos… Tudo para que o consumidor tenha um conjunto repleto de informações preciosas”.

Premeditando o Breque, 1981

A estreia

CD Premeditando o Breque

Algumas das marcas fundamentais da banda já aparecem neste debut. Aqui estão a postura debochada, a brincadeira com diferentes gêneros musicais e as sonoridades e poesias sem reverências caretas. “Esse disco foi feito de forma totalmente independente”, explica Manga. “Muitos dos nossos amigos nos ajudaram nas gravações.” Mario conta que, mesmo com as ousadias e invencionices do grupo, algumas músicas ainda fizeram certo sucesso. É o caso de “Fim de Semana” e “Marcha da Kombi”, “foi assim que começamos a criar um público que passou a nos acompanhar.” O seu agradecimento fica ao jornalista Maurício Kubrusly que, diferentemente da maioria, não se intimidava em colocar o Premê para tocar nas rádios e ajudou muito nesse começo.

Ouça: “Feijoada Total”, “Nunca” e “Fim de Semana”

Quase Lindo, 1983

Um hit para chamar de seu

CD Quase Lindo

“Esse é, com certeza, nosso disco de maior sucesso”, afirma Manga a respeito do LP que rendeu um de seus poucos hits radiofônicos, a curiosa “São Paulo, São Paulo”. “Nossa ideia inicial era lançar ‘Mascando clichê’ nas rádios, mas quando levamos uma três músicas para os radialistas, eles falaram que o melhor era tocar ‘São Paulo, São Paulo’”. Inspirada pela clássica “New York, New York”, a canção tornou-se símbolo da metrópole paulista, mas Quase Lindo vai muito além da fama desta faixa. Ele traz alguns dos momentos de Samba mais interessantes do Premê e boa parte de suas letras funcionam como pequenas “comédias de costumes” sobre a enigmática (e cômica) figura do paulistano. Aliás, nesta nova edição, duas faixas que haviam sido censuradas foram recolocadas na tracklist.

Ouça: “São Paulo, São Paulo”, “Sempre” e “Mascando Clichê”

O Melhor dos Iguais, 1985

Fracasso brilhante

CD O Melhor dos Iguais

Depois de uma turnê no Rio de Janeiro, a banda conheceu Lulu Santos. “Foi uma troca muito boa! Foi ele que levou a gente até a gravadora EMI, que topou produzir o nosso novo disco”. Lulu, que estava trabalhando com os Titãs no disco Televisão (1985), também se responsabilizou pela produção deste LP do Premê. “Tínhamos toda a liberdade do mundo. Tanto que chamamos muitos convidados: Arrigo Barnabé, Caetano Veloso canta em uma faixa… Achamos que ia ser um estouro”, relembra Manga. A expectativa, no entanto, foi frustrada: O Melhor dos Iguais vendeu menos que Quase Lindo. “Algumas faixas até aconteceram na rádio como ‘Lua de Mel’, mas, mesmo assim, o disco não fez o barulho que esperávamos”. A música em questão era uma brincadeira com a poluição alarmante da cidade de Cubatão. Mesmo assim, acabou virando trilha de novela da Rede Globo. Uma faca de dois gumes: se por um lado o Premê ganhou um novo público, os alternativos que os ouviam na época acharam que a banda estava “se vendendo”. De todo modo, apesar da qualidade estética o disco teve uma repercussão, no mínimo, estranha. Cabe a nós, agora, verdadeiramente redescobri-lo.

Ouça: “Lua de Mel”, “Bem Brasil” e “Balão Trágico”

Grande Coisa, 1986

Dizendo o indizível

CD Grande Coisa

“Era 1986, a censura já tinha acabado. Mas, ainda havia uma ‘censura de costumes’”, explica Manga. Em Grande Coisa, estava a faixa “Rubens”, em que um homem declara sua paixão por outro homem – chamado Rubens, evidentemente –, que foi censurada. “Com dor no coração, eu fiz outra versão, uma versão ‘hétero’. Ainda assim, ‘Rubens’ estava no disco, podíamos tocar nos shows, mas era proibido reproduzi-la nas rádios”. Anos depois, entretanto, Cássia Eller veio falar com Manga para regravar a faixa. “Ela disse que ia ficar legal. Nós topamos e ela fez aquela coisa maravilhosa.” Além de “Rubens”, outras duas músicas foram censuradas neste disco (“Espinha” e “Império dos Sentidos”). Grande Coisa é cheio de ironia e tem um olhar duro sobre o Brasil dos anos 1980: sobram críticas à falta de combate à fome e à pobreza, ao moralismo frente ao sexo e aos radicalismos doentios do neopentecostalismo. Tratava-se de um Brasil que não conseguia ouvir a verdade sobre si mesmo (problema que ainda enfrentamos e que torna o disco ainda mais atual).

Ouça: “Pode vir crente que eu estou fervendo”, “Rubens” e “Império dos Sentidos”

Alegria dos Homens, 1991

Independência ou morte

CD Alegria dos Homens

Neste disco, o Premê já estava de volta a São Paulo. “Continuamos independentes, no nosso próprio estúdio, desta vez. É quase um álbum caseiro”, diz Manga sobre o LP considerado um dos mais maduros da banda. “Ele começa com essa versão de ‘Ronda’ [Paulo Vanzolini] que é algo entre o Heavy Metal e a música regional. Nem tem como explicar, tem que ouvir!” Alegria dos Homens é experimental, mas, ao mesmo tempo é o momento em que a conversa com o Rock e Pop assume contornos bastante coesos. Assim, o álbum é uma boa porta de entrada para quem que descobrir a importância da banda.

Ouça: “Ronda”, “Father”, “Falam demais” e “Feche a porta da direita com muito cuidado”

Vivo, 1996

Um acústico à moda do Premê

CD Vivo

“Foi gravado em São Paulo, em duas noites no Centro Cultural Monte Azul, numa espécie de acústico”, explica Mario. Em 1996, o Acústico MTV estava começando a se firmar no mercado fonográfico e a versão Ao Vivo do Premê explora toda a sofisticação musical do grupo. Tanto que há muitos números instrumentais, alguns até inusitados, como a versão de “Killing Me Soflty With His Song”, de Charles Fox e Norman Gimbel. Com o acompanhamento do Quinteto Paulistano de Cavaquinhos em algumas faixas, esse ao vivo dá bastante atenção ao Samba à moda Premê, além de revisitar clássicos como “São Paulo, São Paulo” e “Rubens”. Ponto alto desse show é uma versão completamente inusitada de “Give It Away”, do Red Hot Chili Peppers, que precisa ser ouvida para ser entendida.

Ouça: “Brasileirinho”, “Carrão de Gás”, “Give It Away” e “Rubens”

Como vencer na vida fazendo música estranha, 2019

Remexendo o baú

CD Como Vencer na Vida fazendo Música Estranha

A mais recente investida do Premê está repleta de ineditismos. “Tem raridades, algumas canções que foram censuradas e até outras que regravamos recentemente para colocar aqui”, conta Manga. “Além disso, tem uma versão ao vivo de ‘Casa de Massagem’ – censurada na época –, assim como ‘Zuleika e Gaspar’.” A compilação conta com alguns dos momentos mais ácidos (e até controversos) da banda. Até piada com Golden Shower – tema que, curiosamente, dominou a política neste ano – dá para encontrar em “Casa de Massagem (Depois que perderam tudo)”. Trata-se de uma nova versão de “Casa de Massagem (Quando eles eram pobres), que também está no disco. Audição obrigatória.

Ouça: “Filme Triste”, “Macho OK” e “Casa de Massagem”

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