SINAPSE: no mais profundo oceano

Refração da luz, “Weird Fishes”, Carolina Sales Teixeira e o mistério interior

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Fotos: Mariana Poppovic

Um músico e suas livres associações nas zonas de contato da arte (às quintas-feiras).

 

WEIRD FISHES

Thom Yorke e a refração da luz

 

Não sei se você assistiu ao recente vídeo de um biólogo marinho respondendo perguntas da internet, mas recomendo que o faça depois de terminar este artigo. Elencando fatos bizarros do fundo do mar com a maior trivialidade, esse vídeo me deu uma perspectiva de que o cotidiano e a realidade são, na verdade, surreais – e que algumas coisas fantásticas não passam da mais pura ciência.

Muito provavelmente você já ouviu falar da camuflagem dos polvos e da bioluminescência dos peixes das profundezas. E que os cavalos marinhos machos é que engravidam depois das fêmeas fecundá-los? Bom, isso não é nada perto do peixe palhaço, que possui um núcleo familiar – e caso a fêmea morra, o macho simplesmente troca de sexo e começa a botar ovos.

Claro que tudo isso é muito intrigante, mas ainda não é nada próximo do fato de que orcas são sociais como os humanos e que há relatos de comportamentos comunitários excêntricos por conta disso, como quando uma orca começou a usar um peixe como chapéu, lançando moda em sua comunidade, resultando em dezenas de orcas nadando por aí ornamentadas com salmões desfalecidos na cabeça. Interessante, mas, na minha opinião, estes dados todos não são nada demais se comparados ao fato de que existe uma espécie de camarão que dá um soco capaz de quebrar moléculas de água, fazendo assim com que essa micro fusão atômica atinja uma temperatura equivalente à da superfície do sol.

Oi? Em cada fato um nível maior de maluquice, que me deixa com cara de linguado, e atesta que, apesar do conhecimento disso tudo, pouco ou nada sabemos do oceano. O que me leva a pensar no que seria possível nessas fendas profundas e, enfim, em toda a extensão do nosso planeta, em que a vida acontece sem que tenhamos conseguido atrapalhá-la.

As empreitadas ingênuas e cheias de húbris, como a daqueles bilionários pilotando um submarino caseiro com um controle de Playstation, colocam a humanidade de volta em seu lugar de humildade. Aquela expedição, que ficou famosa por conta de seu absurdo, não foi para o fundo do mar a fim de observar a Fossa das Marianas ou alguns animais exóticos, mas sim para explorar o Titanic, o naufrágio mais famoso da história da humanidade. A empreitada denota uma falta de curiosidade pela vida, um tédio profundo e abastado e que denuncia, ironicamente, uma falta de profundidade subjetiva.

Neste jogo entre emergência e profundidade, iluminação e contemplação, me lembrei deste lindo trabalho da artista açoriana Carolina Sales Teixeira, que explora maneiras de transportar um pensamento cartográfico para um discurso artístico. Em uma tela, dobrada como as ondas do mar, e que exibe um gradiente de cores pintado com tinta a óleo, ela estuda a refração da luz quando projeta na água do oceano, mudando de cor conforme a profundidade que atinge.

O que me leva, por consequência, a pensar em outras refrações famosas da história da música, como por exemplo, a mostrada na capa de In Rainbows, do Radiohead. Na música “Weird Fishes”, o fundo do poço emocional de Thom Yorke equivale ao fundo de uma fossa marítima, onde não chega nenhuma claridade, onde animais são obrigados, por isso, a emitir uma luz própria.

Um último fato curioso: segundo o livro Your Inner Fish: A Journey into the 3.5-Billion-Year History of the Human Body, de Neil Shubin, aparentemente nós, humanos, assim como outros seres vertebrados, somos classificados como peixes. Nossas mãos são semelhantes a nadadeiras e nossas cabeças organizadas tal qual a de outros seres aquáticos já extintos. De alguma maneira, somos os mesmos, mas em algum momento da história, “nos separamos (in rainbows) como ondulações na costa de um litoral branco“. Talvez esteja aí uma chave para o nosso mistério interior: seres das profundezas mexem com o nosso imaginário porque refletem a nossa própria escuridão.

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Autor:

é músico e escreve sobre arte