Sharon Van Etten: Íntima e Pessoal

“A única forma de eu me expor mais seria lançar meus diários”, revela cantora em passagem pelo Brasil

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“Você parece meu primo Ryan”, me disse Sharon Van Etten no momento do tchau após meia hora com alguns representantes da imprensa em São Paulo, uma das duas cidades em que ela se apresenta nesta sua primeira vinda ao Brasil. A atitude de vir comentar minha semelhança com alguém de sua família revela mais do que sua própria simpatia: Denota também sua capacidade de se ligar aos outros. É como se ela e sua arte tivessem uma postura ativa para se conectar – algo que seus fãs percebem a partir de suas músicas.

Norte-americana de Nova Jersey, Sharon já possui quatro álbuns em sua discografia, iniciada em 2009, além do EP I Don’t Want to Let You Down, lançado nesta semana. Desde o começo, seu tom confessional em letras sempre muito pessoais que narram com grande honestidade principalmente suas desilusões amorosas, o que sempre causa uma enorme empatia no ouvinte (o famoso fator “quem nunca?”). Conhecê-la pessoalmente é aceitar de vez que o conteúdo de suas músicas revelam de fato a mente e coração por trás delas.

“Há dor verdadeira nessas canções”, ela comentou sobre seu trabalho, quando questionada pela identificação do público com sua melancolia. “É difícil ouvi-las às vezes, e também é difícil cantá-las às vezes”, confessa, “Estou no show tocando e, no meio de uma música, eu engasgo. São sentimentos reais sobre alguém com quem me importo, com quem me importei profundamente. Elas são muito pessoais e me perco nelas às vezes”.

Sharon revela que isso acontece quando o público não faz muito barulho (o que não deve acontecer no Brasil, sabemos) – “Eu sinto que não estou falando com ninguém e começo a pensar nas músicas”. Já nos shows com maior interação da plateia, a atmosfera é outra: “Posso me divertir com a banda, ao pegar algo [triste] e torná-lo algo diferente. A interação com o público é importante pra mim também. Gosto de conhecer pessoas e conversar com elas, sinto que [no show] estamos só curtindo nossa companhia”.

Parte de seu interesse em lançar suas músicas parece vir do quanto ela sabe que isso impacta outras pessoas. Em um primeiro momento, porém, Sharon escreve músicas para si mesma. “É uma forma de terapia”, ela diz, “Eu fico tocando e cantando por uma hora enquanto gravo tudo. Depois de dias, semanas ou meses, volto e analiso o que eu disse, tento identificar as partes que são mais ideias gerais. Se for algo que posso compartilhar, aí eu trabalho na faixa. Mas, se foi só um momento para eu me sentir melhor, eu guardo pra mim”.

Por falar em terapia e em fazer músicas que impacte as pessoas, ela revela ter vontade de voltar à faculdade e se formar como psicóloga para entender melhor seu próprio processo criativo e ir além com o que suas composições já fazem nos outros. “Eu adoro conhecer pessoas novas, mas às vezes elas me contam coisas que são muito intensas de se ouvir, principalmente depois de ter tocado uma hora de show”, conta, “por outro lado, essas músicas ajudaram-nas a crescer”. Quando pergunto, ela concorda que essa liberdade de abrir suas vidas à cantora tem a ver com sua própria exposição em seu trabalho.

“Desde o começo, eu não quis ter uma banda com outro nome. Sou eu, essas músicas são eu. Eu não sou um personagem, ou uma rockstar. A única forma de eu me expor mais seria lançar meus diários – e eu quero estar morta antes disso acontecer”, brinca. Aliás, mesmo quando ela faz alguma piada no meio da entrevista, nada parece destoar de quem ela demonstra nas respostas de temas mais sérios, dos discos e, veremos, no palco – no Rio de Janeiro no dia 11 e em São Paulo, 12.

Esse seu fator humano na pessoa de Sharon Van Etten é o que vem na frente, seja quando ela fala que está feliz de estar no Brasil porque adora comer e dançar, ao conversar olhando nos olhos, quando diz que nao se acha fotogênica ou quando seus olhos enchem-se de lágrimas ao comentar a inspiração dolorosa de seus discos. De alguma forma, suas músicas conseguem passar isso e é daí que a empatia vem.

Pouco tempo depois do tchau e do “você parece meu primo”, nessas coincidências que São Paulo nos dá, nos encontramos na rua. “Manda um oi pro Ryan”, eu digo, e ela joga a cabeça para trás na hora de rir, como se já conversássemos há muito tempo. Depois de tanto ouvir seus álbuns, isso era verdade, de certa forma.

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MARCADORES: Entrevista

Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.