SINAPSE: flores e fronteiras

Haruomi Hosono, sightseeing music e as trilhas sonoras das lojas MUJI

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Fotos: Mariana Poppovic

Um músico e suas livres associações nas zonas de contato da arte (sempre às quartas-feiras).

 

TURISMO MUSICAL

Haruomi Hosono, MUJI e Watering a Flower

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Ao longo dessa última semana, enquanto lia com tristeza as notícias sobre a morte de Yukihiro Takahashi e sobre o “provavelmente último álbum” de Ryuichi Sakamoto, me pus a pensar na Yellow Magic Orchestra e, também, na carreira solo brilhante que os seus integrantes tiveram.

O terceiro membro fundador do projeto é Haruomi Hosono, um artista prolífico, que é considerado um dos músicos mais influentes da história da música pop japonesa. Com discografia de algumas dezenas de álbuns, suas músicas partem do minimalismo sombrio e introvertido, passam pela bossa nova e chegam até o disco bem-humorado inspirado por paisagens tropicais. Não são poucos os artistas que assumidamente tiveram por inspiração a música de Hosono, de Mac DeMarco até Jim O’Rourke e Vampire Weekend.

Essa mudança tão radical de cenários musicais, contemplada por uma discografia tão extensa, pode ser entendida a partir do conceito de “música turismo” – ou

sightseeing music, que Haruomi Hosono defendia. A música enquanto turismo, por assim dizer, é uma maneira de pensar, fazer e escutar música em que artistas e público absorvem influências externas e as traduzem de acordo com suas próprias experiências individuais. O resultado é o de uma música despreocupada com a ideia de fronteiras.

A carreira musical de Hosono coincide com a reconstrução da identidade japonesa a partir da Segunda Guerra, um momento no qual houve um esforço de revitalização ativo por parte de artistas japoneses, aceitando influências estrangeiras e estudando estilos musicais com entusiasmo. De acordo com esse texto, “tal atitude de aceitar culturas estrangeiras sem muita presunção não se limitava à música. É de fato o que tornou a cultura japonesa única. Kenya Hara, um dos designers mais respeitados do Japão, explica isso em seu livro Designing Design: ‘os habitantes de Tóquio estão tão determinados a não perder nada interessante fora do país, que mobilizam totalmente sua capacidade intelectual para capturar o máximo que podem’”.

Aliás, falando em design, essa trilha sonora feita sob encomenda para a loja MUJI, composta justamente por Haruomi Hosono, é um clássico lo-fi do YouTube. A Muji é uma loja japonesa que oferece desde canetas esferográficas até casas pré-fabricadas, mas todos os produtos parecem pertencer ao mesmo universo por conta da identidade visual clean da loja. Watering a Flower, lançado apenas em fita cassete, responde a esse minimalismo com a música.

Aliás, a MUJI lançou as suas trilhas sonoras nos serviços de streaming. Podemos entender as músicas como uma espécie de turismo musical, porque são faixas inspiradas por diversos países do mundo, mas, infelizmente, são muito genéricas e superficiais. Watering a Flower é, de fato, uma raridade no catálogo da loja.

No entanto, se nos aventurarmos pela background music do YouTube, veremos um tipo diferente de jornada experimentada pelos ouvintes. Ao vagar pela caixa de comentários, percebemos um tipo muito específico de experiência literária, de uma escrita e de uma leitura influenciados pelas músicas, acontecendo. De alguma forma, absortos pelas melodias delicadas de Watering a Flower, os ouvintes são levados em um turismo musical de experiências emocionais alheias.

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Autor:

é músico e escreve sobre arte